A violência que a burguesia gosta

A violência que a burguesia gosta

“O que existe no Brasil é uma burguesia mafiosa, que decidiu usar a bandidagem fardada para se manter no poder e continuar gerindo seus lucros, cuja grande porcentagem é obtida de forma fraudulenta e irregular”, afirma Maurício Campos, 44 anos, membro do Comitê de Comunicação da Rede de Comunidades e Movimentos Contra a Violência. A entidade apóia ocupações de imóveis e terras improdutivas, promove manifestações e organiza a classe trabalhadora. Por conta disso, Maurício já foi espionado e ameaçado diversas vezes, inclusive pelo Comando de Caça aos Comunistas, ainda ativo no Brasil. Nessa entrevista concedida com exclusividade ao AND, ele analisa o fenômeno da violência policial no Rio de Janeiro à luz do imperialismo ianque e mostra que a opressão contra as massas, incluindo as chacinas como a da Candelária, de Vigário Geral e, recentemente, a do Alemão, seguem a orientação do USA.

AND – Qual é a política de segurança que existe hoje no Rio de Janeiro e qual a sua opinião sobre sua aplicabilidade?

— Aqui no Estado do Rio, e poderia dizer até no país, existe uma política de segurança e existe também uma prática das forças de segurança, que você nem pode chamar de política. Grande parte das forças de segurança é formada por grupos mafiosos, grupos que extorquem, têm negócios próprios, que exploram diversos serviços escusos e que em grande parte vivem de extorsão dos próprios bandidos não-fardados, dos próprios criminosos, do tráfico e por aí vai. Eu sempre coloco isso no início porque quando a gente fala em “política de segurança pública” parece que estamos tratando de um Estado de Direito, o que não é verdade. No Brasil não é isso.

O governo estadual, em particular, tem dado cada vez mais poder a essa polícia corrupta para executar uma política baseada no extermínio, no assassinato, na execução sumária. Isso vem ficando evidente ao longo dos anos, mas nos últimos meses se agravou muito com a suposta necessidade de uma segurança maior no dito combate ao crime mais intenso, a pretexto da necessidade de organização dos Jogos Pan-Americanos. Por isso eu digo, em poucas palavras: é uma política de extermínio baseada na conivência com a corrupção e baseada na força bruta e no assassinato. Tem uma política que diversos setores chamam de criminalização da pobreza que não é exclusiva da área de segurança. É uma política que envolve os grandes meios de comunicação e envolve os governos, que têm estimulado isso claramente, não só a criminalização da pobreza, mas eu diria que o preconceito de corte fascista. Com a proximidade do PAN, por exemplo, o governo, principalmente a Prefeitura do Rio, estimulou muito na Zona Sul a população de “classe média” a denunciar a presença de flanelinhas, de prostitutas etc., e isso criou um clima, um ânimo, nos setores mais fascistas, mais preconceituosos da “classe média”, que têm resultado nesses casos todos que a gente tem visto: espancamento da empregada doméstica, do recente caso envolvendo os atores da Globo. E abertamente falaram “bate no preto, bate no preto”. Quer dizer, essa juventude de tendência fascista da “classe média” está se sentindo muito poderosa e com permissão para fazer esse tipo de coisa, estimulado pelo poder público. A operação “Copa Bacana”, desenvolvida em Copacabana, abertamente falava: “se houver criança na rua, denuncie”. Quer dizer, estimulando claramente uma visão de segregação violenta de determinados setores da sociedade.

AND – E qual a parcela de responsabilidade do monopólio da imprensa nessa situação?

— O monopólio dos meios de comunicação tem grande responsabilidade nisso. Sempre associando no noticiário a questão da criminalidade ao jovem negro, ao morador da favela. E por trás disso tem outra coisa, que é a influência do USA, que é a orientação de como as forças de segurança devem agir na América Latina. Isso não é invenção, está muito longe de ser uma teoria da conspiração. Existem dados concretos em relação a esse intercâmbio, a esse entrelaçamento entre as forças repressivas aqui no Brasil e a orientação estratégica militar do USA.

