Entrevista com Misael Avelino dos Santos, fundador e presidente da Rádio Cultural Favela FM
Misael – Confusão danada do governo. Rádio é concessão pública, mas ninguém trabalha de graça. Os políticos ganham uma nota que sai dos impostos e do que pagamos ao governo para tirar documentos. Rádio também tem seus custos. Transmissor é válvula de vida curta. Retransmitir grátis um programa diário gera um custo de 300 horas/ano. Você dá espaço grátis ao governo, mas o fabricante não dá desconto na válvula. As pessoas que ouvem a Rádio Favela sabem das dificuldades que a gente tem. As emissoras que fazem parte de uma tal de Associação Mineira de Rádio e Televisão têm desconto de 70% na tarifa de energia. Nós, não. A Rádio Favela tem é multa por pagar atrasado. Além disso, essa lei que obriga a transmissão da Voz do Brasil é do Estado Novo. E eles forçam a retransmissão da Voz de Brasília, que não é Voz do Brasil. Quando foi feito o acordo da concessão para a Rádio funcionar, o próprio juiz disse: ” Olha, parabéns pelo mérito e continue fazendo o papel que sempre fez, sem vínculo partidário ou sem colocar política partidária no meio”. Com esse parecer, a gente está respaldado. Entendeu? Nós nunca repetimos Voz do Brasil, Nunca! Nunca!. Nós não temos desconto na energia elétrica e sabemos que a Rádio é um perigo para eles, porque aqui, na hora da Voz do Brasil, é o povo quem fala. No dia que o ônibus 1505 caiu no Rio Arrudas (no centro de Belo Horizonte), era 7 da noite em ponto. O Mário, um dos caras que fazia parte do Sindicato dos Rodoviários de BH, mandou, via celular, os gritos das pessoas dentro do ônibus. Resultado: os caras do Corpo de Bombeiros, que ouvem a Rádio, desceram pra lá antes de qualquer chamado. Então é diferente de você fazer uma prestação de serviços, deixar o povo falar, do que ouvir uma voz imposta que vem de Brasília.O povo mudou o presidente, o governador, tudo, exceto essa exploração, que tem de ser mudada também.
Misael – Fundamos a Rádio em 1976, e já em 78 diziam que eu ia arrumar problema por aqui. Depois, que arrumaria problema em Brasília. Em 2004 isto aconteceu.
Vou contar a razão: Desde o início, a Rádio tem participação de todos. Para debate no ar, a gente gosta da idéia de todos. Isso independe do partido, da facção da pessoa. E para manter a coisa assim, a gente está brigando. Isto sempre incomodou o sistema. Fui preso em 80, 84, 88, 92, 95 e 97. Perseguição desde o início da Rádio. Talvez muita gente não saiba que antigamente os fazendeiros cobravam das pessoas 500 contos de réis para ouvir rádio. Tinha de vestir terno para ouvir rádio. E agora, na modernidade, tão achando que, como os pretos têm o direito de usar a voz, também têm de obedecer à lei da ditadura do Vargas. Mas nem osso dele existe mais, parceiro! É difícil!!! É difícil!!!
Misael – A mais aberta possível. Todos têm o direito de expressar a sua opinião e o seu pensamento. Vêm várias entidades, pessoas que participam. Uns colaboram com os gastos, outros não. Mas a gente não faz discriminação. Sábado passado, o pessoal do Sindicato dos Rodoviários de BH, que faz o programa A Voz da Classe Operária, cedeu o horário para o pessoal dos professores. Foi engraçado: há vários anos a Rádio Favela denuncia a má qualidade do ensino. Uma vez tentaram me crucificar no Teatro Francisco Nunes, porque eu disse que filho de professora e de prefeito não estuda em escola pública. Elas ganham para pagar escola particular para os filhos. Aí a professora veio dizer no programa do Sindicato que “Os meus filhos estudam em escola do governo, e o governo dá dez centavos…” Em tempo de política todo mundo desce de pára-queda!
