Capa da edição em espanhol da revista Pequim Informa, de julho de 1963, que divulgou a linha geral do movimento comunista internacional, abrindo a luta ideológico-política contra o revisionismo de Kruschov
Em 1963, com a publicação por parte do Comitê Central do Partido Comunista da China de sua carta ao PCUS, intitulada Proposições acerca da Linha Geral do Movimento Comunista Internacional, que ficou conhecida como a Carta Chinesa, abre-se publicamente a luta ideológico-política mais importante no movimento comunista desde a luta de Lenin contra o revisionismo da II Internacional e de Stalin contra o trotskismo. Contudo, no que se refere à sua essência, esta luta passará praticamente despercebida pelo partido reconstruído, bem como para todo o pensamento de esquerda do país à época.
As cisões e dissidências, ocorridas na organização de Prestes após o golpe militar-fascista de 1964, irão se entusiasmar pelas ideias da Revolução Cubana e do “guevarismo”. Isto representará um prejuízo muito sério no pensamento revolucionário brasileiro, pois ao não se compreender o fenômeno do revisionismo contemporâneo, passará consequentemente por cima dos reais problemas entranhados na história do partido e agravará as distorções no enfoque da realidade brasileira.
No caso do PCdoB, embora tenha marcado importante posição com sua Resposta a Kruschov (ver trechos abaixo) e mesmo com seu acercamento das teses do pensamento Mao Tsetung, irá se perder preciosa oportunidade de elevar a compreensão do significado da luta que opunha marxismo-leninismo e revisionismo, tanto no conjunto de sua direção como de todo partido. A VI Conferência Nacional, primeiro evento de caráter nacional após a reorganização de 1962, revelará estas limitações.
A importância e limitações da VI Conferência
No ano de 1966, o Partido Comunista do Brasil realizaria sua VI Conferencia Nacional, dando passo decisivo para consolidar a cisão com o oportunismo no movimento revolucionário brasileiro. Porém, na ambiguidade de sua resolução política, intitulada “União dos Brasileiros para livrar o país da crise, da ditadura e da ameaça neocolonialista“, fica expresso o peso ainda existente de concepções oportunistas no partido, mantendo no fundamental a mesma concepção de revolução nacional-democrática. Ainda que se ressalte a importância do campesinato, elegendo-o como força principal na revolução democrática brasileira, e a Guerra Popular como seu caminho, a Conferência conclui propondo como tática a formação de uma ampla “frente patriótica” para “derrubar a ditadura” e “convocar uma Assembléia Constituinte“. De tal frente poderiam tomar parte todos, independente de”filiação partidária, a tendência filosófica ou religiosa, a classe ou camada social (…)“.
A Conferência afirma ainda a existência de “duas contradições principais interna e externa“, respectivamente, entre “o povo e o governo“, e entre “a imensa maioria da nação e o imperialismo norte-americano“. Nas formulações da Conferência fica claro o subjetivismo e um domínio débil da dialética materialista e sua aplicação concreta à realidade concreta do país.
Como nos ensina Mao Tsetung, segundo o materialismo dialético, num processo de várias contradições, apenas uma e somente uma é principal em cada momento, fase ou etapa, sendo as demais secundárias ou subordinadas a ela. No caso concreto da Revolução Brasileira, isso significa que: “para que a contradição entre a maioria da nação e o imperialismo possa ser resolvida a favor das massas populares, suas forças, para passar da situação de aspecto secundário ou dominado à de principal ou dominante na contradição, têm que se acumular forças e constituir-se num nível superior para derrotar no terreno político e militar a opressão imperialista. Isto só poderá ocorrer se as massas populares lograrem acumular forças e constituir sua força armada. Este problema, por sua vez, só é possível de se resolver através da revolução agrária (…). Verifica-se então que a solução da contradição entre a imensa maioria da nação e o imperialismo se achava subordinada à solução entre camponeses pobres e latifúndio”1. Já a contradição entre as massas populares e o velho Estado burocrático-latifundiário pode ser tomada apenas como a expressão mais ampla da contradição principal, que é a que opõe os camponeses pobres ao sistema latifundiário.
Mais do que limitações teóricas, tais formulações eram expressão da luta de linhas que se achava sufocada e estrangulada no partido e particularmente no interior da sua direção. Isto porque, após a ruptura com o reformismo em 1962, o que se colocara na ordem do dia era a necessidade da ruptura completa com todo revisionismo. Correspondia avançar no terreno ideológico, político e orgânico, enquanto um verdadeiro partido comunista e estabelecer uma linha política geral, estratégia e tática, para a tomada do poder para o proletariado e as massas populares numa revolução de Nova Democracia ininterrupta ao socialismo.
