Em 11 de maio último, as famílias remanescentes da Batalha de Santa Elina, juntamente com outros acampados da região de Cerejeiras e Corumbiara, em Rondônia, organizadas pelo Comitê de Defesa das Vítimas de Santa Elina — CODEVISE, retomaram o latifúndio. As mais de trezentas famílias que ocupam a Santa Elina travam uma nova batalha pela conquista daquelas terras, enfrentando ameaças constantes de bandos de pistoleiros e a "justiça" do latifúndio.
No dia 19 de maio, apenas 8 dias após a retomada da fazenda Santa Elina, o juiz Cristiano Gomes Mazzini, da Vara Cível da Comarca de Colorado do Oeste, baseado em um relatório do INCRA de novembro de 2007 que dá ao latifúndio o status de "altamente produtivo", concedeu Liminar de Reintegração de Posse determinando um prazo de cinco dias para que os camponeses deixassem o local.
Assim, a justiça de Rondônia ignorou todo o processo de discussão aberto entre o CODEVISE — Comitê em Defesa das Vítimas de Santa Elina com o governo federal através da Comissão Especial de Direitos Humanos, Incra Nacional e gabinete pessoal do presidente Lula que se comprometeram em entregar as terras da Santa Elina aos Camponeses.
Língua de candidato, ouvidos de mercador
Em setembro do ano passado, quando membros do CODEVISE, permaneceram acampados durante 19 dias em frente ao Congresso Nacional, o Chefe do Gabinete Pessoal da Presidência da República firmou uma série de compromissos com os camponeses que consistiam em:
1Promover uma maior interlocução com o CODEVISE na resolução das questões relativas ao Massacre de Corumbiara, reconhecendo o papel do Comitê como entidade representativa das famílias, sem prejuízo dos interlocutores já estabelecidos no caso em tramitação na Comissão Interamericana dos Direitos Humanos;
2Assegurar, em até 60 dias, a visita do Secretário Especial dos Direitos Humanos e do Presidente do INCRA à região do Massacre, com o objetivo de realizar uma audiência pública com as vítimas e anunciar os encaminhamentos promovidos pelo Governo Federal;
3Promover o assentamento das famílias do massacre ainda não contempladas pela reforma agrária, verificar a infra-estrutura e apoiar as famílias assentadas nos projetos;
4Agilizar os processos de desapropriação nas áreas onde estão localizados os acampamentos, verificando as formas de iniciar o processo de reforma agrária na Fazenda Santa Elina;
5Com relação à proposta formulada pelo Comitê de a União assumir a responsabilidade pela indenização de todas as vítimas do Massacre, o Governo Federal se compromete a analisar as possibilidades legais de assegurar essa reivindicação, envidando esforços, inclusive, nas negociações com o Estado de Rondônia para que este assuma suas responsabilidades;
6Estudar o agendamento de reunião do Comitê com o Presidente da República, tão logo haja encaminhamentos concretos por parte do Governo Federal.
Contudo, os camponeses afirmam que até hoje nenhum desses compromissos foi concretizado.
Reintegração é questionada
O Núcleo dos Advogados do Povo e o Centro Brasileiro de Solidariedade aos Povos, há três semanas divulgaram uma nota dirigida à Ouvidoria Agrária Nacional questionando a liminar de reintegração de posse em que denunciava os preparativos para a desocupação da área pela Polícia Militar.
Não obstante, deve-se salientar que já foi expedido ofício à Polícia Militar, em 04.06.2008, para que a mesma informe ao juízo, no prazo de 05 dias, sobre o cronograma de cumprimento da decisão liminar.
(…) este histórico aqui narrado serve para alertar este órgão acerca do que pode vir a acontecer. De fato, trata-se do mesmo local. Em outras palavras, a situação é semelhante, pelo que teme-se por uma reação truculenta do Estado, nos mesmos moldes do ocorrido 13 anos atrás.
(…) não há qualquer ato ilegal praticado pelos camponeses, a despeito da decisão do juízo de Colorado do Oeste. A decisão liminar, por sua vez, é completamente ilegal (…) tudo indica que a área em questão é fruto de grilagem. Acaso se fizer o levantamento dominial, constatar-se-á que se trata de terra devoluta.
A verdade nisso tudo, e o mais importante, é que trata-se de uma luta justa pelo acesso à terra, de um direito constitucionalmente garantido. Isso reforça o entendimento de que qualquer ação violenta do Estado será injustificável, extremada e ilegal.
[trechos extraídos da nota do NAP e Cebraspo]
Em resposta à nota, o ouvidor agrário, Gercino José da Silva Filho, respondeu que:
em reunião em Porto Velho, no Tribunal de Justiça, no dia 12 de junho de 2008, o magistrado da comarca de Colorado do Oeste, em contato telefônico com a presidente do Tribunal de Justiça, esclareceu que o mandado de reintegração de posse da fazenda Santa Elina/Água Viva, localizada no município de Corumbiara, não será cumprido até o dia 22 de julho de 2008".
Novamente o Exército e a justiça
No entanto, as ameaças e ataques do latifúndio continuam, contando inclusive com o respaldo "legal" do velho Estado burguês-latifundiário, como podemos constatar nesta decisão do Juiz de Direito Jorge Luiz dos Santos Leal da comarca de Porto Velho, expedida em 9 de junho último da qual extraímos os seguintes trechos:
O Advogado ERMÓGENES JACINTO DE SOUZA retirou os autos com carga (fl. 392 verso) e não os devolveu, simplesmente entregando-o à Comissão de Direitos Humanos da OAB/RO.