Misael – O lance foi o seguinte: no bairro Belvedere, a concentração de rendas é violenta. Quem mora lá ganha até 36 salários mínimos. Ali tem uma igreja católica que assaltaram. Rolou uns 75 mil reais. Foi “crime perfeito”, porque ladrão que rouba ladrão tem cem anos de perdão, fora os desconto! O dinheiro tinha sido doado pelos fiéis, os empresários, “pessoas nobres” de Belo Horizonte, para fazer um jardim de 75 mil reais, enquanto as pessoas daqui não têm rede de esgoto, não tem comida para comer, não tem nem dinheiro para comprar uniforme para o filho ir para a escola.
Ali na rua Timbiras com Olegário Maciel desviaram o trânsito para fazer uma rede de esgoto tão grande que dá para passar um ônibus dentro dela. Isso para uso de 5 mil evangélicos, enquanto os favelados daqui da área, gente que está aqui há 40 anos e até mais, fica brigando para ter esgoto para 100 mil. Eles dizem que tem de ser esgoto condominial. O que é isso? É que todo mundo que usar — o próprio favelado — vai ter que limpar o seu esgoto. Para não chocar o seu leitor, vou usar uma palavra do asfalto: defecar. As pessoas defecam bonitinho e o esgoto vai descendo… Aí, para fazer a limpeza e a manutenção, têm de ser os próprios moradores da Vila! Como a Copasa vai fazer a rede principal, as pessoas vão ter um desconto de 50%. Mas será que o leitor do seu jornal vai limpar bosta dos outros por 50% de desconto? Qual doutor que vai fazer uma coisa dessas? Nem aqui nem no inferno! Depois que a gente começou a pegar nisso, os caras estão fazendo a rede de esgoto aqui para o povo da favela. Tem até uma máquina aí na porta. As pessoas aqui são igual gato: caga e enterra. Mas agora, com um tanto de barraco desses, não tem mais jeito nem de fazer fossa. Mas está chegando a hora da campanha política… Todo mundo está tirando proveito. Mandaram fazer rede de esgoto aqui depois que a gente pegou no pé daquela igreja que, aliás, é um palácio. Já é o segundo. O primeiro é aquele da bola de ouro, ali na Olegário Maciel, em frente ao Edifício JK. E vão construir o terceiro, lá no campo do Padre Eustáquio. O interessante do roubo é que os caras foram praticar o crime perfeito. Os caras entraram, o padre pediu para ajoelhar, eles ajoelharam; o padre pediu para levantar, eles levantaram; esperando a rapaziada do casamento chegar, tranqüilo… Eles fizeram exercício físico como mandava o sacristão. Fizeram tudo direitinho. Quando todo mundo entrou, os caras fecharam a porta e… “Agora todo mundo no chão e dinheiro na mão!“ Entendeu? Assaltou todo mundo que estava na igreja e levaram também o dinheiro da igreja. Só do jardim da igreja foi 75 mil. Então aquilo foi um crime bastante perfeito, e abençoado ainda! Os caras estava com as armas tudo abençoada, tranqüilo, tranquilo!
Misael – Eu estava falando dia desses no Rádio: a cada dois anos revejo uns vizinhos. Eles são daquelas pessoas lotadas nos gabinetes mas moram aqui na favela. Têm filhos que trabalham nos gabinetes… De dois em dois anos eles aparecem aqui na Rádio, ou então eu encontro com eles na rua. Uns nem moram aqui mais e vêm pegar os votos das pessoas. Eles passam a imagem de que o cara vai construir na favela, vai dar um asfalto cor de rosa para todos moradores, vai ter isso e aquilo, mas não é por aí! É fácil convencer um vizinho dando para ele um metro de tubo de PVC da pior qualidade, porque ele quer ficar livre do mal do esgoto. Mas ele esquece que está recebendo uma dose de veneno letal durante 4 anos. O cara vem e aplica, e ele se ilude com um metro de cano!