O centro desta luta era a adesão ou não ao pensamento Mao Tsetung (como era concebido o maoísmo à época). Exatamente porque nessa época o marxismo-leninismo já havia saltado a uma nova e terceira etapa, o maoísmo, devenindo-se em marxismo-leninismo-maoísmo. Exigia-se, portanto, para constituir-se como um autêntico partido comunista, avançar até o maoísmo. Luta esta que se dará de forma ainda embotada, com mais intensidade na direção do PCdoB a partir da VI Conferência.
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1 – Albênzio Dias Carvalho. O Revisionismo albanês de Amazonas e sua crítica “demolidora” do maoísmo. Núcleo de Estudos do Marxismo-Leninismo-Maoísmo – 2006.
Resposta a Kruschev
Nota da redação: Esta carta aberta, assinada pelo Comitê Central, cuja autoria é atribuída a Mauricio Grabois, denuncia as posições revisionistas adotadas pelo PCUS e seus correligionários no Brasil e faz a defesa do marxismo-leninismo e do PCCh. Esta carta, como demarcação de posição, foi um importante marco, tanto no interior do PCdoB, quanto para a confrontação ideológica que se dava no mundo. A seguir, trechos do documento:
Partido Comunista do Brasil
27 de Julho de 1963
“O Comitê Central do Partido Comunista da União Soviética, em Carta Aberta publicada no Pravda de 14 de julho, procurando responder aos argumentos apresentados pelo Comitê Central do Partido Comunista da China, na carta de 14 de junho, acusa os camaradas chineses de organizar e apoiar diversos grupos antipartidários que “atuam contra os partidos comunistas dos Estados Unidos, Brasil, Itália, Bélgica, Austrália e Índia”. São nominalmente citados membros da direção do Partido Comunista do Brasil.
A acusação dos dirigentes comunistas soviéticos é simplesmente absurda, destituída de qualquer fundamento e contrária aos interesses do movimento revolucionário.
Em que se apoia o Comitê Central do PCUS para fazer tal acusação? A direção desse partido conhece muito bem os acontecimentos ocorridos no movimento comunista em nosso país a partir de 1956, e que culminaram com o surgimento de dois partidos: o Partido Comunista do Brasil e o Partido Comunista Brasileiro.
Ataques injustificados do Comitê Central do PCUS
(…) Para os revolucionários brasileiros é verdadeiramente chocante que tais ataques procedam justamente de homens que estão à frente do Partido fundado por Lenin e que, no curso de sua história, combateu implacavelmente os oportunistas e apoiou com decisão, em todas as circunstâncias, os revolucionários. Educados como comunistas no exemplo do Partido Bolchevique, sempre vimos na União Soviética uma base poderosa do movimento revolucionário mundial. Por isso não podemos aceitar a conduta daqueles que, na direção do maior país socialista, renegam as gloriosas tradições do bolchevismo e apoiam abertamente os revisionistas em todas as partes do mundo. (…)
Falência da linha oportunista
A prática tem demonstrado o quanto se desacreditou aos olhos das grandes massas e das correntes democráticas o Partido Comunista Brasileiro ao seguir uma orientação política oportunista.
(…) Mudaram o nome do partido e mutilaram seus princípios para conseguir seu registro na Justiça Eleitoral. Passado mais de um ano nem mesmo esse novo partido reformista obteve existência legal. (…)
Partido da revolução e partido das reformas
(…)
O Partido Comunista do Brasil, com o propósito de realizar a revolução nacional-libertadora, democrática e popular, empenha-se na formação de uma frente única de todas as forças revolucionárias da sociedade brasileira, tendo como núcleo fundamental os operários e os camponeses. O Partido Comunista Brasileiro, visando unicamente à conquista de reformas parciais, esforça-se para formar a denominada frente única nacionalista e democrática que inclui toda a burguesia e mesmo setores de latifundiários.
O Partido Comunista do Brasil julga que, na presente situação, as classes dominantes tornam inviável o caminho pacífico da revolução e, por isso, o povo, sem deixar de utilizar todas as formas de luta legais, deve se preparar para a solução não pacífica. O Partido Comunista Brasileiro, sem qualquer apoio na realidade nacional, engana o povo afirmando que a revolução antiimperialista e antifeudal pode ser conduzida a seus objetivos por um caminho pacífico.
(…)
Causas da cisão no movimento comunista brasileiro
(…) Os fatos demonstraram sobejamente que a cisão teve como causas principais fatores de ordem interna. Foi provocada essencialmente pela penetração das ideias burguesas no Partido, que adquiriram força com o avanço do capitalismo no país e com a tática de engodo utilizada pela burguesia. Contribuiu também a intolerância dos dirigentes reformistas chefiados por Prestes que aplicaram métodos os mais condenáveis na condução da luta ideológica. Não se pode negar, igualmente, a existência de influências externas. A de maior repercussão foi a do 20º Congresso que, aprovando teses bastante discutíveis e lançando a confusão a respeito do culto à personalidade, estimulou os oportunistas de todos os matizes e aqueles que combatiam a existência de um partido independente da classe operária, autenticamente revolucionário. Simultaneamente, o imperialismo desencadeou intensa ofensiva ideológica que atingiu as fileiras do Partido.
