O Executivo federal prossegue com o arrasamento acelerado da economia brasileira desencadeado pelas administrações anteriores. Ele obedece em tudo à oligarquia estrangeira, cujos intermediários notórios são o Banco Mundial e o FMI. Estes determinam os princípios basilares da política petista. 1) Preservar os privilégios do capital estrangeiro e dos demais concentradores: 300 grupos somam receita operacional líquida igual a 50% do PIB, a qual, entre as 10.000 maiores empresas, supera a das demais 9.700 juntas. 2) Afetar igualitarismo esquerdista destinado a transformar em pobres os 10 a 12% da população que ainda se podem considerar de classe média.
A "reforma" tributária é exemplo claro da aplicação desses princípios. O pacote mantém iniquidades colossais. A principal delas é que as empresas e bancos concentradores praticamente não pagam imposto de renda de pessoa jurídica (IRPJ). Mais de 80% do tributo recai sobre empresas de menor porte que as 500 primeiras. O total arrecadado em 2002 pelo IRPJ foi R$ 34 bilhões, e o das pessoas físicas (IRPF, inclusive na fonte), R$ 49,5 bilhões. Transnacionais e demais mega-empresas desfrutam de oligopólios e determinam os preços em seus mercados. Os substanciais ganhos desaparecem nos balanços, por meio dos mesmos mecanismos mediante os quais são transferidos para o exterior: 1) nos preços de transferência na exportação e na importação de bens; 2) nas transferências ao exterior como despesas superfaturadas e até fictícias, pelas contas do balanço de serviços e do balanço de rendas.
Esse teria de ser o tema central de uma forma tributária de verdade. É, pois, mais que estarrecedor o fato de a PEC (Proposta de Emenda à Constituição) do Executivo nem de longe tocar no assunto, ao mesmo tempo em que seu discurso repete a toda hora a necessidade de reverter a regressividade e melhorar a distribuição de renda. A questão teria de ser resolvida instituindo: 1) imposto sobre receitas líquidas de empresas que excedam R$ 90 bilhões por ano, a preços de 2002; 2) controle de câmbio e capitais, para verificar a correspondência dos valores indicados com os usuais no comércio internacional. O controle de câmbio faria as mega-empresas pagar o IRPJ, após a dedução de suas despesas, uma vez que estas seriam somente as justificáveis. Elevaria ademais a arrecadação do IRPJ proveniente das médias e pequenas empresas, embora essas, na maioria, transacionem pouco com o exterior. Por meio da atualização monetária em, pelo menos, 55% das tabelas de isenção e das alíquotas, diminuir-se-ia a tributação sobre os rendimentos do trabalho (IRPF).
Isso favoreceria a produção, o aumento da renda disponível e o emprego. Com o mesmo objetivo, há que extinguir a COFINS, cuja alíquota de 3% sobre o faturamento, incide cumulativamente em toda a cadeia produtiva, onerando médias e pequenas empresas e elevando os custos. A pseudo-reforma é ambígua quanto à COFINS, cuja substituição total ou parcial ela remete a uma lei a ser proposta. De resto, também a definição de como o tributo deixaria de ser cumulativo.
No caso da CPMF, tampouco a PEC trata de desonerar os trabalhadores e as empresas produtivas, pois mantém a atual alíquota de 0,38%. Além disso, não elimina de uma vez a cumulatividade. O mais grave é não tocar no artigo 85 do Ato das Disposições Transitórias da Constituição (DCTs), para aí contrabandeado pelas "reformas" de FH. O artigo isenta do tributo operações do mercado financeiro e as de remessas ao exterior feitas por estrangeiros. Essas isenções retiram da CPMF qualquer serventia para a economia e para a moralidade do país, pois o tributo somente se justifica como meio de evitar a evasão e a sonegação e permitir o rastreamento de operações ligadas aos tráficos ilícitos. Assim, uma reforma verdadeira tem de fixar uma alíquota baixa, como 0,1%, e suprimir o artigo 85 das DCTs.
Em mais uma ação perniciosa, a PEC tenta renovar a autorização dada pelas "reformas" de FH para desvincular 20% dos impostos e das contribuições sociais e de intervenção. Portanto, a atual administração colonial deseja, como a anterior, desviar vultosos recursos para o serviço da dívida, abusivamente elevada pela cumplicidade dos detentores do poder oficial com os concentradores, beneficiários dos juros pagos pelo setor público. Uma reforma decente tem de suprimir o artigo 76 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias.
Outras disposições da PEC não passam de demagogia, como o imposto sobre grandes fortunas (IGF), que ela permite seja criado por lei ordinária. Em princípio, esse imposto seria defensável, mas a política econômica do modelo dependente fez com que o grosso dos ativos no país não pertença a pessoas físicas residentes no país. Deprimiu a economia e desvalorizou a moeda inúmeras vezes. Com essa política econômica, que continua, o IGF traz prejuízos adicionais, aumentando as saídas e afastando qualquer recuperação da fuga de capitais. A PEC inclui também a provisão de programas de renda mínima, falsos até como paliativos. Estão na linha das coisas que o Banco Mundial promove em detrimento do desenvolvimento do país. Combinam bem com a política que faz crescer o desemprego aos milhões. No esquema, vale tudo que destrua ou avilte, e melhor ainda, as duas coisas juntas.
Um governo de verdade: 1) reestruturaria as dívidas públicas; 2) com isso, reforçaria o impulso dado pelo grande alívio fiscal ao setor privado e aos trabalhadores, investindo pesado na infra-estrutura e na produção; 3) para dinamizá-la, emitiria a moeda necessária e garantiria crédito módico. Resultado: as receitas fiscais cresceriam, mas o percentual dos impostos em relação à renda seria cada vez menor.
*Adriano Benayon é Doutor em Economia pela Universidade de Hamburgo, Alemanha e autor de Globalização versus Desenvolvimento. [email protected]