Misael – O lance é o seguinte: as pessoas que moram em beira de favela, principalmente as de cor negra, ganham 30% a menos em relação ao branco na mesma função. Se você vai fazer uma inscrição para um serviço, se você fala que mora na favela, 90% do seu emprego já era. E, quando você consegue, recebe 30% a menos de salário! É uma faca de dois gumes, corta e leva! Vantagem de um lado, prejuízo do outro. Qual é a vantagem? Você morar perto do centro. Qual é a desvantagem? Você não arranjar emprego. Para você morar aqui na favela, tem de provar 24 horas por dia que não é marginal. Também tem de falar no transporte dentro da favela. Aqui moram mais de 100 mil pessoas. São 11 favelas, uma cidade. Aqui gira dinheiro… Quando a escravidão acabou, quando a princesa Isabel assinou a Lei Áurea, todo mundo pensava que era a melhor coisa do mundo. Foi o pior desemprego da história. E os desempregados daquela época fizeram a arquitetura moderna do jeito deles, ou seja, as favelas. Porque os caras do asfalto não retornam para cá o dinheiro que sai daqui. A quantidade de dinheiro circulando aqui dentro da favela é invejada por todos, mas não é controlada por nós. Quem controla são as pessoas do asfalto. Por quê? Veja o caso do nosso transporte, que deveria ser gerenciado por uma cooperativa aqui de dentro. Os caras lá de baixo não deixam os carros daqui atravessarem a avenida do Contorno. As mães de família daqui não têm o direito de cuidar dos afazeres dentro de casa, dar atenção aos filhos, ao marido, porque têm de perder de uma a duas horas andando da ponta da favela ao ponto de ônibus. São 7 quilômetros morro acima, morro abaixo, com sacola na mão, com sol ou chuva. Os caras meteram o ferro e acabaram com o transporte que tinha aqui, dizendo que era clandestino. Mas com o ônibus daqui o cara pode colocar ele até de duas em duas horas. Eles têm o horário de contar o nosso dinheiro, embora a gente não possa contar com transporte na hora certa. A Rádio esta brigando para ver se o ônibus consegue passar em todas as 13 escolas que há perto da favela.
Misael – O 16 de janeiro de 2003 foi um dia sinistro para todo mundo. Pegou todo mundo de calça na mão! A chuva começou meia-noite e meia. Deu uma pancada com cerração. Nós perdemos só aqui na nossa comunidade quatro pessoas, uma família inteira. Foram 297 barracões que foram para o chão. Aconteceu uma coisa inédita e que marcou. A gente estava na Rádio. Tinha três locutores de voz de veludo. Gente que não pode tomar chuva, não pode ficar na friagem. Mas a Rádio Favela não tem tradição de ter locutor — tem é uns ‘balangador’ de beiço, uns caras que chegam e conversam — aí a Rádio teve que virar a noite e os caras não podiam… Eles só podiam falar por duas horas… As pessoas estavam morrendo e os bombeiros com medo de entrar. A gente era o norte dos bombeiros; onde estava caindo as pessoas vinham aqui, falavam, ligavam e a gente indicava. Não só nessa favela. Nas outras também. A gente virou a noite falando, e o pessoal trazia café, trouxe biscoito, leite quente, que a gente tinha que aguentar por causa da friagem. Daí, o que aconteceu? O que marcou a história de Belo Horizonte foi que eu peguei forte para cima do prefeito, o galã Fernando Pimentel, sex-simbol de BH, que mora num bairro nobre. Quando foi nove horas da manhã, depois que entraram os carros da Globo e do SBT, apareceu o secretário da Regional Centro Sul, conhecido como Carlão Baiano. Ele veio na garupa da Globo e não conversava comigo devido a uma entrevista que dei para a Folha de São Paulo, comentando a ausência do então candidato à Presidência da República, o Luís Metalúrgico. Aí ele respondeu no jornal Estado de Minas que… “Num sei o quê…que não era aqui que o presidente ia vir”. Falou umas coisas bestas e ficou com aquela picuinha. Então naquele dia, na garupa da Rede Globo, entrou aqui na Rádio. Eu até assustei. Pediu para a gente dar uma trégua, que a Prefeitura iria conversar e tal. Eu disse “tudo bem” . Aí ele perguntou de que eu necessitava. Falei simplesmente o seguinte: “Nós não somos o poder paralelo como vocês acham que a gente é, porque vocês moram lá em baixo. A gente está exercendo a nossa função. Eu quero que a Prefeitura deixe aqui no mínimo duas pessoas com telefone para poder orientar e levar essas pessoas para onde elas necessitam de ir, porque as casas estão caindo, e tem muitas crianças!” Aí ele ligou para o prefeito na hora. E o prefeito mandou duas pessoas da Prefeitura, que ficaram aqui na Rádio. Nós emprestamos a sala. Eles deram toda a assistência. Quando eles viram que o abrigo encheu de uma hora para outra, ele foi e alugou os hotéis e levou as pessoas para lá. Isso para nós foi uma vitória. Antes, eles só levavam para debaixo da ponte… Para nós foi uma grande luta… E uma conquista! E depois ele veio e agradeceu. Reconheceu o trabalho nosso. E esse tal secretário da Regional Centro Sul ficou pedindo desculpa. Uma vez eles tinham até tirado a gente de uma reunião de favela, porque a Rádio falava demais para os favelados. Então depois ele reconheceu… Esse foi um dos nossos feitos que demos bem nos olhos do cara sem ele sentir, foi um de luva direto, pior do aquele que o Mike Tyson dava… Fatal!