O Brasil, hoje, atua no Haiti a partir de uma estratégia traçada pelo USA, há muito tempo. Aquele Estado foi o primeiro a transformar o Haiti num campo de experimento de guerra urbana. Quer dizer, o Brasil está aprendendo e desenvolvendo técnicas próprias que já começa a usar. O próprio Beltrame [Secretário de Segurança Pública do RJ, José Mariano] já declarou que muitas das táticas e ações utilizadas na operação do Alemão foram desenvolvidas no Haiti pelas tropas brasileiras. Outro elemento são os diversos acordos e encontros com autoridades ianques, que desde que era candidato o Sérgio Cabral vem mantendo, e com autoridades colombianas. Sendo que todo mundo sabe que o governo colombiano é dominado por pára-militares, os que chegaram ao poder através do Uribe [Presidente Álvaro], que é o governo mais próximo do USA. Politicamente, militarmente, dentro da América Latina é o governo mais próximo. E o Sérgio Cabral elegeu a Colômbia, o governo colombiano, e a forma de agir do Exército e da Polícia colombiana como modelo para o Brasil. Visitou a Colômbia várias vezes. Fala isso abertamente, que vai tomar a política colombiana como modelo, em particular o modelo de Medellín, para aplicar aqui no Brasil.

Recentemente, no dia 17 de maio, o Sérgio Cabral se encontrou, aqui no Rio, com a Anne Peterson [embaixadora e secretária-adjunta do Bureau de Assuntos Internacionais de Entorpecentes e Aplicação da Lei do governo americano]. Na ocasião, oficialmente foram fechados acordos de treinamento de policiais do Rio de Janeiro pelo FBI. Ela é a principal conselheira da Condoleezza Rice, secretária de Estado do USA, para assuntos de drogas e “combate” a drogas no mundo. Quer dizer, uma pessoa do alto escalão do governo Bush se encontrou com Sérgio Cabral para firmar um acordo de colaboração direta do governo ianque com o governo do Estado do Rio de Janeiro. O documento final desse encontro não foi divulgado, mas a relação é clara. Não foi por acaso que, no mesmo dia em que se encontrou com Anne Peterson, o Sérgio Cabral fez um encontro com empresários no BNDES e utilizou aquela expressão: “A pressão no Complexo do Alemão não iria ceder porque o Alemão era um foco de terroristas e gente do mal“. (?!) Exatamente com essas palavras. “Foco de terroristas e gente do mal”. Exatamente o discurso de George Bush, do governo ianque, em relação ao Afeganistão, ao Iraque, Faixa de Gaza…

AND – Quais foram as denúncias dos moradores do Alemão?

— É o que tem sido denunciado por alguns órgãos e principalmente por alguns jornalistas da imprensa de São Paulo. A imprensa do Rio fez claramente um grande acordo de publicar muita pouca coisa das denúncias. Roubo, violação de domicílio, arrombamento de casas que estavam fechadas, incêndio de automóveis, arrombamento de automóveis, furto, espancamento, muita gente baleada e execuções sumárias. Vários relatos de execuções sumárias, de pessoas que já estavam rendidas. Teve um depoimento de que três rapazes já estavam rendidos numa casa, cercados. “Vamos sair, vamos sair…”. Saíram, os policiais mandaram eles se ajoelharem e fuzilaram na hora. Isso aí está em vários depoimentos. Esses depoimentos não estão sendo muito levados em consideração, estão pegando mais pelos laudos. O laudo já indica bem que foi execução, a maior parte pelas costas — uma prática comum da polícia: pegar a pessoa, espancar e mandar correr. Quando a pessoa corre, é fuzilada. Matam pelas costas. A outra é mandar ajoelhar e fuzilar. Então um laudo que indica muitos tiros pelas costas ou então tiro de cima para baixo geralmente é uma ou outra modalidade de execução. E outra modalidade muito comum é deitar de bruços e dar um tiro na nuca. 16 dos 19 corpos baleados pelas costas tem muitos tiros à curta distância. Se juntar esses laudos com os depoimentos, o fato de que quase todo mundo ou todos foram executados não vai dar para negar. Agora vamos ver até que ponto a investigação vai ser séria. Vai depender muito da pressão dos movimentos sociais e da pressão internacional.

