A salvação da lavoura do imperialismo

A salvação da lavoura do imperialismo

A política de submissão das instituições brasileiras frente ao poder das corporações imperialistas, principalmente na área agrícola, coloca o Brasil como o maior consumidor de agrotóxicos da América Latina e, na mesma categoria, o terceiro maior do mundo. Em todo o planeta crescem as resistências das populações contra o uso indiscriminado desses produtos altamente prejudiciais à saúde humana.

Os pesquisadores Maria Erbene da Ponte
e José Júlio da Ponte

No Brasil aplica-se na agricultura até 40 kg de substâncias tóxicas por hectare, principalmente em lavoura de tomate e outros legumes que muitas vezes são consumidos crus ou frescos. O Planalto — do gerenciamento militar à atual administração — nada tem feito para mudar essas políticas de favorecimento das corporações estrangeiras, que lucram fortunas e provocam inúmeros males à população do país.

Está comprovado: entre inúmeras disfunções orgânicas os agrotóxicos provocam malformações fetais, impotência e esterilidade sexuais, aborto, câncer, cirrose hepática, loucura.

O governo é conivente com o problema, a ponto das corporações estrangeiras transmitirem ordens às entidades que normatizam os órgãos que deveriam fiscalizar e controlar o uso de agrotóxicos. E o Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI) é acusado de praticar a mais absurda burocracia e entraves técnicos para aprovar patente de produtos que venham fazer frente à ganância dessas corporações, ou mesmo quando se trata de defender os altos interesses nacionais, seja no campo econômico, agrícola, ecológico ou da saúde pública.

José Júlio da Ponte, professor-emérito da Universidade Federal do Ceará (UFC), livre docente na cadeira de Fitopatologia do Curso de Agronomia, com inúmeros trabalhos e teses publicadas, inclusive em edições científicas da Europa e USA — há quase dois anos aguarda a aprovação do pedido de patente junto ao INPI (processo nº PI0203896-0), sob o título Produção de Manipueira em pó para utilizar como insumo agrícola: Defensivo e Fertilizante, uma descoberta que tem mais de 20 anos de cuidadosa pesquisa.

“Uma burocracia infernal”, diz o professor Júlio da Ponte que certa vez pleiteou uma pequena quantia de seis mil reais junto ao Ministério da Ciência e Tecnologia para dar prosseguimento aos seus estudos. No entanto, o que recebeu foram conselhos de alerta de que o “lobby” das empresas atuava fortemente contra as pesquisas desse nível — como se esse fosse um território de origem da corporação estrangeira e o “conselho” que lhe forneceram a única prerrogativa legal a que tivesse direito. As quadrilhas dirigidas pelas corporações têm tanta força que não é aconselhável recorrer à negação de pleitos dessa natureza.

No entanto, esse exagerado investimento em agrotóxicos não correspondeu, em nosso país, a uma redução significativa das perdas agrícolas em razão das pragas e doenças. Em muitos casos, os resultados foram, até mesmo contra-producentes, em função da intensidade dos desequilíbrios biológicos causados pelo coquetel de pesticidas utilizados, culminando com o extermínio dos inimigos naturais das pragas e fitomoléstias. A intensidade do uso desses produtos que reconhecidamente destroem funções vitais do organismo humano, chega ao absurdo deles nem conseguirem mais combater as pragas.

C&T & proteção ao invasor

O relatório do pesquisador cearense, eleito Man of the year/1997 (Homem do ano/1997) pelo American Bibliographical Institute (USA) — uma dessas renomadas instituições de ciência e tecnologia, C&T, como dizem — acrescenta ainda que “no período de quase dez anos (1976/85) aumentou em 500% o consumo de agrotóxicos no Brasil, enquanto que, no mesmo período, registrava-se um aumento de produtividade de 5% apenas.” Um ganho que, além de irrisório, não pode ser creditado exclusivamente a pesticidas. A enorme discrepância entre tais números sinaliza o malogro de tão pesado investimento em agrotóxicos.

Não obstante, por força de uma campanha antinacional tenaz e massificante, indo da avassaladora e constante contra-propaganda nos meios de comunicação à corrupção de pesquisadores e técnicos, o faturamento das corporações agroquímicas continua em alta. Assim, de 1993 a 1997, as vendas cresceram em 104%, passando de U$ 1.050 bilhão para U$ 2.161 bilhões (Folha de São Paulo, 03/03/1998). Relevantes foram também os “impactos ambientais”, a contaminação de alimentos e as intoxicações de agricultores e consumidores. Os casos de intoxicações instantâneas (sem considerar as consequências a médio e longo prazo) cresceram em 65%. No extremo oposto, os ganhos de produtividade continuaram irrelevantes. Mas, seguramente, no doce embalo de tão polpudo faturamento, isto pouco importa aos fabricantes de pesticidas.