Misael – Oh, foi uma verdadeira bosta! Por quê? Foi o seguinte: as pessoas agora me conhecem porque eu apareço mais no jornal, na televisão do que as outras pessoas que compõem a Fundação. As pessoas confundem a pessoa Misael com a Rádio Favela. Então quando eu vou nos lugares bacanas — eles me chamam, para ir jantar aqui e ali, fazer isso e coquetel aqui, coquetel ali — tem um cara, secretário de segurança. Ele fala: “Estou te ouvindo… está bom o seu programa…” Mas aquilo é mentira! O que o delegado está falando é: “Oh, você presta atenção no que você está falando, que eu estou na sua cola…” É, na garupa todo mundo vem, mas pedalar ninguém quer. Entendeu? Galinha que acompanha pato morre afogada. Eu não vou em coquetel de ninguém, não vou em mais nada, porque depois que a Rádio virou fundação, você não pode falar mais gíria, você não pode pegar mais firme. Mas tem hora que eu saio da linha. O trem tem de passar e eu não vou ficar para o trem passar por cima, não vou não! E aí me colocaram como Presidente da Fundação, simplesmente para poder ter uma coisa, tipo um freio. Só que os caras indicaram a pessoa errada. Aliás, sou a pessoa errada para fazer isso porque, para mim não dá para ver o tanto de desaforo que os caras fazem com o pessoal do morro e ficar calado. Vão ter de fazer um outro Misael. Não vou ficar calado. Não estou nem para a censura. Já mandaram seis advertências para a Rádio.
Misael – Isso! Quatro eu entreguei nas mãos do Lula. Aliás, oito. Quatro lá em Betim, nas mãos dele, quando falei: “Aqui, ó presidente!” Aliás, nem presidente. Eu não uso esta palavra com ele, porque, na época em que ele era peão, o operador de saramadaia era eu. Ele me conhece e eu conheço ele. Falei: ” Aqui ó, companheiro, o presente de grego que você me deu. Eu estou te devolvendo.” E agora veio mais quatro porque eu não transmiti “A Voz…”. Não transmitimos a voz do “excelentíssimo senhor ministro da Justiça”, num sei o que… Naquele horário, a gente estava pagando, transmitindo o jogo do bicho. Por quê? Quero que as pessoas entendam e que o cara da edição escreva isso em letras garrafais: É porque o jogo do bicho é uma coisa ilegal. Outra coisa ilegal é a gente ver as nossas crianças sem saber ler e escrever. Então, o cara do bicho paga para a gente 300 reais por mês, que é o salário que a gente dá à professora para ensinar 20 meninos na sala de aula.
Misael – Aqui dentro da Rádio Favela tem três salas de aula! E o que acontece? O crime combate o crime, certo? Chumbo trocado nunca doeu! Para que eu vou pegar o veneno da fala da voz do ministro? É crime não transmitir a fala do ministro, mas é crime também a gente deixar as crianças sem saber ler e escrever, entendeu? Quem que está mais errado? A Rádio Favela , ou eles?
