Coleção Romances do Povo de Howard Fast,
Editorial Vitória, Rio de Janeiro.
Nos anos 50, a Editorial Vitória, de heróica memória, lançava, sob a direção de Jorge Amado, a coleção Romances do Povo, que reunia romancistas socialistas, entre eles: Ilya Ehrenburg, Polevói, Ostrovsky, Siomúchkin, Furmanov, Nikolaieva, Fédin, Pavlenko e muitos outros. Tentativas de trazer ao conhecimento do povo brasileiro os romances sociais já haviam sido feitas anteriormente — Calvino Filho Editor, Nossa Livraria, etc. —, mas, nenhuma teve a repercussão e a qualidade dos Romances do Povo, que são procurados até hoje nos sebos. Certamente, reeditá-los, atenderia uma demanda insatisfeita e exporia — por contraste — a pobreza a que chegou a decadente literatura pequeno-burguesa contemporânea.
Entre os prestigiados autores de Romances do Povo, encontrava-se Howard Fast, um estadunidense nascido em 1914, na cidade de Nova York. Escritor de qualidade inigualável, seus romances históricos são o que há de melhor no gênero. A temática social, a injustiça, a desigualdade econômica, são constantes nos seus livros. Homem de brio, no auge do macarthismo, sem receio das conseqüências para sua carreira literária, opôs-se tenazmente àquele movimento reacionário, o que lhe custou alguns meses de prisão em 1950. Em 1953 recebeu o Prêmio Stálin da Paz. Em 1956, por discordar dos descaminhos da Revolução Internacional do Proletariado, desligou-se do Partido Comunista.
Nos Romances do Povo, Fast teve publicados dois dos seus mais importantes livros: Espártaco (originalmente publicado em 1952 e filmado em 1961) e A Tragédia de Sacco e Vanzetti (edição original em 1948). É deste último que trataremos resumidamente.
No dia 15 de abril de 1920, quatro homens fizeram um assalto e assassinaram um guarda e um pagador. Em 22 de agosto de 1927, três homens foram executados na cadeira elétrica em represália ao assassinato: Celestino Medeiros (motorista do assalto), Nicolas Sacco e Bartolomeu Vanzetti. Estes dois últimos negaram ter participado do crime, o que foi confirmado por Celestino Medeiros e por inúmeras provas irrefutáveis. No entanto, Sacco e Vanzetti foram imerecidamente condenados. O grande crime destes dois trabalhadores (respectivamente, sapateiro e peixeiro) era o de lutar contra as disparidades econômicas e sociais. Foram condenados como um aviso aos demais revolucionários.
O notável A Tragédia de Sacco e Vanzetti é a narrativa dos acontecimentos do último dia de vida dos dois mártires proletários. Ao longo de suas mais de duzentas páginas, Howard Fast passa em revista os incidentes dentro e fora da prisão, pintando com maestria todos os detalhes daquele dia. Descreve o ânimo dos três condenados, o desespero de Celestino, a calma dos italianos, a angústia do diretor do presídio, obrigado a executar dois homens, sabendo que são inocentes, descobrindo, então, também estar preso às engrenagens de um sistema injusto, iníquo e brutalizante.
A obra também relata a superficialidade de um jornalista encarregado de uma matéria sobre a família Sacco, que não consegue ir além de um emocionalismo simplório diante da tragédia familiar e que, preocupado com a reportagem, foi capaz, apenas, de sacar conclusões existencialistas do mais puro egocentrismo. Fast examina através de um personagem, professor de Direito Penal, todos os fatos do caso, demonstrando, insofismavelmente, a inocência de Sacco e Vanzetti (italianos) e que foram condenados à pena capital pelo nacionalismo anglo-saxônico e pelo reacionarismo político, já que os dois italianos eram militantes anarquistas, enquanto a legislação anglo-saxônica, da qual tanto se orgulha o estadunidense médio, não passa do mais bárbaro e cruel instrumento de opressão das classes trabalhadoras.
Vivamente, conta-nos Fast todas as manifestações de solidariedade a Sacco e Vanzetti que percorreram os EUA, os piquetes diante do palácio do governo de Massachusets, em Boston, onde um homem —o governador — detinha o mais terrível poder: o de decidir sobre a vida e a morte de um condenado. Da mesma forma, sua narrativa descreve a omissão do presidente, um homem vazio de qualidades morais, impassível diante dos apelos que partiam de todo o mundo — Inglaterra, Alemanha, França, Itália etc., — em favor de Sacco e Vanzetti. A reação do desfibrado era sempre a mesma, a mais asquerosa indiferença.
O patético encontro em que o professor de Direito Penal e um famoso escritor de Nova York rogaram clemência pelos italianos ao governador, resultou inútil, simplesmente porque o sistema arrastara o governador a um tamanho grau de estupidez, que a mais elementar noção de justiça já não podia alcançá-lo. Página por página, Howard Fast vai autopsiando a sociedade estadunidense através de figuras representativas, deixando claro que a super-estrutura social correspondia adequadamente às necessidades de sobrevivência das classes dominantes, barrando qualquer tentativa de mudança dentro do estado de direito burguês.
Sacco e Vanzetti foram executados. Porém, a classe operária, seja nos EUA, no Brasil e em qualquer outro país, jamais esquecerá que eles não foram abatidos em represália a um crime de que eram acusados —e que de fato não cometeram —, mas, por serem representantes da revolução proletária.