AND – Qual é a lógica dessa ação da polícia? É controlar, manter as pessoas com medo?

— São diferentes bandos que vivem da extorsão. Um bando policial para extorquir o tráfico de uma favela, por exemplo. Qual é a melhor maneira de negociar? A violência. Eles têm que mostrar que matam friamente, que são capazes de matar muito, e poder extorquir muito. A moeda de troca da polícia é a violência. O principal não é existirem policiais corruptos. É existir um sistema dentro do Estado que permite que esses policiais corruptos não apenas fiquem impunes, mas se reproduzam cada vez mais e tenham cada vez mais poder dentro da polícia. Hoje, a parte corrupta da polícia é tão poderosa que até os policiais que não são corruptos têm medo de fazer qualquer coisa. Não vou dizer que todos os policiais estão metidos com corrupção, mas aqueles que não estão, não têm poder nenhum. Tem comandantes que são líderes de verdadeiras quadrilhas. Quando sai de um batalhão leva com ele um monte de gente. Porque não querem se desfazer da quadrilha. Tem aquele Garcia, do 6º BPM, Álvaro Garcia, que era major quando teve aquele espancamento na Cidade de Deus. O cara chegou a coronel e ganhou o comando de um batalhão. Se fosse uma polícia, mesmo dentro das normas burguesas, jamais o cara seria promovido, ia ser afastado. Mesma coisa o Murilo Leite. Aonde vai leva o pessoal dele. Geralmente o policial não corrupto prefere até abandonar o trabalho na rua, arranja um jeito de ficar na burocracia.

AND – Como isso pode funcionar?

— Existe uma orientação do Estado de permitir que essas máquinas, essas quadrilhas, dominem completamente e continuem com esse poder. Essa orientação vem da classe dominante, que fala assim: “Vamos trabalhar com essa bandidagem mesmo. Esses são os nossos protetores”. Também tem relação pessoal. Grande parte dos comandantes tem relação direta com políticos, empresários, familiares… É uma coisa muito imbricada. O que existe no Brasil é uma burguesia mafiosa. Uma burguesia que se organiza de maneira mafiosa e age de maneira mafiosa. É só ver os escândalos de corrupção que estão aí para entender tudo. Dá para ligar uma coisa com a outra. Eles agem de maneira mafiosa nas licitações públicas, agem de forma mafiosa nas eleições, agem de forma mafiosa na repressão policial… Toda forma de agir é assim. Com o objetivo claro de se manter no poder e continuar gerindo seus lucros cuja grande porcentagem é obtida de forma fraudulenta e irregular.

AND – E quanto ao que o monopólio da imprensa andou divulgando, de que o governador Sérgio Cabral havia proibido a indicação política para os comandos dos batalhões de polícia?

— Quem acompanhou o processo das eleições já sabia que isso não era verdade. Teve deputados eleitos pelo partido do Cabral, com clara ligação com o Cabral, que foram deputados e vereadores que montaram esquema de crescimento de pára-militares na Zona Oeste, em Jacarepaguá. O Jerominho, Natalino, todo mundo sabe disso, as comunidades sabem. Eles chegavam lá e falavam: “Vamos limpar a comunidade, vamos ter armas mesmo pra chegar aqui e expulsar os caras”. Quem sabia disso percebeu que tudo o que o Cabral falava era jogo de cena, uma coisa para consumo externo. Houve certamente uma ofensiva muito grande por parte dessa máfia da polícia e dos aliados ianques do Cabral, no sentido de radicalizar muito rápido, muito rápido mudar de discurso e de prática. Mas isso já vinha de antes. Esses contatos com a Colômbia já vinham antes da eleição. Quem percebia isso, percebia. Agora, quem se deixou levar pelo discurso acha que houve mudança. Mas não houve, não.

AND – Você fez uma análise mostrando que é a primeira vez que o Estado justifica uma chacina. Pode explicar melhor?