Misael – Nós vamos colocar na parada uma televisão só de preto. A coisa vai ser interessante, como eu estava explicando aos meninos adolescentes, na hora que vocês chegaram. A Cauê, uma empresa de cimento de Minas Gerais, num projeto de lei de incentivo à cultura se sensibilizou com um pedido que eu fiz. No ano passado a Rádio Favela ganhou prêmio de Melhor Programa de Incentivo à Cidadania da América Latina, lá em Genebra. Então eles deram o dinheiro para a gente comprar os equipamentos e fazer uma televisão. Aí eu chamei os adolescentes para fazer minha visão deles… Entendeu? Para a gente mostrar o lado legal da favela, não o lado de crime. A gente vai combater o crime com o crime. O crime que eles querem que a gente cometa é nós matando nós mesmos, um atirando em si próprio. Então o crime que eles cometem é não deixar a gente aparecer na televisão, é não deixar a gente participar de nada. Isto passa desapercebido. Mas a gente vai mostrar na TV Favela como que é o Brasil colônia que ainda não acabou. Nós vamos mostrar a nossa cara, não um programa do Betinho financiado por crentes de mentirinha para fazer média. Não será uma televisão que vai dar brindes. Princesa por um dia, não tem porra nenhuma na favela, tem príncipe, tem rainha o ano inteiro…
Misael -Quando começamos, esqueci de falar uma coisa muito interessante: Quando eu vou lá no Palácio da Liberdade ou na Prefeitura, os caras falam: “Misael, você é doido! A Rádio Favela é uma Rádio boa daquela, vocês têm uma audiência danada, mas põem os caras do Sindicato dos Rodoviários, aqueles caras da Liga Camponesa…” Aí eu falo: “Mas o quê que tem?” E eles: “Pô, mas os caras só jogam pedra no prefeito! Os caras da Liga são muito ruins!” Aí eu digo: “Pô parceiro, Rádio a gente conversa, favela a gente realiza, mas tem de ser leve”. Aí um problema sério, quando eu chego lá, ali naquele palácio da Polícia, como é que chama… ali na praça da Liberdade, os caras: “Pô você junta com aqueles caras do Sindicato dos Rodoviários, aqueles caras são bons, mas tem hora que eles falam umas coisas que nem Jesus Cristo consegue ouvir!” Eu falei: “Pois é, o Rádio ferve naquela hora!” Aí um belo dia estou subindo ali na avenida Carandaí, um cara chegou e falou assim: “Ô cara, aquela rádio sua, tem uma coisa lá que eu não perco por dinheiro nenhum. É o programa do Sindicato dos Rodoviários de Belo Horizonte! Aqueles caras lá têm sangue nos olhos! Eu gosto deles!”. Esses anos todos tenho quebrado o pau com os caras de tudo quanto é lugar. Por causa disso, a CUT não aceita e não engole a Rádio Favela. Eles estão fazendo um programa na televisão. Pagam num sei quantos milhões, mas não dá nem um centavo para a Rádio Favela. Mas nem por isso a Rádio vai parar de existir!
Misael- Com certeza! E os caras da CUT não gostam da Rádio Favela , mas ficam mandando releases. Aí, o que acontece? Fizemos parceria com os caras do Sindicato. Interessante também que as pessoas achem que a rádio Favela só deve ter uma opinião, não pode irradiar a opinião de diversas pessoas. A Universidade Católica fez uma pesquisa. Comprovou que, na hora do programa do Sindicato, muita gente da Prefeitura não gosta, porque os caras pegam firme. E até recebi ameaças. Tem aquela ameaça do Djalma, que eu mostrei para você… O vice-governador falando que ia cortar a onda da Rádio. Cortou mesmo os comerciais. Nem por isso a Rádio deixou de existir. A gente não tem o que estava previsto para ter, mas está engatinhando. A gente está no caminho. Devagar também é pressa! Os caras fizeram ameaça para o pessoal do Sindicato. Eu segurei a onda, entendeu? Agora os caras do Sindicato não sabem, mas eu vou falar. O programa deles é considerado na pesquisa da Católica empate técnico com uma rádio de um grupo que tem 11 rádios em Belo Horizonte. Ela é a voz do governo, a voz do PSDB nato, a direita nata, a direita da direita!. Aquela rádio é uma das que mais faturam em Belo Horizonte. O programa do Sindicato dos Rodoviários está com empate técnico de audiência com ela. Os caras do Sindicato podem falar o que eles quiserem, e lá na outra os caras não têm a moral nem de ter ouvido para escutar. Portanto, volto ao início: as pessoas têm o direito de falar. Nós vamos até o final. É nós por nós e dane-se o resto! Quem não quiser ouvir, que desligue. Porque na hora do Sindicato a água ferve mesmo! E o cara lá do carro, o motorista chique, concordou comigo que o programa é bom. Primeiro achei um que concordava. Agora, a pesquisa comprovou!
