Duas coisas diferem no plágio da capa (ilustração de Marcelo Polo Rezende) do livro de Júlia Falivene Alves, de 1988: a crítica ao imperialismo, que foi suprimida, e os talheres, indicando que a refeição não mais será servida
No início de agosto, o Planalto anunciou o resultado da concorrência para publicidade do governo. Ganharam cinco empresas, coincidindo, entre as vencedoras, duas que participaram da campanha de Luis Inácio para presidente. De imediato, a rapaziada começou a trabalhar. Afinal de contas, com a popularidade do governo em queda livre, encontrar justificativa para oito meses de intensa atividade em favor do latifúndio, da grande burguesia financeira e exportadora e do imperialismo por um lado, e por outro, uma sucessão de pedidos de paciência aos sem terra, aos sem teto, aos sem emprego, aos sem saúde, aos sem transporte e aos famintos, só pode ser obra de super engabeladores.
Alardear as aparências para esconder a essência: ter o povo na conta de coitadinho, merecedor de toda uma constelação de cartões caritativos, destruindo toda a sua capacidade criadora e impulsionadora das forças produtivas, relegando-o ao ócio compulsório, à degradação social e cultural. Há mais de cinquenta anos o cancioneiro popular já advertia: “Uma esmola, meu senhor, para o homem que é são, ou lhe mata de vergonha ou vicia o cidadão.” E, haja Fome Zero com campanha midiática plagiada e a promoção pessoal de “filantropos” e empresas que metamoforsearam-se de sugadores de sangue em doadores.
Para restituir os financiamentos de campanha, mantém-se o juro nas alturas, mas, para a Rede Globo a queda para a (ainda) criminosa taxa de 22,5% é como a queda de uma montanha russa. E, de repente, o “espetáculo” da queda dos juros encobre uma das maiores transferências de renda da história e junto com ela a concentração de renda nas mãos da oligarquia financeira nacional e mundial.
Reformas do FMI
Fazer as reformas impostas pelo FMI torna-se um “ato de coragem”. Para executá-lo, se preciso for, cortar-se-ão cabeças — primeiro dos “radicais”, depois dos “corporativistas”, depois dos cônjuges e, finalmente, do petista que tiver um pingo de vergonha e coragem para se contrapor à sanha subserviente aos interesses das grandes corporações financeiras.
Mostrar que este é o governo de todos os brasileiros e que tudo está sendo feito para o bem do Brasil é o que vem sendo repetido pelos marqueteiros desde os dois Pedros, passando pelas ditaduras de Getúlio e a Militar e, as Repúblicas Velha e Nova (a do Sarney).
Para o bom desempenho da missão, nada melhor do que contar com a “prestimosa” colaboração de dois dos principais veículos porta-vozes dos donos do poder, em entrevistas exclusivas do gerente da semicolônia, nas quais as perguntas já induzem às respostas que o “eficiente empregado” deve dar. Importante, também, neste momento é mostrar a “desenvoltura” e o “domínio” com que o mandato é exercido, muito embora o embevecimento de nouveau-riche seja indisfarçável.
Ocultar e minimizar a crise são tarefas para ilusionistas. Ela, entretanto, é concreta e objetiva, não respondendo a apelos de paciência… Paciência…
Desde o decadente império brasileiro, principalmente com a abolição da escravatura, a questão da terra passou a ser a principal contradição a ser resolvida pela nação brasileira, para alcançar o caminho da sua soberania e do seu desenvolvimento. As várias tentativas do colonialismo, do imperialismo e das classes dominantes de impedir ou postergar a sua resolução, inclusive utilizando-se de golpes militares, têm surtido um efeito semelhante ao das dores do parto, que passam por um instante e voltam com uma intensidade bem maior, até que o parto aconteça.
A reforma agrária foi uma das promessas da frente eleitoral oportunista que elegeu Luis Inácio, cavalgando o anseio secularmente acalentado pelo campesinato e pela imensa maioria de nossa sociedade.
As trincheiras do latifúndio
Recentemente, o Governo Lula / FMI e seus escribas oficialistas têm buscado achincalhar, desqualificar e desmoralizar movimentos e lideranças que, mantendo a firme disposição de liquidar o latifúndio, têm cobrado as promessas demagógicas feitas pelo seu partido, o PT, nos últimos 20 anos.
O recado de Luis Inácio aos camponeses mostra bem que a trincheira do latifúndio não é só o Judiciário — cuja ministra beneficiária do espólio, como denunciou o deputado gaúcho Frei Sérgio, cassou a desapropriação das fazendas de São Gabriel — nem o parlamento, onde estão os mais de 300 “picaretas” já apontados por Luis Inácio, mas, sim, em todo Estado brasileiro, burguês-latifundiário serviçal do imperialismo, principalmente ianque, do qual o sr. Luis Inácio é o gerente de turno. E, foi nesta condição que ocupou os meios de comunicação do patronato para aliviar as tensões de seus amos, anunciando a extensão aos camponeses que enfrentam a violência dos jagunços, da repressão que se abate sobre o povo pobre das cidades.
O argumento de autoridade é buscado na força da democracia e do Estado democrático. Ora, de que país o sr. Luis Inácio está falando? Certamente não é do Brasil, país que não soube até hoje o que era uma revolução democrático-burguesa, revolução esta cujo princípio basilar é a democratização da terra com a liquidação do latifúndio, inclusive como classe. Foi assim na Europa e no USA, cujas burguesias, então progressistas, lançaram mão da guerra, da guilhotina, da forca e de fuzilamentos. Tudo isso para vencer a resistência da aristocracia, pondo fim a seus reinos e feudos, nos quais detinham o poder sobre a vida e a morte, insistindo em manter o obscurantismo que ainda hoje é a característica dos seus remanescentes.
