Historicamente a região amazônica tem sido uma área permanente de ocupação e pilhagem. Dos primórdigos da colonização, passando pelo período de gerenciamento militar e chegando aos dias atuais, a tônica da extração máxima sem nenhum retorno tem se aprofundado sempre, adquirindo novas roupagens, novos discursos, novos empreendedores. Essa ininterrupta política de intervenção, buscando legitimar-se por jargões ecologistas, integracionistas, ou de pretenso combate ao narcotráfico e contrabando, tem representado uma verdadeira tragédia para as populações nativas, assim como o prosseguimento da política colonialista das metrópoles.
É dessa forma que sucedem-se os conhecidos ciclos de exploração1, seja ele o das drogas do sertão, o da borracha, da castanha, da mineração, todos tendo em comum o brutal saque das riquezas, o aval do Estado e a condescendência e apoio das elites locais.
Sonho e realidade nos seringais
O correspondente amazônico do engenho açucareiro é uma empresa extrativista incipientemente capitalista: o seringal.
Darcy Ribeiro — O Povo Brasileiro
O período de auge da extração gomífera na Amazônia deu-se da metade do século XIX até a primeira década do XX (1850-1910). A Amazônia conheceu nesse intervalo um grande número de imigrantes vindos de todas as partes do país, mas principalmente da aridez nordestina (mais tarde, no governo Médici, seria construída a Br-230, conhecida como Transamazônica, que pretendia intensificar a ligação nordeste-norte).
O sonho do enriquecimento rápido, a promessa de fartura e vida melhor atraíam levas e mais levas de trabalhadores rumo aos mais longínquos pontos da Amazônia. É esse período que os historiadores costumam chamar de belle époque da região, quando Belém e Manaus conheceram uma relativa prosperidade. Nesse tempo a borracha chegou a representar 40% das exportações brasileiras, só ficando atrás do café. Os americanos eram os principais compradores. Mas, bem diferente das propagandas e das promessas era a realidade dos seringais.
O sonho de riqueza geralmente se transformava em atrelamento e endividamento progressivo do seringueiro com o seringalista — dono do seringal. Este era quem acertava as contas do transporte, alugava as ferramentas, vendia os mantimentos como a farinha e a cachaça. Configurava-se o dramático cenário do que se costuma caracterizar como 'trabalho escravo'. Presos por sua dívida, muitos seringueiros jamais retornavam a seus estados de origem, sendo que muitos tombaram nas mãos de pistoleiros por sua rebeldia. O rio e o livro de débito eram suas correntes. A alta cotação da borracha no mercado internacional era acompanhada do trágico quadro que envolvia sua extração: miséria e isolamento nos seringais, epidemias fatais de malária, beribéri e todo tipo de endemias e moléstias tropicais. Soma-se a isto o verdadeiro extermínio de nações indígenas, tanto físico quanto cultural. O colapso da economia extrativa da borracha foi a salvação dos remanescentes indígenas da Amazônia , já apontava o antropólogo Darcy Ribeiro.
A Segunda Guerra Mundial representou o último suspiro do comércio da borracha que, após fazer a fortuna de alguns poucos comerciantes, caiu no mais completo esquecimento. Portanto, o ciclo da borracha traça já um panorama bem característico das políticas para a região amazônica: os contrastes. Se foi a borracha que impulsionou o desbravamento da floresta, povoou algumas áreas (inclusive com a anexação do Acre) e alavancou a indústria automobilística internacional, também foi ela que implementou a servidão a muitos seringueiros, aumentou as periferias de Belém e Manaus com legiões de desempregados, espalhou a morte e a carestia no norte brasileiro.
Políticas nefastas na Amazônia
Hoje a realidade amazônica cedeu lugar a um novo tipo de extrativismo: a mineração desenfreada, acompanhada da metalurgia e da siderurgia. Esse novo ciclo teve grande impulso durante os governos militares, que criaram órgãos como a Sudam (Superintendência para o desenvolvimento da Amazônia), o Basa, (Banco da Amazônia) Suframa (Superintendência da Zona Franca de Manaus) e o próprio Incra, para potencializar e financiar a implantação dos chamados Grandes Projetos (GPs). Como exemplo do modelo dos GPs dos militares podemos citar, entre outros, a implantação do pólo da Zona Franca de Manaus, a Construção da Usina Hidrelétrica de Tucuruí e o Programa Grande Carajás, estes dois últimos no Pará.