— Se a gente pegar outros casos de matança cometidos pela polícia na história do Rio de Janeiro, matanças com muita gente, até então nunca o Estado chegou e disse que os policiais envolvidos estavam certos. Chacina da Candelária. Eram policiais contratados por comerciantes para “limpar” o centro das crianças de rua. Aí está: agiram contra a lei, não estavam fardados, e tal. Mesma coisa em relação a Vigário Geral, que embora tenham ido fardados, o Estado disse que eles não estavam em uma operação permitida. Disse que era uma operação ilegal. Nas outras grandes chacinas, a mesma coisa: nunca o Estado falou que eles estavam fazendo o serviço deles. Em ocasiões menores, sim, eles falavam isso. Agora, nessa chacina do Alemão, não. Até agora o discurso está sendo raivoso. “São todos bandidos”. Nem pensa “não, talvez…”. Mas não, o governador diz que todos são bandidos. Está nos jornais de 6 de julho de 2007: “A polícia fez certo. Vamos continuar”. Isso é um dado que mostra a escalada no sentido de liberar a polícia para fazer tudo.

AND – Então a intenção é continuar?

— Eles não fariam um discurso tão duro se por trás disso não estivesse a intenção de continuar com essa política. Eles não arriscariam um desgaste político muito grande… E se começam a aparecer provas, como já estão aparecendo, de execução sumária? Eles vão ficar completamente… Mas não querem saber… Devem ter por trás muitas garantias do USA, para bancar esse jogo violento. Estão fazendo isso nesse momento, e ainda tem a questão do PAN. Estão todos olhando para os Jogos Pan-Americanos, e fazendo tudo para ele acontecer… Foi a ocasião que eles escolheram para essa radicalização. Agora, vai continuar. Porque essas armas compradas para o PAN permanecerão nas mãos dessa polícia. Assim como todos os equipamentos.

AND – Qual o interesse do USA para manter esse estado de coisas?

— Olha, o interesse maior do USA é colocar em prática uma política mundial de militarização de todos os conflitos. Seja em países da Ásia, da África ou da América Latina, a idéia e a política que o USA tem implementado, e não é coisa só dos republicanos, não. O Clinton já tinha bombardeado o Sudão. É a questão de militarizar totalmente todos os conflitos. É uma política de guerra total. E utilizam diversos pretextos para isso. Principalmente dois: “terrorismo” e “tráfico de drogas”. E cada vez mais misturados. Os discursos estão cada vez mais misturando uma coisa com a outra. E o Cabral toda hora usa a palavra “terrorista” no lugar da palavra “traficante“. Está ensinando a alguns subalternos a usar esse discurso também. Toda hora trocar “traficante” por “terrorista” para se adaptar ao discurso dominante do USA. É uma política diante dos problemas sociais que o capitalismo está passando, com todo o desemprego e os conflitos sociais que isso gera, e passa a enfrentar isso com força bruta. E mais particularmente devido aos problemas específicos decorrentes do declínio dessa potência mundial.

A única vantagem que o USA têm hoje é a força militar. Tudo o mais ele perdeu. Não tem mais vantagem tecnológica, não tem mais vantagem econômica. Mas a vantagem militar, tem. Isso é inegável, é a maior de todas. Então, quanto mais avança a situação de guerra, de conflito no mundo, os setores do USA que detêm as maiores corporações do capital monopolista — que giram em torno do aparato militar, que são os mais poderosos — reúnem também mais condições de obter lucros.

AND – Com venda de armas e equipamentos?

— Tudo. Venda de arma, equipamento, produção, consultoria em segurança, tudo. E as possibilidades econômicas que uma guerra gera, como no Iraque. As empreiteiras que fazem imensas obras… Mas o objetivo é esse mesmo. Não tem nada a ver com levar ordem ao mundo. Depois que invadiram o Afeganistão, o que já tem algum tempo, o tráfico de ópio aumentou. Fazem a mesma coisa sob o pretexto de combate ao “terrorismo”. Não é muito diferente do que se faz aqui no Brasil. Grandes empresas trabalhando abertamente com estruturas mafiosas.

AND – Por último, pediria que você comentasse a foto daquele policial fumando charuto, caminhando ao lado de uma vala de corpos, numa quase obsessão do monopólio da imprensa pela figura que ele representa.

