Foi meio por acaso que o quarteto Toque de Arte se formou a partir de encontros de lazer entre os músicos. A prova concreta do amadurecimento do quarteto está no CD Pelos quatro cantos lançado no Teatro Rival — Rio de Janeiro — no começo do ano. O segundo álbum do grupo traz 12 faixas, das quais quatro são de autoria dos integrantes e oito regravações de canções eternizadas como Aquarela Brasileira, de Silas de Oliveira, e Foi um rio que passou em minha vida, de Paulinho da Viola.
A faixa Rio Antigo conta com a participação de Alcione. O samba-canção foi sucesso no vozeirão de "Marron" e é reinterpretado em novo arranjo. Alceu Valença, Chico Buarque e Djavan também contam com regravações de La Belle de Jour, Minha História e Fato consumado respectivamente.
Os primeiros encontros se deram em Vila Isabel há cerca de 10 anos. Devido ao fascínio que o quarteto possuía pelo canto, as reuniões informais em churrascos e comemorações foram se tornando mais assíduas e sérias. Composto pelos instrumentistas Marcelo Eloi (voz e percussão), Márcio Costa (voz, cavaco e percussão), Marcelo China (voz e violão) e Fernando Régis (voz, cavaco e percussão), o Toque de Arte começou seu trabalho vocal antes da Lapa ampliar redutos dedicados à apresentação de grupos de samba.
Inicialmente o espaço musical era o Botequim do Martinho, em Vila Isabel, onde os integrantes começaram a construir a história do quarteto. Um dos impulsionadores do grupo, Martinho da Vila é uma espécie de padrinho.
— E o povo que se reunia para deslumbrar nosso trabalho podia constatar que o samba aliado ao trabalho vocal tinha uma receptividade muito grande — conta Marcelo Eloi, fundador do grupo, produtor musical e percussionista.
De acordo com Marcelo Eloi, ser músico é saber as dificuldades que cercam a profissão. Diante dos obstáculos enfrentados pelos artistas populares brasileiros, o principal objetivo do quarteto não é a vendagem de CD e sim uma agenda regular:
— Isso é um discurso antigo: músico vive de show. Como profissional autônomo, temos que diariamente buscar novos shows, novos compromissos, porque no mês seguinte você não tem aquele salário garantido na tua conta.
Samba aliado ao trabalho vocal
Todo garoto, quando inicia trabalho de samba, busca referências musicais consagradas entre rodas de samba Rio afora. Com os integrantes do Toque de Arte não foi diferente. Entre os da batucada estão Jorge Aragão, Fundo de Quintal, Arlindo Cruz, Almir Guineto e Zeca Pagodinho:
— Isso é o que a gente chamava de "pagode" na realidade. Eles são os caras que criaram esse ritmo e até hoje fazem bem. Essa rapaziada influenciou na parte da batucada, da levada, do samba, da percussão bem tocada, na harmonia bem feita —afirma Marcelo.
Em se tratando de voz, os quatro integrantes seguem uma tendência de outros quartetos como MPB4, Os Cariocas, Bando da Lua e Quarteto em Cy (AND 39). Entretanto, quem mais se assemelha ao conjunto é o Arranco de Varsóvia (AND 31). Curiosamente, o Arranco, cujo tempo de batalha é mais longo que o do Toque de Arte, não foi referência musical do grupo. Ambos seguiram o mesmo caminho sem exatamente conhecer o trabalho alheio:
— Com o tempo começamos a procurar quem poderia estar fazendo um trabalho semelhante ao nosso e só encontramos o Arranco. Nenhum outro grupo fazia esse trabalho vocal dentro do samba, em aprimorar a batucada junto ao trabalho de coro —conta o percussionista.
Diferentemente da concepção do segundo CD, que através da percussão tenta chamar o público para o embalo, o primeiro disco Samba e voz, lançado em 2003 dedica seu arranjo ao trabalho vocal.
— Quando a gente fez a gravação para o primeiro disco, colocamos uma batucada e arranjos de base mas, sobretudo, um fortíssimo trabalho vocal. Quando se faz isso as pessoas que conhecem seu trabalho acham maravilhoso, mas falta algo a mais, aquela dança, aquele gingado visto no show ao vivo.
CD como se fosse show
O disco Pelos quatro cantos, pela gravadora Albatroz, dividiu-se em 70% de regravações e 30% de trabalho autoral. Marcelo conta que um grupo vocal de fato deve, necessariamente, fazer trabalho de regravações.
— Decidimos dividir dessa maneira porque o povo tem que ouvir a coisa do original com o trabalho vocal para fazer comparação. Já o trabalho autoral foi definido praticamente pelos compositores, ou seja, o Márcio Costa (Um canto de fé) tem uma característica de falar da luta do trabalhador por ter essa vivência de subúrbio. Valeu Cartola é um exemplo dessa vivência.
O maior idealizador de Pelos Quatro Cantos é "Magro" Vagabi, maestro do MPB 4. Sua presença no trabalho vocal foi importante para ampliação e desenvolvimento na maneira de fazer vocal. Samba e voz teve 80% dos arranjos feitos por Vagabi. No segundo disco, esta proporção se inverteu.
E o jabá continua
Colocar um trabalho de samba nas rádios é uma luta difícil a travar, garante o integrante do grupo. Sua afirmação diz respeito às rejeições das grandes estações de rádio adeptas do "jabá". Até mesmo grandes artistas com algum respaldo midiático, a exemplo de Jorge Aragão e Zeca Pagodinho, penam se dependerem apenas desses espaços.
— Eles querem — independentemente se a música é boa ou não — algo com apelo popular, seja funk, ou pagode, de mensagem mais direta, imediata e lucrativa, para rapidamente explodir. A maioria é descartável, mas também tem coisas boas que aparecem. O problema é que, para a população gostar de trabalho vocal, mesmo dentro do samba e da batucada deve haver um apuro de sensibilidade maior, um pouco de conhecimento musical para reconhecer que existe um trabalho muito grande em cima daquilo que se chama arranjo vocal — conclui Marcelo Elói.
Café Cultural Sacrilégio: Rua Men de Sá, nº 81, Lapa, Rio de Janeiro/RJ — Todos os sábados.