(…) Quando se iniciou a discussão no Comitê Central do PC do Brasil, os camaradas que posteriormente procuraram reorganizar o Partido não conheciam as divergências no movimento comunista mundial. Mais tarde, ao se inteirar da existência de questões controvertidas, ignoravam sua real profundidade. Somente com a publicação de uma série de artigos no Diário do Povo e na Bandeira Vermelha, de Pequim, ainda no curso deste ano, puderam os membros do PC do Brasil compreender a exata dimensão das discrepâncias existentes. Puderam, então, constatar que as discordâncias não diziam respeito unicamente aos partidos da China e da União Soviética. Trata-se de luta de significação histórica entre o marxismo-leninismo e o revisionismo contemporâneo.
Como não podia deixar de acontecer, as teses do Partido Comunista da China, expostas naqueles artigos, bem como na carta de 14 de junho deste ano, dirigida ao Comitê Central do PCUS, despertaram imenso entusiasmo e trouxeram grande satisfação aos militantes e dirigentes do Partido Comunista do Brasil e a amplos setores da classe operária e da intelectualidade progressista. Tais documentos constituem valiosíssima contribuição à luta contra o revisionismo contemporâneo e em defesa dos princípios revolucionários do marxismo-leninismo. Muitas das teses neles defendidas correspondem plenamente à realidade do nosso país. Ajudam-nos a compreender melhor os problemas da luta contra o oportunismo e a ver que as questões ideológicas que estamos enfrentando não estão circunscritas ao Brasil. São fenômenos que se observam em todo o movimento comunista mundial.
Teses do Comitê Central do PCUS prejudiciais ao movimento revolucionário
As lutas que se processam na América Latina comprovam também o acerto das teses do PC da China sobre o movimento de libertação nacional das nações e povos oprimidos e sobre o papel que essas lutas estão chamadas a desempenhar no conjunto da situação mundial. Os povos da América Latina não podem ficar à espera de que a “competição pacífica” decida sobre sua libertação.(…)
Unidade à base de princípios
Os desabridos ataques de Kruschev e do Comitê Central do PCUS a revolucionários de outros países minam a unidade do movimento comunista mundial, fazem parte da ação desagregadora desenvolvida pelos revisionistas contemporâneos. Não é a primeira vez que atacam partidos irmãos. Desde algum tempo, insistentemente, lançam toda sorte de diatribes contra o Partido do Trabalho da Albânia que com tanta bravura lutou contra o nazifascismo, dirigiu o movimento de libertação do povo albanês, conduz vitoriosamente a Albânia no caminho da construção do socialismo e sempre se manteve nas posições do marxismo-leninismo e do internacionalismo proletário. (…) Ao passo que levam a cabo tão condenável política, Kruschev e o Comitê Central do PCUS tudo fazem para ganhar as simpatias de Tito, que renegou o marxismo-leninismo em troca dos dólares dos Estados Unidos e mostram-se generosos na ajuda econômica à camarilha reacionária de Nehru, que põe em prática uma política agressiva e de provocações constantes à China Popular.
Cairão no vazio as acusações de Kruschev ao Partido Comunista do Brasil da mesma forma como aconteceu com as calúnias de Prestes e seus seguidores contra provados militantes revolucionários. As assacadilhas dos revisionistas somente poderão honrar os que estão incorporados às fileiras do verdadeiro Partido da classe operária. Revisionistas são solidários com revisionistas e não com os revolucionários. Revolucionários são solidários com revolucionários e não com os revisionistas.
Ao tomar essa posição, defendemos uma política de princípios. Somos partidários da unidade do movimento comunista mundial em torno das ideias marxistas-leninistas contidas nas duas declarações de Moscou. (…)
Não podemos compreender a unidade como um simples arranjo, escondendo as divergências. Ela jamais poderá ser alcançada se prevalece a concepção expressa por Nikita Kruschev ao se dirigir aos camaradas chineses:
“Pôr de lado todas as controvérsias e divergências, não indagar quem está certo e quem é culpado, não revolver o passado, mas começar nossas relações com uma nova página.”
Isto não tem nada a ver com o marxismo-leninismo. É próprio da política social-democrata. As divergências não devem ser dissimuladas e muito menos postas de lado. Terão de ser superadas por meio da luta ideológica, indispensável ao avanço do movimento revolucionário, para assegurar uma unidade sólida dos comunistas e para resguardar a pureza da grande doutrina do proletariado. (…)”