Estado latifundiário
Falar, pois, de Estado democrático em relação ao Brasil é coisa para bobo ou para quem quer fazer os outros de bobo. Definitivamente, no Brasil não há democracia para o povo, e, quando este “santo” nome é invocado, certamente é para manter a dominação e a exploração. Basta uma rápida passagem nas decisões judiciais sobre os planos de saúde, a telefonia, o passe livre, a questão da terra, os “escândalos” do painel do Senado, os cinquenta milhões da Roseana, os grampos do ACM, o Banestado, o Jader e a Sudam, e dar uma lida nas páginas policiais para ver o assassinato em massa dos nossos jovens filhos do povo — garotos de 15 a 23 anos, quase sempre tratados como “homens” ou, simplesmente, bandidos, traficantes, sem nome, filiação ou endereço — para se ter uma idéia do tipo de democracia que existe neste país.
O destaque do Brasil como um dos países mais injustos do mundo se dá, principalmente, pela concentração da renda, originada em ampla escala pela concentração da terra.
Os latifundiários não abrirão mão de um só palmo de terra em favor da reforma agrária. Usarão de todos os artifícios, de seu peso dentro do Estado, de sua aliança com a grande burguesia e argumentarão com os serviços prestados ao imperialismo para reunir em torno de si toda a reação contra o avanço da luta no campo.
Objetivamente, a situação está mais que madura. A fome cruza o país, em todos os sentidos, enquanto batemos recordes de produção de grãos (principalmente café e soja in natura para exportação). Os camponeses que migraram para o Sudeste nas décadas de 70 e 80 do século passado, agora desempregados, retornam ao sertão, enquanto outro exército de sem terra toma as terras devolutas (como no Pontal do Paranapanema) ou marcha rumo ao norte do país (como Mato Grosso, Rondônia, Tocantins e Pará) em busca de um pedaço de chão.
Outro importante contingente de camponeses sem terra ou com pouca terra trava a luta em sua própria região (como o norte de Minas e o Nordeste açucareiro, e no sertão), tomando as terras em que a oligarquia latifundiária construiu sua opulência sobre a exploração e miséria de seus antepassados.
Grande parte desta gente tinha a vã ilusão de que Lula seria o novo Cavaleiro da Esperança a segurar a bandeira da justiça e da verdadeira democracia e, enfrentando a fúria reacionária do latifúndio realizaria a reforma agrária que o Brasil precisa. Ao perceber, porém, que aquele cavaleiro montara o cavalo da traição, empunhando a rota bandeira da lei de terras do velho Estado semifeudal, esta gente decidiu, mesmo amargando a desilusão, continuar sua marcha rumo à liquidação do latifúndio, à democracia social e à soberania nacional.
Os oportunistas que até bem pouco tempo traficavam com os interesses da massa camponesa, equilibram-se entre se manter na direção do movimento e apoiar o governo Lula/FMI. Em um dia dão uma declaração para tentar afirmar sua pseudoliderança — de imediato vem a grita dos porta-vozes do latifúndio — e, no dia seguinte, vem o ‘esclarecimento’.
O avanço das lutas
Os camponeses avançam, refazem sua organização e forjam suas lideranças na construção de sua autonomia. Tudo isso acontece como consequência de uma luta secular e um aprendizado de lições que, se não estão escritas em livros, estão marcadas na face e nas mãos de quem está lutando ou na mancha vermelha do sangue dos que tombaram.
Desse governo Lula/FMI não sairá reforma agrária e sim a criminalização das lutas sociais. Por certo, as cadeias se encherão de lideranças populares e sobre elas cairão as acusações de formação de quadrilha, roubo, vadiagem, assassinato, ligação com o tráfico de drogas e até de terrorismo. Não há nada de novo nisto: assim foram tratados Zumbi dos Palmares, Felipe dos Santos e Tiradentes nos tempos do Brasil-colônia; Frei Caneca, Cipriano Barata e Padre Mororó no Império; Antônio Conselheiro e João Maria, na República Velha; Beato Zé Lourenço e Gregório Bezerra na ditadura de Getúlio; os combatentes do Araguaia na ditadura militar. Todos foram perseguidos, presos, torturados e até assassinados pelo velho Estado colonial ou semicolonial, tendo à frente um gerente qualquer, representando a apodrecida oligarquia feudal ou semifeudal, a serviço de Portugal, da Inglaterra ou do USA.
Por ser uma liderança mais destacada, José Rainha teve sua prisão mais divulgada e com maior repercussão na imprensa. Porém, em todo o Brasil, principalmente no Paraná, São Paulo, Minas, Alagoas, Pernambuco, Pará e em Rondônia, as cadeias detêm lideranças camponesas, tratadas como bandidos. Como nos velhos tempos, a questão social é tratada como caso de polícia. Se a “sociedade” (leia-se oligarquia financeira e latifundiária) clama por mais segurança, a resposta deste governo é aumentar a repressão sobre o povo.
Engana-se, portanto, quem achava que este governo mudaria uma vírgula sequer do caráter do Estado brasileiro. Ele continua sendo, como sempre foi, autoritário, antidemocrático, repressivo, elitista, elementos estes que nada mais são do que os aspectos que externam sua essência de estado burguês-latifundiário serviçal do imperialismo.
O povo não vai parar de lutar e já começa a organizar os comitês de defesa dos presos políticos. Como nos velhos tempos: a luta continua.