Sob os slogans de “integrar para não entregar” e 'segurança nacional', a ditadura incrementou o processo de ocupação da Amazônia brasileira, tendo como base um discurso pretensamente nacionalista. Na prática o que se viu foi a mais descarada concessão e incentivo para que subsidiárias estrangeiras como a Nippon, Honda, Orient, Kawasaki, Tec Toy, Estrela, entre outras se instalassem em Manaus e usufruíssem da barata mão-de-obra local. Assim a Zona Franca foi criada em 1967, sob a intensa propaganda dos militares.
A construção da Usina Hidrelétrica de Tucuruí, maior empreendimento público da história da região, significou a expulsão de aproximadamente 30 mil pessoas entre índios, caboclos, garimpeiros e pescadores. Isso porque o lago represado inundou nada menos que 2.430 quilômetros quadrados de floresta. A energia gerada em Tucuruí, além de beneficiar o projeto Carajás, serve também às indústrias de alumínio Albrás (Barcarena — Pará), de capital japonês e à Alumar (S. Luís — Maranhão), de capital americano e holandês. Como curiosidade do processo de construção da hidrelétrica de Tucuruí pode-se dizer que foi nos nove anos de obras que o sr. Sebastião Camargo, dono da construtora encarregada, a Camargo Correa, passou a figurar no seleto grupo dos brasileiros com fortuna acima de 1 milhão de dólares. Dinheiro público.
As águas represadas em Tucuruí, além de inviabilizar o potencial hidroviário da bacia do rio Tocantins (reafirmando a opção rodoviária com a conseqüente instalação das montadoras automobilísticas), também serviram e servem para produzir alumínio aos maiores consumidores do mundo: americanos e japoneses. Não espanta que estes últimos queiram patentear o cupuaçu, fruta típica da Amazônia, como sendo deles. Até hoje há cidades vizinhas a Tucuruí que não contam com energia elétrica. Somos colônia energética: com todo nosso potencial, ainda ficamos no escuro. O país do futuro não pôde ainda se livrar de seu passado.
No sul do Pará encontra-se a maior jazida de minério de ferro do planeta, avaliada em torno de 18 bilhões de toneladas de alto teor (66% de ferro). Na verdade a Serra dos Carajás não se trata de uma jazida isolada mas sim de uma riquíssima província mineral. Lá, segundo estudos, podemos encontrar cobre, ouro, prata, bauxita, manganês, estanho, quartzo, etc. O Programa Grande Carajás, cuja área é de 900 mil quilômetros quadrados, teve início em 1981. É administrado pela ex-estatal Companhia Vale do Rio Doce, que detém os direitos de lavra, a concessão de exploração de uma ferrovia com 800 km de extensão (Carajás-Porto de Itaqui-MA), um terminal graneleiro no referido porto e um núcleo habitacional 'fechado' para seu pessoal.
A Vale agora investe em siderurgia, o que significa maiores lucros, mais poluição e menos florestas. Parte da energia gerada em Tucuruí move a engrenagem, embora a Vale tenha planos de construir uma hidrelétrica particular num dos rios da região. A mineração atende à exigência externa dos chamados commodities, que nada mais são que a exportação de matérias-prima em seu estado bruto. Vão os minérios e ficam os buracos.