— Primeiro, aquele não é um policial qualquer que está fumando charuto. E nem é o charuto. Esse é apenas o lado pitoresco da história. O mais importante é saber que policial é aquele. É um policial altamente treinado, recebeu curso da Swat…

AND – …que é mais um indício de relação com o USA.

— Exatamente. E que abertamente fala que gostaria de estar na Faixa de Gaza. O Torres, esse policial, se ofereceu como mercenário para lutar no Iraque. Sabe essas empresas que contratam mercenários? Ele se ofereceu. Isso saiu na imprensa há algum tempo. Então, o importante ali é saber quem é aquele cara. E encarnando a figura do guerreiro, que dá tiro, que mata mesmo. E que vê isso como uma coisa tranquila. Deve ter parte da sociedade achando que diante disso tudo “a gente precisa de uma pessoa dessa, que mata friamente, que não se abala, que depois de matar ainda fuma um charuto. É o nosso Rambo”. Isso vem sendo trabalhado há muito tempo. O próprio filme Rambo é um exemplo dessa figura cultivada pelo monopólio da imprensa ianque.

AND – Quando teve a outra ditadura, também se montou um sistema de comunicação que, a pretexto de integrar o Brasil, serviu de sustentação do regime. Você acha que hoje em dia acontece a mesma coisa? Seria possível sustentar esse modelo sem o aparato ideológico?

— Não. Sem essa imprensa, que inclusive é a mesma estrutura montada pelos militares, não seria possível. A Rede Globo continua dominando hoje. Com métodos mais sofisticados, como se fosse um pouco mais independente. De vez em quando solta uma matéria polêmica, mas na verdade é a mesma coisa. No dia-a-dia o que a gente vê… A questão da identificação, que sempre mostra cena de favela e tiro, favela e violência. É difícil ter um “Jornal Nacional” ou um “RJTV” sem imagem de favela. E, quase sempre, falando de tiro, de confronto. Favela e tiro, favela e confronto. Seria muito difícil criar uma justificativa social para tanta matança, tanta execução sumária, se não se criar na opinião pública pelo menos a seguinte visão: “Esse é o preço que a gente tem que pagar para a cidade não ser dominada pelos traficantes”. Mas já está dominada. Porque os grandes traficantes não estão na boca, são as grandes redes mafiosas que estão por aí, inclusive a polícia.

Nos três primeiros meses desse ano, segundo o Instituto de Segurança Pública, foram mortos 10 policiais em serviço e 40 fora de serviço. Esses geralmente são mortos em conflitos relacionados a grupos pára-militares. A partir da decisão política de alguns, como César Maia que falou isso abertamente, como Eduardo Paes, que todo mundo sabe que é ligado a grupos de extermínio de Jacarepaguá faz tempo, e agora é o secretário de Esportes e Turismo de Sérgio Cabral. Só que deram muita arma para esse pessoal, imaginando que fossem controlar as áreas do PAN. O César Maia até criou o termo “auto-defesas comunitárias”, mas depois parou com isso, viu que não pegou bem. Um termo copiado da Colômbia, onde há as “auto-defesas unidas da Colômbia”. Mas não deu certo isso porque botaram muitas armas nas mãos desses grupos, que geralmente são formados por muitos policiais e ex-policiais. São mais ou menos independentes. Não há uma grande estrutura de grupos de extermínio. Geralmente são pequenos grupos e competindo pelo mesmo mercado. E não existe mercado para tanta gente armada. Quais são os mercados? Segurança privada, que é o extermínio propriamente dito, é quem o empresário pede para matar. E depois começaram a se diversificar para caça-níqueis, vans, gato-net, gás, mais ou menos isso. Começou a rolar muito dinheiro nisso, mas mesmo rolando muito dinheiro, não dá para todo mundo porque é muito grupo com arma na mão. Então começou a disputa por território, mais visível nessa disputa pelos caça-níqueis. E está morrendo muita gente. Zona Oeste, Baixada, São Gonçalo. É essa briga entre eles. Em São Gonçalo morrem 15 por semana. Cresceu a ganância e começaram a se matar.

