
Atividade cultural durante ato em homenagem a Tonhão
A classe operária perdeu mais um valoroso filho. No dia 2 de setembro de 2012 faleceu Antônio José de Oliveira, “Tonho” ou “Tonhão”, militante revolucionário e comunista convicto. De uma família operária de onze membros, nasceu no povoado de Marinhos, município de Brumadinho – MG, em 3 de outubro de 1947. Seu pai, operário ferroviário e a mãe, de origem camponesa, estabeleceram-se nesse povoado, como tantas outras famílias, próximo à estação naquele circuito do transporte de minério.
Ainda muito jovem, começou a trabalhar na estação ferroviária do Bairro das Indústrias, Belo Horizonte, importante área industrial de então, onde se concentravam várias oficinas e fábricas como a Siderúrgica Mannesman. Lá, sobretudo nos anos de 1950 e 1960, havia grande atuação do Partido Comunista do Brasil.
Foi vendendo comida nas portas de fábricas no Bairro das Indústrias que a mãe de Tonhão teve seus primeiros contatos com o Partido Comunista, nele ingressando, levando consigo os filhos jovens. Já militando no Partido, Tonhão ingressou na Escola Técnica e se tornou um operário especializado.
Após o golpe militar de 1º de abril de 1964, vários membros do comitê do partido em Belo Horizonte, composto principalmente por estudantes e proletários da região industrial, romperam com a direção reformista de Prestes e deram origem à Corrente Revolucionária. Ainda em meados dos anos de 1960, a Corrente Revolucionária faria contato e se integraria à Ação Libertadora Nacional – ALN, dirigida por Carlos Marighella. Antônio José de Oliveira passou a ser conhecido pelos seus camaradas de armas como “Lopes”.
Na segunda metade da década de 1960, Tonhão e sua família se mudaram para o bairro Jatobá, próximo da região industrial de Belo Horizonte, na divisa com o município de Ibirité. Nesse período ele tomou parte em várias ações armadas e expropriações na capital e interior.

Com seu filho, Rafael
Em depoimento, um antigo companheiro de Tonhão disse que a história dessa família de operários e comunistas se assemelha com o retratado na obra A Mãe, de Máximo Gorki. Assim como na obra do escritor revolucionário russo, a família de Tonhão, todos operários e revolucionários, foi alvo de perseguições e ataques policiais. Sua casa foi invadida pela polícia muitas vezes. A mãe de Tonhão faleceu quando quatro de seus filhos, Efigênia, Tonhão, Imaculada e Eustáquio, estavam presos devido às suas atividades revolucionárias.
Dada a presença e peso da Corrente na área industrial, Tonhão e seus companheiros tiveram forte atuação na histórica greve dos metalúrgicos da Belgo e Mannesman em 1968. Essa greve teve uma importância muito grande. Os operários ocuparam as fábricas, que foram invadidas pelo exército. Os militantes mais atuantes eram caçados pelos órgãos de repressão, mas a sólida ligação entre os revolucionários e os grevistas garantiu a continuidade da luta. O então ministro-coronel Jarbas Passarinho foi forçado a se deslocar até a região industrial e se pronunciar sobre o movimento. A greve foi vitoriosa! Pela primeira vez, desde o golpe, o regime militar fascista se viu obrigado a conceder aumento aos trabalhadores em greve.
Após essa greve, Tonhão foi enviado pela ALN ao sul de Minas, retornando a BH para novas ações armadas. Segundo o relatório dos gorilas militares reunidos no denominado projeto Orvil (ver matéria na página 2 desta edição de AND), no dia 20 de janeiro de 1969 Tonhão participou de ação para recuperar explosivos na Pedreira Sarzedo, em Ibirité. Em 5 de fevereiro ocorreu uma expropriação do Banco de Minas Gerais, também em Ibirité. A ação foi exitosa até a saída do banco, quando um caminhoneiro, identificado como Salvador Campos no relatório dos militares, denunciou a ação à polícia, seguindo os revolucionários, auxiliando os órgãos de repressão. A polícia montou um grande cerco e os interceptaram. Tonhão e outros companheiros saltaram do carro para fazer a contenção armada e cobrir a fuga dos demais militantes com o dinheiro.
Havia já a orientação da ALN para que os militantes não aceitassem “cair” vivos, dado às bestiais torturas que estariam levando a ondas de prisões. Após vários disparos, cercado e sem saída, Tonhão atirou no próprio peito, porém sobreviveu. Mesmo gravemente ferido, foi torturado por policiais no hospital e na delegacia. Um de seus pulmões foi removido, segundo um médico, devido ao disparo que deu contra o peito, mas é opinião de outros médicos que a remoção do pulmão foi obra do descaso e crueldade dos que desejavam a morte do destemido revolucionário.