É evidente nos autos que a parte ré, assim como seu advogado, tem litigado de má-fé, visando causar tumulto no feito, impedindo o cumprimento, pela 4ª vez, do mandado de reintegração de posse. Veja-se que até conseguiram fazer o Ouvidor Agrário Nacional fazer pedido de manutenção dos invasores na área
Os invasores se intitulam membros da LCP Liga dos Camponeses Pobres, entidade que há 2 meses foi notícia na mídia nacional sob acusação de tratar-se de grupo de guerrilha dentro do território nacional. As fotografias trazidas pela PM levam a crer que houve um recrudescimento do movimento, com utilização de técnicas de guerrilha a impedir o exercício da atividade policial, como não identificação pelo uso de camisas nas cabeças, destruição de pontes para dificultar o acesso, dentre outras. Por isso, vejo necessário comunicar ao Exército Brasileiro a eventual ocorrência de utilização de técnicas de guerrilha dentro do território nacional, o que em tese criaria situação gravíssima de atentado à integridade do território e segurança nacional. Oficie-se ao senhor General da 17ª Brigada de Infantaria e Selva, nesta cidade, para conhecimento. Além disso, considerando manifestação da Polícia Militar no sentido de que necessi ta de apoio operacional, solicite-se ao senhor comandante da 17ª Brigada apoio para o cumprimento do mandado.
Nego ao advogado dos réus Ermógenes Jacinto de Souza o direito de retirar os autos do cartório diante da sua atitude de recebê-los quando não lhe era possível, entregá-los à guarda de outrem e simplesmente não os devolver em cartório.
Por isso, Oficie-se à OAB/RO para apuração de infração ao Código de Ética daquela Instituição (art. 34, XXII do EOAB).
Os Oficiais de Justiça deverão entrar em contato com a Polícia Militar, e esta com o Exército Brasileiro, para providenciar as condições necessárias ao cumprimento do mandado de reintegração de posse, com os cuidados necessários para evitar-se conflito armado."
A justiça em Porto Velho acusa os camponeses e o Advogado do Povo Ermógenes Jacinto de "agirem de má fé" por utilizarem da própria justiça e seus recursos, alertando a Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil sobre a grave situação da luta pela terra em Rondônia. Devido a esta atitude corajosa do advogado dos camponeses, o Juiz pretende puni-lo baseando-se no "código de ética" da instituição.
O Juiz de Direito da Comarca de Porto Velho requenta os mesmos elementos forjados pela imprensa reacionária para atacar os camponeses e tentar criminalizar a justa luta pela terra, e ordenar a ação da Polícia Militar e do Exército Brasileiro para cumprir uma reintegração de posse de forma "pacífica" (!).
Nesses momentos extremos a Justiça brasileira revela duas facetas. Enquanto a juíza Regina Coeli Medeiros de Carvalho, da 18ª Vara Federal do Rio de Janeiro ordenou a retirada das tropas do Morro da Providência após o brutal assassinato de jovens na favela com comprovada participação de soldados do Exército Brasileiro, o Juiz Jorge Luiz dos Santos Leal da comarca de Porto Velho determina a ação do Exército para cumprir a reintegração de posse das terras griladas pelo latifúndio no estado de Rondônia.
Prisões e desaparecimento de camponeses em ação policial comandada por latifundiário
M. L. P.
Conceição do Araguaia, Pará — No dia 26 de maio, cerca de 40 famílias de camponeses pobres do município de Conceição do Araguaia, tomaram o latifúndio Cinzeiro. As terras da fazenda cuja propriedade é reclamada pelo latifundiário Genuíno Moreira da Silva pertencem à União e foram adquiridas pelo Incra para implantação do Projeto de Assentamento (PA).
Ao entrarem na Fazenda os camponeses foram recebidos à bala por cerca de 8 pistoleiros. Os camponeses denunciam que no dia 28 de maio, por volta das 3h da manhã, o latifundiário Genuíno, em seu carro particular, acompanhado de 3 policiais Militares (2 deles reconhecidos pelos camponeses — Sargento Wilson e Soldado Almir) invadiram as casas dos camponeses, arrombando as portas, atirando e batendo nos moradores. Durante toda a ação o latifundiário permaneceu armado e dando ordens diretas aos policiais.
O Núcleo dos Advogados do Povo, que acompanha o caso em Conceição do Araguaia, denunciou em nota que o camponês Raimundo Dias Ferreira de 74 anos, foi agredido, jogado no chão com o latifundiário apontando uma arma contra a sua cabeça durante todo tempo. Maria Alves Bezerra de 65 anos também foi agredida. As mulheres tiveram os cabelos puxados e as crianças foram ameaçadas o tempo todo com armas apontadas para suas cabeças.
Desde a data desta ação criminosa do latifúndio o camponês Francisco Rufino Silva está desaparecido e seus familiares temem pela sua vida. Os camponeses Raimundo Dias Ferreira, José Cláudio Alves Bezerra, Martinho Julio Ferreira Dias, José Gomes Silva, João Rufino Silva e Jesus Pereira da Silva foram detidos "em flagrante" por "roubar e incendiar a fazenda". Uma velha garrucha foi encontrada na residência do Sr. Raimundo e foi apreendida e utilizada para a acusação do "porte de armas de fogo", crime inafiançável. Logo depois outras armas "encontradas" nas proximidades da fazenda e sua posse atribuída aos camponeses.
O Núcleo de Advogados do Povo denunciou em nota veiculada no último dia 5 de junho que nenhuma diligência foi realizada a fim de apurar a realidade dos fatos e que durante o Inquérito realizado pela Polícia Civil, nenhum vizinho dos camponeses foi ouvido, os familiares agredidos não puderam prestar seus depoimentos e o latifundiário não recebeu nenhuma punição, ignorando todas as denúncias que os camponeses fizeram em seus depoimentos.