2012 é mais um ano que termina com saldo de derrota para a população trabalhadora. Diversas novidades normativas no decorrer do ano trouxeram perda direta ou indireta de garantias ou impediram que novos direitos fossem conquistados.
Pseudocooperativas legalizadas
A pior notícia do ano talvez tenha sido a Lei 12.690, que liberou a terceirização por meio de cooperativas. Até então, eram permitidas as cooperativas direcionadas a determinada atividade econômica (no que não há nenhum problema), mas não as de fornecimento de mão-de-obra.
A melhor maneira de explicar essa diferença é com casos práticos. É comum, por exemplo, que agricultores se organizem em cooperativas para centralizar atividades como armazenamento e venda de produtos, compra de sementes e tratores, etc. Isso lhes traz mais força para negociar com compradores e fornecedores, possibilidade de aquisição de máquinas em nome da cooperativa para uso compartilhado nos casos em que seus membros não tenham recursos ou interesse em comprá-las individualmente, etc. A cooperativa é também uma forma possível de organização para quem deseje trabalhar sem patrão, preservando a igualdade no ambiente de trabalho e administrando-o por meio de decisões colegiadas. AND, em sua origem, foi uma cooperativa de jornalistas, assim como o antigo Coojornal, de Porto Alegre. Nesses casos, os trabalhadores membros da cooperativa são, individual ou coletivamente, os donos de seus locais e instrumentos de trabalho.
No caso das cooperativas de trabalho direcionadas à prestação de serviços, autorizadas pelo art. 4º, II da nova lei, a situação é a inversa. Os trabalhadores que a integrarem terão todos os inconvenientes e nenhuma das vantagens tanto do trabalho por conta própria como da relação de emprego: não serão donos de nada nem estarão cobertos pelas garantias da CLT. Não terão poder algum sobre o ambiente de trabalho, pois trabalharão na empresa que contratar a cooperativa. E em vez de mais fortes, estarão mais fracos para negociar com os patrões, já que, não sendo empregados, não terão direito à representação sindical nem estarão cobertos por convenções e acordos coletivos.
A lei assegura, em tese, descanso semanal, férias e limite de jornada. Já a garantia de remuneração não inferior ao salário mínimo e o direito a um seguro contra acidentes (situação que o INSS não cobre em se tratando de cooperados) ficam sujeitos à carência que a cooperativa definir, seja ela qual for. E o trabalhador fica proibido de cobrar judicialmente da empresa contratante qualquer direito desrespeitado: nesse caso, terá que processar a cooperativa, ou seja, a si mesmo e a seus colegas – que dificilmente terão dinheiro para arcar com a condenação.
Esses últimos pontos são mérito pessoal da senhora Roussef e dos ministros José Eduardo Cardozo (Justiça) e Míriam Belchior (Planejamento, Orçamento e Gestão). Tal como saiu do Congresso, a lei era ruim (ou melhor, péssima), mas nem tanto. Embora procurasse conciliar coisas inconciliáveis como a autonomia inerente aos sócios das verdadeiras cooperativas e a intermediação de mão-de-obra para realização de serviços em condições típicas da relação de emprego como obrigações de local e horário, pelo menos continha alguma tentativa de freio a fraudes e abusos.
O art. 4º, por exemplo, tinha um parágrafo delimitando o que seria considerado “serviço especializado” realizável por cooperativa. Sob a alegação (verdadeira) de que o conceito era impreciso, o ministério da Justiça sugeriu um veto que deixou a lei sem definição nenhuma sobre o assunto, possibilitando a contratação de cooperativas para qualquer trabalho.
O art. 5º (que veda a utilização da cooperativa para a realização de trabalho subordinado) tinha também um parágrafo que possibilitava, em caso de descumprimento de qualquer aspecto da lei, a caracterização do vínculo de emprego do trabalhador com a cooperativa ou com a empresa contratante.
Já o art. 30 revogava o parágrafo do art. 442 da CLT, maior escudo das pseudocooperativas e das empresas que delas se servem contra o reconhecimento judicial de vínculos de emprego em caso de fraude ou desvirtuamento do que deveria ser a relação cooperativista. Dilma vetou, a pedido do MPOG, os dois dispositivos que mudavam essa situação.
Fura-greves terceirizados
A sanha precarizadora dos atuais gestores do Estado brasileiro levou a que até a antiga e tradicional atividade de fura-greve fosse terceirizada. Em meio à paralisação de várias categorias do serviço público, no meio do ano, Dilma promulgou o Decreto 7.777, determinando a seus ministros que utilizassem funcionários estaduais e municipais para exercer as tarefas dos participantes do movimento. Que a medida seja obviamente inconstitucional, não é algo que pareça preocupar o governo nem o Judiciário. Tampouco preocupa-os o fato de que os funcionários dos estados e municípios não podem realizar tarefas próprias de cargos para os quais não prestaram concurso, nem, muito menos, ser obrigados a obedecer ordens de autoridades e burocratas de outra esfera de governo que não a sua. Em outras palavras, não podem ser obrigados a furar greve e, se desejarem fazê-lo, estarão incorrendo em usurpação de função pública.
Restrições previdenciárias
Os funcionários federais sofreram outro duro golpe com a Lei 12.618, que deu efetividade ao pior aspecto da reforma de seu sistema previdenciário aprovada em 2003: a transferência da parcela de suas contribuições e benefícios excedente ao teto do INSS para três entidades denominadas Funpresp (Fundação de Previdência Complementar do Servidor Público Federal), uma para cada poder (Executivo, Legislativo e Judiciário). Essa lei subtrai dinheiro tanto do servidor quanto do Tesouro Nacional para usá-los no financiamento de monopólios diversos.
A parcela do desconto previdenciário excedente ao máximo descontável para o INSS será aplicada pela Funpresp no mercado de títulos e ações, subtraindo recursos ao Tesouro e condicionando a aposentadoria complementar do servidor ao resultado desses investimentos.
Ainda no campo da Seguridade Social, o Executivo vetou o Projeto de Lei 1.186/2007 da Câmara, que estendia aos catadores de caranguejo o seguro-desemprego a que têm direito, no defeso (período em que a cata é proibida) os pescadores artesanais.
Golpes na economia
Outro golpe sofrido pelos setores populares e médios em favor das entidades financeiras foi a redução dos rendimentos da caderneta de poupança pela Lei 12.703 (originalmente, Medida Provisória 567). Essa norma transferiu dos bancos e fundos de investimento para os trabalhadores o ônus decorrente da redução da taxa de juros do Sistema Especial de Liquidação e Custódia (Selic) ao limitar a remuneração das cadernetas a 70% da meta estabelecida pelo Banco Central para esta última, quando isso resultar em rendimento menor que 6% ao ano.
Essa medida visa obrigar os poupadores a trocar a segurança das cadernetas (essencial para uma família trabalhadora que poupa durante anos para comprar uma casa ou para ter uma reserva em caso de doença) por investimentos especulativos e/ou de risco, nos quais os lucros são absorvidos pelos bancos sob a forma de comissões e os prejuízos são exclusivos dos correntistas.
E tem mais
Essas são as “novidades” legislativas que afetam diretamente a população trabalhadora. Uma infinidade de outras surte efeitos indiretos. A concessão de monopólios econômicos e renúncias fiscais à Fifa e seus comparsas no contexto dos preparativos para a Copa do Mundo de 2014 (Lei 12.663 e MP 584) e a dispensa de contribuição previdenciária concedida a rodo a empresas de setores diversos são alguns exemplos.