‘Agro é pop’: cultivando desinformação e elogiando a escravidão

A Rede Globo segue exibindo nos intervalos de sua programação a campanha publicitária “Agro é Pop, Agro é Tech, Agro é Tudo”, que busca criar uma imagem positiva e moderna do latifúndio, mascarando a real situação do campo e fazendo apologias à semifeudalidade, à semicolonialidade e até à escravidão.
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‘Agro é pop’: cultivando desinformação e elogiando a escravidão

A Rede Globo segue exibindo nos intervalos de sua programação a campanha publicitária “Agro é Pop, Agro é Tech, Agro é Tudo”, que busca criar uma imagem positiva e moderna do latifúndio, mascarando a real situação do campo e fazendo apologias à semifeudalidade, à semicolonialidade e até à escravidão.

Matéria da edição impressa nº 196, 2ª quinzena de Setembro de 2017.

A Rede Globo segue exibindo nos intervalos de sua programação a campanha publicitária “Agro é Pop, Agro é Tech, Agro é Tudo”, que busca criar uma imagem positiva e moderna do latifúndio, mascarando a real situação do campo e fazendo apologias à semifeudalidade, à semicolonialidade e até à escravidão. Na edição nº 181 de AND já havia sido abordado como essa campanha exaltava a condição semicolonial do país.

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Apologia à escravidão

A cana-de-açúcar foi temática de um polêmico vídeo da campanha “Agro é Pop”, no qual a Rede Globo faz apologia ao trabalho escravo.

Na pílula de menos de um minuto temos o seguinte trecho: “Cana é agro. Desde o Brasil colonial a cana ajuda a movimentar a nossa economia. Hoje em dia a cana gera um dos maiores faturamentos do campo: R$ 52 bilhões”. E termina o vídeo: “Um sucesso brasileiro há 500 anos”.

O elogio ao trabalho escravo também se encontra na seleção de uma imagem do século XIX utilizada no vídeo, intitulada “Um Engenho de Açúcar”, que retrata o trabalho de escravos em um engenho. A pintura encontra-se no livro “Viagens ao Brasil”, publicado em 1816 pelo pintor de origem inglesa Henry Koster (1793-1820). Koster, que chegou ao Brasil em 1812, se alocou em Pernambuco, onde tornou-se latifundiário e senhor de escravos. Koster também foi autor de um livro publicado em 1816 com um título que expressa a ideologia de sua classe social: “Como melhorar a escravidão”.

Plantando desinformação…

A campanha “Agro é pop” faz parte de uma ofensiva ideológica do latifúndio, por meio do monopólio da imprensa, com o intuito de construir uma imagem perante ao povo de que o latifúndio é “a indústria riqueza do Brasil”, de que é o latifúndio que “desenvolve” o país. Nesse cenário, se opor ao latifúndio é “colocar-se contra o crescimento econômico e o desenvolvimento da Nação”.

Um traço comum a todos os vídeos exibidos na TV é o trabalho minucioso de ocultar certas informações fundamentais para entender realmente o que é o latifúndio (agronegócio), buscando enfatizar a sua aparência produtiva e moderna.

No mencionado vídeo sobre a cana-de-açúcar, temos um exemplo dessa campanha de desinformação. A propaganda diz que “nas lavouras e usinas, mais de um milhão de pessoas estão empregadas por causa da produção de cana”. Mas silencia-se intencionalmente sobre as condições e relações de trabalho que se desenvolvem nessas lavouras e usinas.

Planejadamente a campanha oculta informações sobre como são produzidas as mercadorias que chegam às nossas mesas. A própria dinâmica capitalista tende a ocultar dos consumidores o conhecimento sobre a cadeia produtiva – cada vez mais complexa – das mercadorias. O tom branco do nosso açúcar oculta muitas vezes o tom vermelho do sangue vertido dos trabalhadores e trabalhadoras dos canaviais e usinas.

Segundo dados do Ministério do Trabalho, 22% dos mais de 52 mil trabalhadores resgatados do “trabalho análogo à escravidão” no país entre 1995 e 2016 atuavam no setor sucroalcooleiro.