Misael – Não, acho que era de uma firma particular. Ele falou: “Pô, vocês são ‘du carái’! A única rádio que tem moral neste país é a de vocês, que deixam os caras do Sindicato falar.” Então, é isso. A Rádio continua sendo feita na rua. Passou para dentro de um prédio, mas continua de portas abertas e o microfone também. Porque com nós, apesar da Rádio ter título de educativa, de não poder fazer isso ou aquilo, o povo não é proibido, não! Fazer o quê? Eles cercam um, mas não cercam o mundo! E aí nós vamos! Pela beirada, parceiro. A sopa é quente, se eu pôr a boca no meio eu queimo. Lá na frente a gente se vê! Está dando certo. Tem também a pesquisa de opinião conhecida como cabeça de bacalhau. Todo mundo comeu, mas ninguém nunca viu. E é o seguinte: o Ibope levantou para as emissoras de rádio a aceitação da população na freqüência que a Rádio Favela está. Nós trocamos a antena da Rádio e melhorou nosso sinal. Resultado, tem uma rádio em primeiro lugar, mas ela está tão preocupada, tão preocupada, que na porta de todas favelas da cidade, de Contagem e Betim, tem um outdoor dela convidando as pessoas a ir para o forró dela. Ela está sorteando 100 reais de compras no supermercado. Só favelado compra 100 reais, porque o salário é 260. Com metade ele compra e com a outra metade paga as dívidas. A emissora de rádio do primeiro lugar está sorteando também um aluguel de 300 reais, que é quanto a Prefeitura está pagando de aluguel para os flagelados. E está sorteando 500 reais em batida de automóvel para os motoristas de táxi, para poder ouvir essa rádio. Então, o Ibope da Rádio está muito alto. O que é que acontece com isso? A Anatel vai vir aqui na Rádio Favela, olha que chique! Vai olhar todos equipamentos, para dar uma sigla que chama ZYC. Depois que der o ZYC, depois que a Rádio estiver toda bonitinha, dentro dos conformes, aí o instituto de pesquisa vai fornecer a real posição da Rádio Favela na pesquisa de opinião. É uma maravilha esses desgraçados! Estou tão preocupadim que nem estou dormindo! E outra coisa, o delegado… Mas isso aí você não escreve não! …
A história
A Associação Cultural de Comunicação Comunitária Favela FM é uma entidade de caráter comunitário, sem fins lucrativos, que se estruturou a partir de iniciativa autônoma de moradores da Vila Nossa Senhora de Fátima, no Aglomerado da Serra, Belo Horizonte.
Sua origem remonta aos eventos de cunho musical e cultural que no final dos anos 70 constituíam alternativa de lazer nas ruas próximas à favela. A intenção de criar um espaço para divulgar música e cultura negra, falar da discriminação aos favelados e conscientizar a juventude quanto aos problemas relacionados à violência e às drogas. Assim, em 1981 entrou precariamente no ar a Rádio Favela, “a voz do morro”, com transmissor à bateria e toca-discos a pilha: não havia energia no morro. A repressão reinante no País impedia a emissora de permanecer em um mesmo local por muito tempo. Mudava de barraco para barraco, ampliando gradativamente o número de pessoas com ela envolvidas.
A Favela FM teve seus transmissores lacrados por três vezes em função de perseguições políticas e policiais e ficou fora do ar devido a situações de calamidade (o barraco onde funcionava o estúdio foi inundado na época das chuvas, no ano de 1995), mas persistiu. Em 1996, instalada no alto de um aglomerado de mais de 160 mil habitantes, a emissora obteve alvará de funcionamento da Prefeitura e se estabeleceu legalmente como entidade cultural.