AND – Na Rede Contra a Violência vocês, de fato, incomodam o poder. Vocês tentam organizar as massas, promovem atos, manifestações públicas, vão para as ruas. Eu soube que você já foi ameaçado pelo Comando de Caça aos Comunistas, além de ter recebido outras tentativas de intimidação. Pode me contar como foi?

— Foi em 2000. Fizemos uma manifestação sobre o aniversário de 7 anos da chacina de Vigário Geral. A manifestação foi massacrada pela imprensa. O próprio Garotinho, na época, foi à imprensa dizer que era uma manifestação organizada junto a traficantes, um troço muito pesado. Não houve repressão física, mas houve uma forte repressão da imprensa reacionária. Mas mesmo assim a gente conseguiu fazer a manifestação. Fiquei até impressionado, achei que ninguém ia. E eles avisaram: vai ter não sei quantos policiais à paisana filmando e fotografando porque a gente sabe que isso está sendo organizado por traficantes. Isso foi em agosto. Em setembro a gente fez uma manifestação na Praça XV, em frente à Bolsa de Valores. Quando a gente chegou, o pessoal ficou com medo e fechou a Bolsa. Aí a gente notou dois caras, de longe, tirando foto da gente. Estavam escondidos atrás do chafariz. Aí eu falei: “Vamos dar uma dura neles só pra mostrar que a gente não está de bobeira”. Aí fomos dois companheiros de cada lado e pegamos eles de surpresa. Um ficou apavorado e correu para Praça XV. O outro correu para lado do Paço Imperial. Fomos atrás desse. Ele saiu andando, quase correndo, e a gente atrás. Aí ele entrou num táxi, mas se deu mal porque a rua estava parada — ali está sempre engarrafado —, fechou o vidro e trancou a porta. Aí um companheiro chegou e deu uma porrada no pára-brisa e quebrou o pára-brisa. O cara ficou assustado. Eu disse: “Olha, você estava fazendo uma coisa que não deve. Fotografando a gente”. Ele disse “não, não, eu sou um cidadão, sou turista”. “Mas turista não fica fotografando escondido. Olha, tem um monte de gente aqui querendo te bater. Me dá seu filme que tá tranquilo”. Aí ele me deu e foi embora. Depois que revelei deu para ver que ele estava há pelo menos duas horas tirando foto da gente. Dois dias depois chegou a carta lá em casa. Tinha o remetente do meu local de trabalho, para minha casa, assinado Carlos Coimbra Cabral, que é um nome fictício, mas tem a sigla CCC. E a carta era profissional, dando passo a passo de onde eu morava, a placa do meu carro, a empresa onde eu trabalhava, o que eu tinha feito na última semana, inclusive o ato na Praça XV, dizendo: “Não gostei do que você fez, atacou um trabalhador fazendo o seu serviço, isso não se faz”. E terminava: “Não estamos dormindo. Nosso braço é longo. Assinado: Comando de Caça aos Comunistas”. Aí eu denunciei, o Tortura Nunca Mais divulgou uma nota e depois andei recebendo uns telefonemas, mas foi diminuindo. Mas eu tenho um dossiê com um companheiro que só eu sei quem é, que se acontecer alguma coisa comigo provavelmente vão descobrir a autoria.

O cartunista Carlos Latuff (entrevistado pelo AND na edição 35 ) foi intimado pela polícia no dia 24 de julho. A delegada Valéria de Aragão Sádio, da Delegacia de Repressão aos Crimes Contra Propriedade Imaterial, convocou o artista gráfico devido às charges que fez com o símblo dos jogos Pan-Americanos, o sol Cauê, com um fuzil na mão e ao lado do Caveirão. A charge é uma crítica às violências cometidas pelo Estado contra o proletariado e estava sendo utilizada em camisetas pela Rede Contra a Violência. Na intimação, a delegada deixou claro que se Latuff não comparecesse, seria enquadrado no crime de desobediência. Em sua defesa, o cartunista argumentou que outros artistas também utilizaram o mascote do Pan e não foram intimados, como é o caso de Aroeira, do jornal O Dia. Ou seja, a intimação contra Carlos Latuff é mais um exemplo da perseguição política dos agentes do Estado contra os movimentos populares.

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