Não se emendam
Meus artigos devem estar ficando monótonos, mas tenho desculpa razoável. É que o cenário da economia mundial não muda. Desde a grave crise sistêmica, que surgiu em 2007, não se pôs cobro às imensas bandalheiras que a causaram.
2 Quanto mais o problema se agrava, mais a oligarquia repete as jogadas de antes, após se ter livrado das consequências das anteriores com os trilhões de dólares arranjados pelos bancos centrais e pelos Tesouros nacionais em favor dos grandes bancos. A oligarquia volta a obter lucros fantásticos com as novas bolhas, depois de ter sido socorrida durante e após o estouro das bolhas de 2007/2008.
3 Só que o estouro das novas bolhas acarretará caos bem maior que o presente, já caracterizado por estagnação da produção e desemprego jamais visto, especialmente nos EUA e na Europa, e pela perspectiva de colossal colapso financeiro.
4 Quais são as antigas e as novas bolhas? Aquelas dizem respeito aos derivativos relacionados com hipotecas residenciais e com swaps de inadimplência de créditos (credit default swaps1). As novas incluem mais operações do mesmo tipo, ademais de hipotecas sobre imóveis comerciais, securitizações com cartões de crédito e principalmente as dívidas públicas, grandemente elevadas em função da crise anterior.
5 Ora, esse colapso não deixará de repercutir mundo afora, notadamente em países, como o Brasil, que não orientaram suas economias para evoluir independentemente do que aconteça nos países sede da oligarquia mundial.
6 Um competente analista, Matthias Chang, avalia: “Os bancos globais ‘grandes demais para falir’ estão em situação tão precária que qualquer coisa pode desencadear um colapso nos próximos meses. Eles estão subcapitalizados. O problema cresceu quando os banqueiros centrais (corruptos sem exceção) e as autoridades reguladoras se fizeram de cegos a respeito de como os banqueiros definem o que constitui o ‘capital’, de modo a driblar a exigência de manter correta relação entre o capital próprio e os ativos em que especulam“. (tradução livre de AB)
7 Chang refere-se às decisões do Comitê de Supervisão de Bancos, sediado em Basiléia, Suíça, na reunião denominada Basiléia III, em que foram dobradas as exigências de capital próprio mínimo, dando a impressão (errônea) de que os bancos estão sendo agora realmente controlados.
8 Em conclusão, o problema persistirá enquanto os derivativos continuarem existindo e funcionando na casa de centenas de trilhões de dólares, e enquanto se permitir aos bancos transacioná-los sem contabilizar essas operações em seus balanços.
Duas grandes ilusões
9 A primeira é a falsa recuperação da ‘recessão’, oficialmente datada de dezembro de 2007 a junho de 2009. Ora, a depressão não acabou. Ela continua, entremeada de algumas atenuações parciais, fugazes e duvidosas. Assim, depois de terem sido perdidos nos EUA quase dez milhões de empregos até aquela data, desde então as perdas líquidas de empregos foram acrescidas de mais 329 mil. Só os mercados financeiros tiveram elevações significativas em seus ganhos, como ilustra o índice Dow Jones da Bolsa de Nova York, que subiu 27% no período.
10 A segunda mentira, que aparece como verdade inconteste na grande mídia, é a de que as dívidas decresceram nos EUA e de que se passou a consumir menos para quitar débitos.
11 Nos dois anos que terminaram em junho de 2010, naquele país, houve baixas em débitos hipotecários residenciais na contabilidade dos bancos no montante de US$ 610 bilhões, mas desses, 588 bilhões decorreram de terem sido riscados devido a inadimplências.
12 Na realidade, em 2010, o total dos débitos hipotecários residenciais, naquele país, elevou-se para nível recorde de US$ 13,5 trilhões, superando o pico de US$ 13,1 trilhões atingido em 2005. Com a crise, em 2007/2008, havia caído para US$ 11,7 trilhões. O volume total do crédito está em US$ 52,1 trilhões, só se tendo reduzido em 1,5% desde o máximo no 1º trimestre de 2009.
13 O mais impressionante é a comparação com os anos 30 do Século XX, quando da “Grande Depressão”. Nessa época, os débitos (créditos) totais atingiram, em 1935, o recorde de 260% do PIB. Agora estão em 360% do PIB. De resto, um PIB em que o grosso corresponde a rendas financeiras.
14 As “corporations” (grandes empresas) elevaram seus débitos em US$ 482 bilhões desde 2007. Com a depressão da economia real e o desemprego de 20% da população ativa, as perspectivas não são nada favoráveis para aquelas empresas cobrirem os juros e reduzirem significativamente os débitos.
15 Mais assustador é o aumento da dívida pública dos EUA, que segue crescendo depois de ter chegado a US$ 16,1 trilhões em março de 2010 (dados do BIS), com elevação de 36,5% desde junho de 2007.
16 Apesar de a insegurança da economia fazer preferir títulos públicos a títulos privados, manifesta-se também resistência aos próprios títulos do Tesouro dos EUA, o que tem feito o FED adquiri-los em montante substancial, não oficialmente divulgado.
Corrida aos metais preciosos
17 De fato, a financeirização da economia e sua exacerbação – culminando com crise de 2007/2008 – e a esbórnia continuando com os banqueiros de costas quentes graças à ajuda governamental, resultaram no crescimento exponencial dos ativos financeiros, das dívidas públicas e das emissões. Ademais, os bancos centrais entupiram-se de títulos tóxicos que adquiriram dos bancos insolventes para salvá-los.
18 Com o FED (Reserva Federal dos EUA) emitindo cada vez mais dólares e com a situação não muito diferente na Europa, as moedas emitidas por bancos centrais não merecem fé, o que faz os mais avisados se voltarem para a tradicional busca ao ouro.
20 Um dos efeitos disso, que ainda está longe de se esgotar, é a subida do preço do ouro em relação ao dólar, ao euro e a outras moedas. Em termos de dólar, a valorização do ouro supera 25% ao ano, nos sete últimos anos. Seu preço tocou, há pouco, novo recorde, com US$ 1.300,00, por onça troy2.
21 Entretanto, diante do grau do caos financeiro, sem limite à vista, as moedas “fiat”, quer dizer, emitidas à vontade, ainda estão muito pouco depreciadas em relação ao seu devido valor.
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Notas
Adriano Benayon é Doutor em Economia. Autor de “Globalização versus Desenvolvimento”, editora Escrituras. [email protected]
1 Um Credit Default Swap (CDS) é um instrumento financeiro geralmente negociado por investidores no mercado de renda fixa (obrigações) para especular ou fazer hedging, caso uma empresa entre em incumprimento na sua dívida (risco de crédito). Um CDS envolve duas contrapartes – um comprador de proteção na entidade de referência, e um vendedor de proteção na entidade de referência. O risco introduzido pelo CDS é o risco de contraparte sobre o vendedor do CDS, ou seja, o comprador fica com o risco de que o vendedor não cumpra as suas obrigações, em caso de falência da entidade de referência. No caso de uma empresa estar na impossibilidade de reembolsar uma dívida emitida por ela (obrigações), o vendedor de um CDS compromete-se a reembolsar o comprador desse CDS, ou seja, quanto mais elevado é o risco de falência, mais alta é a cotação dos CDS para essa entidade. [http://aeiou.visao.pt/o-que-e-um-cds-credit-default-swap=f538197]
2 Uma onça troy equivale a 31,1035 gramas.