As medidas são anunciadas, discutidas e votadas em separado. Aparentemente não têm nada a haver uma com a outra, o próprio monopólio das comunicações faz questão de estanquisar o assunto para tudo passar despercebido. A realidade, porém, é que o conjunto das contra-reformas fazem parte do Pacotão chamado Alca e cuja implementação é responsabilidade precípua do Sr. Luís Inácio por atribuição direta de Bush, antes mesmo de sua posse, quando dos acertos eleitorais com o império.
O discurso é sempre o mesmo, seja na boca de Collor, FHC ou Luís Inácio: é preciso ter recursos para investir em saúde e educação; é necessário atrair o capital externo; é urgente a integração da América Latina; tudo pela retomada do crescimento e do desenvolvimento sustentado. Isto para esconder o real interesse da metrópole em aprofundar mais ainda suas garras nas entranhas das Américas.
Itinerário do entreguismo
O crescente processo de exploração imperialista se intensificou, nos últimos 15 anos, fruto da subserviência do gerente de turno frente ao avanço da contra-revolução mundial. Primeiro veio o desmantelamento da Constituição, abrindo espaço para a desnacionalização do patrimônio nacional e, mais que isso, minando qualquer possibilidade de competição da indústria nacional, já que a nova lei igualava em tratamento as empresas nacionais e estrangeiras. A doação dos ativos de empresas de economia mista (que eles chamavam de estatais) constituiu-se em verdadeiro crime de lesa-pátria, ímpar em nossa história.
Os preços de produtos e tarifas hoje impostos pelas empresas que se adonaram de nosso parque petroquímico, siderúrgico, elétrico e de telecomunicação, dão bem a medida da insaciável ganância com que se deu essa verdadeira anexação. Logo os superlucros transformaram-se em derrama, sob as formas de remessa de lucros, juros, royalties, assistência técnica, super e sub-faturamentos e outros subterfúgios.
Para dar prosseguimento à sanha entreguista, surgiram legislações (concessões) fraternais para criar verdadeiros cartórios, que passam para as mãos dos consórcios, comandados pelo sistema financeiro internacional, o controle de um sem número de serviços públicos — inclusive os de caráter estratégico.
Ato contínuo, elaboram uma lei de licitações que guarda em sua essência todo o espírito da privataria entreguista, e, de quebra, amplia as fontes para obtenção de contribuições para o caixa de campanhas eleitorais (corrupção explícita) e para o famoso caixa 2 (corrupção implícita). Quando tudo fazia crer que a criatividade dos sanguessugas havia se exaurido, eis que a gerência FMI-PT, inspirando-se em Margaret Thatcher, cria as PPPs.
Sob o argumento de que o Estado perdeu a sua capacidade de investir, necessitando, pois, da parceria com agentes privados para atender a demanda em investimentos de infra-estrutura, escondem o fato de que são eles os principais responsáveis por esta situação, ao impor ao país um superávit primário escorchante, para pagar amortizações, juros e serviços da dívida com a agiotagem internacional. Outra desfaçatez é considerar interesse social os interesses do agronegócio que necessita de portos, ferrovias, hidrovias e rodovias para escoar o minério e os produtos agrícolas in natura.
Funcinários bem pagos
A última visita de um dirigente do FMI ao Brasil, nos primeiros dias de setembro, ficou marcada pelos rasgados elogios feitos a seus prepostos no país: Meirelles, Lula e Palocci foram distinguidos como fiéis cumpridores das ordens imperiais ianques.
A carta de intenções enviada ao fundo em 2003 já se comprometia em implementar em nosso país as contra-reformas, prontamente, o Banco Mundial se apressa em bancar seminários internacionais para mostrar as maravilhas das “mudanças”.
As propostas enviadas ao Congresso espelham o mais refinado espírito colonial, embora apresentando justificativas “plausíveis”, retiradas do arsenal de engodos das administrações coloniais. Assim, os debates, nesta instância homologatória, giram em torno da necessidade de “atrativos” para que empresas estrangeiras possam investir com segurança, em todos os setores da economia, incluídos aí o setor público, a educação e a cultura.
Eliminar todas as barreiras possíveis à entrada de produdos ianques no país; liquidar o Estado previdenciário; favorecer à corporativização da organização sindical dos trabalhadores; retirar direitos conquistados em pelo menos um século de lutas; atribuir a fóruns especiais; centralizar ao máximo as decisões judiciais que ainda ficarem nas mãos do Estado; concluir a privatização do ensino universitário. Boa parte destas medidas já foram tranformadas em lei e as demais estão a caminho. Aprovada a totalidade destas reformas — o que poderá ocorrer com uma convocação extraordinária do congresso, no período do recesso — estarão criadas as condições fundamentais que Bush exigia para a tranformação da américa latina em um território único chamado Alca. Daí para frente serão necessários meros ajustes para concretizar o emquadramento de todos os setores dentro do plano geral.
Um exército para a Alca
Todas as providências estão sendo tomadas com vistas a garantir a livre circulação dos produtos nas três américas, em mão única, é claro, do norte para o sul. Para concluir o grande projeto logístico, o BNDES já acena com a possibilidade de financiar a construção de pontes e estradas ligando o Brasil aos países vizinhos. Sob os auspícios da Alca, o que serviria para integração da América Latina, servirá para a sua entregação ao império.
Esta estrada ligando as três américas será também, segundo a vontade dos ianques por onde circulará o exército do sul, ou da Alca. Sim, porque desde 2002 na V conferência de Ministros da defesa dos países das Américas, que o USA tenta passar a proposta da criação de uma força armada única para os países das Américas. Mais recentemente, Donald Rumsfeld, secretário de defesa do USA, deixou seus afazeres no comando do genocídio ao povo iraquiano, para se dirigir a Quito. Na Capital equatoriana aconteceu a VI conferencia dos Ministros de defesa das Américas, para a qual o Sr. Rumsfeld levou a proposta de transformar a Junta Interamericana de Defesa numa força integrada para combater o narcotráfico e o terrorismo.
Trata-se de requentar a surrada doutrina da segurança nacional, apenas substituindo o “perigo comunista” pelo “perigo terrorista”. Assim, os países só teriam polícias formadas a partir se seus antigos exércitos, agora sob o comando direto do USA. Este seria o exército da Alca. Qualquer semelhança com tropa de ocupação é mera coincidência.
*O Professor Fausto Arruda é presidente do Conselho Editorial do AND.