Para o professor Júlio da Ponte, é “difícil, fazer ciência e pesquisa no Brasil”. Seu projeto no INPI já passou por várias exigências burocráticas e ele acredita que tão cedo não será aprovado. Mas denuncia que gente da direção da Associação Nacional de Defesa Vegetal é defensora dos fabricantes de produtos fitossanitários. A verdade é que os agrotóxicos de última geração são mais caros e mais tóxicos, aumentam o custo da produção e prejudicam a saúde humana. Essa consciência foi o motivo maior para o esforço do professor e o prosseguimento de sua pesquisa.

Determinado a defender seus projetos de interesse nacional, ele iniciou na universidade, em 1979, uma linha de pesquisa com o objetivo de descobrir um defensivo natural a partir de extratos e derivados naturais. A manipueira (subproduto da mandioca) — a palavra é originária do tupi: mani (mandioca) e pueira (resto, resíduo) — foi sucessivamente testada como nematicida, inseticida e fungicida, mostrando excelentes resultados para todas essas finalidades.

A partir daí, sua fama no meio científico teve reconhecimento internacional. Quando a OEA o distinguiu como um dos três fitopatologistas brasileiros mais atuantes, despertou a ira das multinacionais. Formado em agronomia em 1958, o professor Júlio da Ponte passou a ser membro da fechadíssima “New York Academy of Sciences”. Autor de oito livros — entre eles um que é indicado em todas as faculdades de agronomia brasileira: Doenças de Plantas — e mais de 500 trabalhos científicos publicados, entre artigos, monografias e conferências, o cientista tornou-se também um dos maiores críticos da academia sobre os efeitos do uso indiscriminado dos agrotóxicos no Brasil.

Seus alertas aos produtores e às autoridades, em entrevistas à imprensa e conferências sobre os males causados pelo uso contínuo dos produtos químicos, provocaram imediata reação dos fabricantes, lembra sua esposa, a pedagoga Maria Erbene da Ponte, pesquisadora e assistente do professor. Erbene, co-autora do invento que está sendo analisado no INPI, denuncia que até ameaças de morte o pesquisador já recebeu. Supostamente, tratam-se de pessoas ligadas à fabricação e venda de agrotóxicos.

Composição química da manipueira em pó comparada a da manipueira líquida

Componentes
Manipueira
Macronutrientes Em pó (%) Líquida (ppm)
Potássio (K) 6,72 1.183,5
Nitrogênio (N) 1,00 425,5
Magnésio (Mg) 0,37 405,0
Fósforo (P) 0,29 259,5
Cálcio (Ca) 0,28 227,5
Enxofre (S) 0,10 195,0
Micronutrientes mg/kg ppm
Ferro (Fe) 5.355,00 15,3
Manganês (Mn) 109,00 3,7
Zinco (Zn) 22,00 4,2
Cobre (Cu) 4,50 11,5
Boro (B) 2,00 5,0
Cianetos % ppm
Livre 9,3 42,5
Total 86,40 604,0

Forças contraprodutivas

Mas nada disso (solicitações acompanhadas do devido preenchimento de exigências burocráticas, esforço financeiro pessoal e ameaça de morte) afastou o propósito dos estudiosos. Diz ainda o professor que não vai desistir, consciente de que a luta contra esses grupos atuantes no mundo inteiro pode lhe custar a vida.

Independente da acomodação do governo e das ameaças, o professor do curso de Doutorado de Agronomia da UFC é categórico sobre o futuro do defensivo e adubo da mandioca: “A minha única condição é o uso da manipueira em escala comercial.”

A manipueira, sucessivamente testada como defensivo agrícola em todas as variedades de ataques (praga, fungos, insetos e ácaros) superou, nos ensaios experimentais, os melhores pesticidas comerciais dos respectivos gêneros. É rica em todos os macros e micronutrientes exigidos pelas plantas. Como adubo foliar (aplicado diretamente na última escala: a folha), as plantas de tomate, quiabo e gergelim cresceram e produziram bem mais do que as adubadas com fertilizante sintético.