Tonhão foi enviado ao presídio de Linhares, Juiz de Fora – MG, onde seguiu sendo torturado.
A ALN fora desmantelada enquanto Tonhão esteve na prisão. Relatava a companheiros que na prisão alguém havia proposto um balanço autocrítico, começando por atacar a luta armada. Ele repeliu prontamente o renegar da luta armada sob pretexto de autocrítica e que se dispunha a avaliar erros e debilidades, mas nunca negar a validade da luta armada.
Já fora da prisão e sem sua organização, Tonhão seguiu sustentando firme a defesa da luta armada. Com apoio de companheiros, montou uma serralheria no bairro Amazonas, em Contagem, e abrigou muitos desempregados pelas listas negras da patronal. Mesmo sem estar vinculado a qualquer organização, seguiu a luta contra o regime militar e pela revolução, participando de batalhas sindicais, de pichações, panfletagens em portas de fábricas, etc.
Estudioso dos clássicos do comunismo, dedicara-se ao exame dos escritos militares de Mao Tsetung, Giap e Che. Ardoroso defensor dos povos revolucionários, fora entusiasta da Revolução Cubana. Confessara a um companheiro que antes da prisão seu maior sonho era ir a Cuba treinar guerrilha, o qual frustrou-se após ter sido escalado, com o adiamento da viagem e consecutiva prisão.
Nos últimos anos de vida, com sua mobilidade física muito comprometida, Tonhão se dedicava a maior parte do tempo ao estudo do marxismo e da realidade do Brasil e do mundo. Seguiu defendendo ardorosamente a revolução, a luta armada, o socialismo e o comunismo. Queria sempre estudar e compreender mais.
Casara-se com Arlete, filha também de família operária e amiga de infância. Como não podiam conceber filhos, adotaram o pequeno Rafael. Com a precoce morte de Arlete afeiçoou-se ainda mais a Rafael a quem educou nos princípios do coletivismo e da solidariedade, da vida simples e do trabalho.
O alcoolismo e as sequelas físicas e psíquicas provocadas pelas torturas haviam-lhe debilitado muito a saúde. Nos últimos anos Tonhão enfrentou ainda uma grave cirurgia para reparar problemas circulatórios resultantes de ferimentos a bala de enfrentamentos com a repressão e um câncer de garganta. Suportou tudo com a firmeza e dignidade de quem nunca deu lugar para lamúrias.
Honras a um férreo combatente da classe
Em 19 de janeiro de 2013, na sede do Sindicato dos Metalúrgicos de BH/Contagem e Região, foi realizado um ato em homenagem a Antônio José de Oliveira. Mais de cem militantes e ativistas de diversas organizações democráticas e revolucionárias compareceram ao ato convocado pelo Movimento Feminino Popular (MFP) e pela Liga Operária. Familiares de Tonhão e antigos companheiros de luta também estiveram presentes.
Tonhão era avesso a homenagem pessoal e ao que cheirasse cabotinice, e sua homenagem foi marcada pela simplicidade e combatividade. Os organizadores do ato destacaram que aquela foi uma forma de homenagear e resgatar o sacrifício que a luta revolucionária impõe. O ato foi aberto com o canto d’A Internacional frente às estampas de Marx, Engels, Lenin, Stalin, Mao Tsetung e de Tonhão. Um grupo cultural declamou poesias e entoou as canções de Vandré Cipó de Aroeira e Réquiem para Matraga e a canção da resistência antifascista na Itália, Bella Ciao.
Familiares e companheiros de luta falaram de Tonhão e de sua causa. Destacaram o importante papel cumprido pela geração de militantes e ativistas revolucionários que, nos anos de 1960 e 1970, firmemente convencidos de que somente através da luta armada poderia haver uma verdadeira transformação no país, deram sua vida pela causa da libertação de nosso povo e do socialismo.
Militantes importantes, que eram grandes referências para Tonhão, foram lembrados, como Hélcio Pereira Fortes, o “Ernesto”, que Tonhão sempre lembrava como militante destemido, que escapou de vários cercos policiais e, preso no Rio de Janeiro, foi pendurado vivo em um gancho de açougue e torturado até a morte pelos militares. Tonhão dizia: “nunca vi homem com coragem como aquele”.
Estampadas em um fundo vermelho, as fotos de Tonhão e Marighella se destacam em um quadro presenteado aos parentes de Tonhão por seus companheiros e companheiras de luta. Junto delas, os versos de um poema de Marighella escrito na prisão em 1939, que muito bem expressam a vida e luta de Antônio José de Oliveira:
Liberdade:
E que eu por ti,
se torturado for,
possa feliz,
indiferente à dor,
morrer sorrindo
a murmurar teu nome.