As previsões mais comedidas, nomeadamente as da OCDE, dão conta de que simplesmente a metade da população mundial terá graves problemas de acesso à água potável em um prazo de 20 anos. Esta projeção por certo leva em conta, mesmo sem dizer, a ação predatória de um cartel mundial de comercialização da água já formado e em operação. Mas a perspectiva de escassez generalizada alimenta uma corrida ainda maior por novas fontes e mercados, consequentemente desencadeando um acelerado e implacável processo de privatização.
Agora mesmo, no último mês de março, realizou-se na cidade de Istambul, na Turquia, o V Fórum Mundial da Água, convescote organizado e controlado pelo Conselho Mundial da Água, entidade onde quem dá as cartas é o Banco Mundial e meia dúzia de empresas transnacionais em concorrência pelo acerto com gerências políticas corruptas mundo afora de inúmeras gordas concessões de exploração dos recursos hídricos, especialmente nos países pobres com vastos mananciais aquíferos.
À frente da laia estão duas corporações francesas, a Vivendi-Générale des Eaux e a Suez-Lyonnaise des Eaux, a britânica Thames Water e a espanhola Águas de Barcelona, que comandam uma ofensiva global sobre as fontes minerais e o abastecimento público, além da drenagem e tratamento de águas residuais. Não obstante, a luta dos povos vem conseguindo vitórias importantes contra a pretensão de controle por parte do capital financeiro de toda a água potável do planeta. Na América Latina, as transnacionais da seca vêm sendo expulsas daqui, e não por opção dos governantes corruptos da região, mas sim por ordem das massas.
E mesmo a rodada de liberalização e derrubada de empecilhos para o avanço privatizante, que se pretendia impor no V Fórum Mundial da Água, foi derrotada pela pressão de organizações populares que foram a Istambul desmentir a falácia liberal e impedir arranjos lesivos aos povos do mundo.
Com bombas, sem água
No Oriente Médio, o quinto verão consecutivo de estiagem trouxe à tona mais um aspecto perverso da ocupação da Palestina por Israel. Pela via da agressão, os sionistas se apropriam de quatro quintos da água de uma reserva subterrânea que pertence ao povo da Cisjordânia. Estes, no fim das contas, têm acesso a apenas 25% da água que brota do seu próprio chão. Cada israelense utiliza, em média, 240 metros cúbicos de água por ano, contra 75 metros cúbicos utilizados pelos palestinos da Cisjordânia, e 125 metros cúbicos pela gente da Faixa de Gaza. O resultado é que cada vez mais os palestinos ficam dependentes da água que são obrigados a comprar da empresa israelense Mekorot.
Em algumas áreas da Cisjordânia, os palestinos estão sobrevivendo com míseros de 10 a 15 litros de água por dia, o que é igual ou inferior aos níveis adotados em regiões de catástrofes humanitárias para evitar a proliferação de epidemias. Em Gaza, por vezes a situação se torna ainda mais dramática. Quem está confinado no campo de concentração sionista depende de um aquífero salino cada vez mais poluído. Apenas de 5% a 10% da água disponível é limpa o suficiente para beber. O Comitê Misto da Água, criado em 1995 como instância de resolução de questões sobre este tema específico entre israelenses e palestinos, na prática não resolve coisa alguma, mostrando-se mais uma farsa decorrente dos acordos de Oslo.
Em Gaza, o bloqueio econômico-militar sionista impede o desenvolvimento de projetos de saneamento básico e de recursos hídricos. Criminosamente, Israel obstrui a aprovação necessária para o andamento de projetos do mesmo tipo na Cisjordânia. São nada menos do que 143 solicitações pendentes, esperando pelo aval dos invasores, que nunca chega, em uma patifaria respaldada pela força das bombas, tanques e fuzis. Desde a Guerra dos Seis Dias, em 1967, os palestinos não têm autorização para furar um novo poço sequer. Enquanto isso, e da maneira mais cínica, os líderes sionistas dizem que o problema da falta de água é que o consumo ##iper capta## dos israelenses diminuiu desde então, enquanto o dos palestinos aumentou.
USA boicota água limpa no Haiti
No ano passado, grupos de defesa dos direitos humanos publicaram um relatório conjunto acusando Bush, na ocasião ainda chefe do imperialismo ianque, de segurar dinheiro do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) aprovado desde 1998 e destinado a construir infra-estruturas de acesso a água potável no Haiti, em verba programada para ser liberada no ano de 2001.
O documento, intitulado "A negação do direito à água no Haiti", informa que o embaixador ianque em Porto Príncipe na época, Dean Curran, admitiu que o USA estava bloqueando 146 milhões de dólares dos fundos do BID a fim de "pressionar a oligarquia haitiana em conflito", e ainda sob a presidência de Jean-Bertrand Aristide, por condições de operação ainda mais abusivas para os cartéis do norte no paupérrimo país da América Central. À rigor, foi uma violação flagrante dos estatutos da instituição, que em sua letra morta proíbe fundamentar decisões nos aspectos políticos internos dos Estados-membros. Os responsáveis pela elaboração do relatório consideraram esta burla "um dos mais notórios exemplos de conduta ilegal por parte dos Estados Unidos nos últimos anos".
Sabemos bem que este não é exatamente um dos exemplos mais notórios de ações ilegais do imperialismo ianque. Sabemos também que todo dinheiro que vem do BID, sucursal do Banco Mundial para a América Latina, já chega viciado pelos compromissos anti-povo assumidos entre as gerências locais e os emissários dos monopólios, cujo trabalho não é outro senão abrir caminho para a rapina e a exploração. Da mesma forma, estamos cientes de que a maioria dos grupos como estes que fizeram a denúncia em geral participam de bom grado de todo este esquema opressor quando os trâmites da espoliação seguem o seu curso "normal", assim entendido pelas ONGs da vida.
Mas este episódio mostra como estas instituições ditas "multilaterais", bem como a missão "de paz" da ONU ora ocupando o Haiti, podem servir também para a chantagem direta, da estirpe mais vil, por parte daqueles que não hesitam em negar água a quem tem sede para garantir todos os salvo-condutos possíveis para suas corporações.