No vídeo que aborda a geração de empregos pelo agronegócio temos um malabarismo conceitual para demonstrar o quão empregador esse setor é dentro da economia do país.

Segundo a propaganda, o “agronegócio brasileiro emprega 19 milhões de pessoas”, o que representaria “20% do total de empregos no país”, sendo que o “setor do agronegócio que mais emprega é o da agricultura familiar, com 11,5 milhões de trabalhadores”. Ou seja, para demonstrar que o agronegócio é um grande gerador de empregos eles incluem a agricultura camponesa, chamada de “agricultura familiar”, como parte integrante do agronegócio.

Em resumo, o latifúndio tradicional e de nova roupagem (agronegócio) que concentra em suas mãos mais da metade das terras rurais do país e conta com uma série de benefícios fiscais do velho Estado, gera menos emprego que a agricultura camponesa. Além disso, o latifúndio é menos produtivo que a agricultura camponesa se levarmos em conta a quantidade e o tamanho das terras utilizadas e as condições adversas de produção, circulação e comercialização das mercadorias enfrentadas pelos camponeses no país. São estes e não o latifúndio os principais responsáveis por abastecer grande parte de nosso mercado interno.

…E colhendo dividendos

Cabe relembrar que a Rede Globo é muito bem remunerada para realizar esse serviço de desinformação, já que a campanha “Agro é Pop” tem como um dos seus principais financiadores a JBS. A mesma JBS envolvida em comercialização de mercadorias estragadas e em grandes escândalos de corrupção, que envolvem até os gerentes de turno do velho Estado, vide Michel Temer.

Modernização para poucos

A ideia de que o campo brasileiro está se modernizando é uma presença constante em todos os vídeos publicitários da campanha “Agro é pop”.

É um fato que o campo se modernizou e se moderniza, se nos baseamos nas suas expressões materiais como o uso de máquinas, insumos agrícolas, irrigação, assistência técnica etc., que estão concentradas nos latifúndios com monoculturas para exportação. O pequeno e médio camponês, maior produtor de alimentos para o mercado interno, continua em sua esmagadora maioria trabalhando a terra com enxada e arado. O consumo dessas mercadorias apresenta diferenças profundas segundo o tamanho dos estabelecimentos, o tipo de gênero agrícola nele produzido e a região considerada.

O que significa dizer que a modernização não está generalizada no Brasil, sendo o desenvolvimento técnico fortemente concentrado espacial e setorialmente, produto do desenvolvimento desigual do próprio capitalismo burocrático. Não é por acaso que segundo o Censo Agropecuário de 2006 feito pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) – última pesquisa com dados minimamente confiáveis e de abrangência nacional – apenas 10,2% dos estabelecimentos tinham tratores, num total de 820.718 unidades; apenas 6,34% dos estabelecimentos do País usaram técnicas de irrigação; e apenas 22% dos estabelecimentos contaram com algum tipo de orientação técnica. Ou seja, a tal “modernização” causou mais modificações nas técnicas de produção, do que na estrutura social, já que se mantém em grande parte intactas as relações sociais de produção semifeudais, como as relações servis de meia e terça, no qual o camponês é obrigado a entregar parte de sua produção como forma de pagamento ao latifundiário pelo uso da terra, sem que este tenha movido uma palha sequer.

Além do mais, como podemos falar em “modernização” no campo se tem áreas que não contam nem mesmo com o abastecimento elétrico? Para se ter uma dimensão do problema, em 2006, 31,9% dos estabelecimentos não contavam com o uso da energia elétrica. Porém, esses valores variam de acordo com as regiões, onde na Região Norte 62% dos estabelecimentos não contavam com esse serviço, 38,5% no Nordeste, 26,9% no Centro Oeste, 17,7% no Sudeste e 16% no Sul.

Os próprios dados oficiais com todas as suas limitações evidenciam que o campo brasileiro é menos “moderno” do que se propaga usualmente. A campanha “Agro é pop” nada mais é do que a tentativa de mascarar a real situação do campo brasileiro e deslegitimar a luta pela terra de camponeses, indígenas e quilombolas.

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