O sul do Pará é das regiões pobres do país a que se encontra sobre as maiores riquezas. Para se ter uma pequena noção do contraste da região basta visitar o tal núcleo habitacional da Vale (isso se você tiver credenciais!). Nesse espaço restrito existem casas planejadas e climatizadas, agências bancárias, ruas limpas e arborizadas, posto médico, campo de pouso e até um zoológico particular com espécies em extinção. Apenas a dez minutos desse 'oásis' nos deparamos com precárias casas de madeira, ruas sem nenhum calçamento, esgoto a céu aberto, crianças maltrapilhas de pé no chão. O caos social é explícito em cidades próximas ao complexo de Carajás, como Parauapebas, Canaã dos Carajás, Curionópolis e Eldorado dos Carajás, onde a morte é coisa banal. Uma das materializações da contradição está também na imponência do trem que, com sua centena de vagões abarrotados, corta locais paupérrimos, só deixando uma sacudida na ponte, um apito maroto como afago de gigolô, na voz de um poeta.
Hoje, talvez a única dor de cabeça da Vale no Pará seja os índios da tribo Gavião (Par-katejê). Isso porque tanto a ferrovia quanto os cabos elétricos de Tucuruí atravessam os limites da reserva Gavião. Quando a gorda indenização que lhes é paga atrasa um dia sequer, os índios se pintam para a guerra e interditam a ferrovia, significando menos lucros para a Vale. Como se genocídio tivesse preço…
O Estado é pura conivência e cobertura à violência praticada pela Vale do Rio Doce no Pará. Privatizada no Governo FHC, hoje ela é de longe a maior mineradora do mundo, uma ilha no Sul do Pará. Com seus parcos 'retornos sociais' e os muitos 'cala-bocas' a políticos e empresários nacionais e locais, a Vale reina soberana, é polícia, juiz e ladrão, como na letra de Chico Buarque.
Um novo ciclo de exploração
Avança de forma voraz sobre os solos amazônicos mais um ciclo de exploração. O chamado agronegócio tem se alastrado pelas fronteiras da região com velocidade, principalmente pela vertente Oeste, na divisa com Mato Grosso. A rodovia Cuiabá — Santarém tem se tornado um símbolo do avanço da soja. O porto de Santarém (PA) tem recebido melhorias financiadas pela atual gerência petista, facilitando e tornando mais barato o escoamento da produção. A monocultura da soja segue o modelo da plantation colonial, agora acrescido de modernos insumos estrangeiros, maquinário, sementes geneticamente modificadas etc. Mais um commoditie brasileiro, que em 2004 contou com um repasse de 37 milhões de reais por parte do governo federal.
Em essência o agronegócio significa a perpetuação da grande propriedade latifundiária baseada na exploração de relações pré-capitalistas de produção. Ele prova que o capitalismo que se desenvolve de forma tardia nos países coloniais e semi-coloniais na época do imperialismo, longe de destruir as velhas estruturas e relações sociais existentes, incorpora-as e as incrementa como reserva imperialista e da grande burguesia local (burguesia burocrática).
Contudo, esta política que se apóia no monopólio da posse da terra tem esbarrado num importante inimigo, inimigo que os outros ciclos de exploração não conheceram: o crescente e ativo movimento camponês da região. O Pará é o olho desse furacão, o centro dos principais conflitos. O Estado brasileiro busca todas as formas para conter a efervescência no campo, intervindo inclusive militarmente. Afinal de contas, o que de fato representou o propagandeado assassinato da missionária Doroty Stang em Anapú-PA senão legitimar a ocupação policial dessa estratégica área? A chamada Força Tarefa Conjunta, que conta com a participação da Polícia Federal, Civil e Militar, além de contingentes do Exército, permanece na região mesclando ações assistencialistas à práticas de amedrontamento e intimidação da população camponesa ao longo da Transamazônica. A presença coercitiva do aparato militar do Estado tem lugar e alvos muito bem definidos: Amazônia, movimento camponês combativo. O Estado, sob a 'exemplar' gerência do PT, lança assim mais uma de suas ofensivas político-militares sobre a região. Como as outras, fracassará. O latifúndio se arma até os dentes contra as massas. E estas, indomáveis como sempre foram, já dão mostras de como serão as batalhas decisivas para sua vitória.
Não devemos encarar os chamados ciclos de exploração como sendo períodos fechados, com início e fim, uma vez que mesmo após o auge de determinado produto o mesmo segue sendo extraído, ainda que em escala inferior.