Durante anos a manipueira foi testada e aprovada como nematicida, inseticida, acaricida, fungicida, bactericida, herbicida e adubo. Confirmou-se, com exatidão, a sua composição química com todos os macronutrientes ideais para as plantas (K, N, Mg, P, Ca, e S), salvo o Molibdênio, conforme a ordem quantitativa, na análise procedida pela UNESP, Campus de Botucatu, São Paulo.

“Ao fazermos o controle de praga e doenças foliares mediante pulverização com manipueira, estamos, qualquer que seja a diluição utilizada, fazendo, simultaneamente, uma fertilização foliar — fato que torna ainda mais rentável a opção pelo uso desse composto como defensivo agrícola”, ensina o pesquisador.

A manipueira em pó (estará disponível a qualquer época, e terá longevidade bem expressiva) vai possibilitar ampla comercialização do produto devido a sua facilidade de transporte, armazenamento e uso. Os pesquisadores, agora, só dependem da liberação da patente por parte do INPI. E o professor Júlio revela que existe um grupo nacional interessado em produzi-la em escala comercial.

Cada 100 litros do composto líquido, segundo a pesquisa, gera de 6 a 8 kg de manipueira em pó. No processo inverso (a manipueira em pó) a composição é de 1 ou 2 colheres de sopa por litro de água (cada colher contendo cerca de 20g do composto), comparando-as com a manipueira líquida em diluição aquosa 1:1 e a testemunha (água + 1% de farinha de trigo, componente adesivo também incluso nos demais tratamentos).

O progresso e o atraso

As nossas forças produtivas (o homem, instrumentos de produção, conhecimentos científicos e técnicos, hábitos e tradições de trabalho, etc.) não podem mais ter o seu desenvolvimento tolhido pela forma social de produção determinante no Brasil. As relações sociais de produção semifeudais e semicoloniais, ao tolher o desenvolvimento das forças produtivas, têm revelado ser o grande instrumento de atraso na vida do povo.

Nessas condições, o avanço da técnica (isolada dos demais elementos das forças produtivas e que não corresponde às relações sociais dignas, mas à destruição e à rapina) vem se tornando degenerado, produtor venenos, moléstias, miséria e devastação; comprovadamente antidemocrático e antinacional. O que vigora como técnica e suas necessidades, por exemplo, são as experiências estrangeiras inteiramente nocivas, que não servem para o nosso país da mesma forma que não servem para o estrangeiro. São avançadas na aparência, porém, atrasadas no conteúdo. Assim vêm se comportando os transgênicos, os agrotóxicos. Assim vão corrompendo a prática da biologia e de todas as ciências.

O fator principal do desdobramento da ciência não é o desenvolvimento lógico dos problemas e das noções, da erudição, e dos interesses antipovo. Mas, o desdobramento da ciência atende às necessidades da técnica e da produção material. Quando a sociedade tem necessidades técnicas, a ciência recebe muito mais ajuda do que receberia de dez universidades.

As necessidades do processo produtivo é que fazem avançar a ciência. Mas o avanço das necessidades sociais tornou inconcebível o processo produtivo como monopólio de uma reduzida classe social, a exemplo do que, hoje, serve aos capitalistas especuladores; rentistas, improdutivos.

A mais avançada técnica, utilizada para produzir monopólios de exploração do homem pelo homem e a escravização das nações, despreza as leis objetivas da natureza e da sociedade. A ciência surge e se desenvolve em função da atividade da prática social dos homens e revela a ação das leis fundamentais frente ao aparente caos dos fenômenos. Mas, a ciência escravizada pelo imperialismo, a serviço do lucro máximo, é útil apenas para aumentar a exploração do povo. Torna-se retalhada, anárquica, incapaz de revelar os seus propósitos perante a humanidade e atende a interesses impostores, nunca aos interesses da economia e da defesa nacionais, tampouco ao desenvolvimento cultural do país. Ao contrário, os interesses dos brasileiros exigem que nenhuma investigação científica seja negociada com o imperialismo, sob que bandeira venha a se apresentar.

Ao longo das últimas duas décadas, o jornal A Nova Democracia tem se sustentado nos leitores operários, camponeses, estudantes e na intelectualidade progressista. Assim tem mantido inalterada sua linha editorial radicalmente antagônica à imprensa reacionária e vendida aos interesses das classes dominantes e do imperialismo.
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