Ao império dizemos não

Ao império dizemos não

Na primeira quinzena de agosto, A Nova Democracia conversou com general da reserva Andrade Nery. Sua narrativa direta e franca traz muitas surpresas, em particular quando situa questões como independência e povo, algumas informações obtidas das investigações sobre a Amazônia, em particular sobre a Base de Alcântara, mas principalmente quando se refere aos destinos dessa Nação.

O Terceiro Mundo, dono das matérias-primas, tem que entregar as suas riquezas para a potência hegemônica que impõe a regra da globalização, determina o preço e ainda paga aos latino-americanos com moeda falsa: papel e tinta verde sem lastro. É uma situação verdadeiramente crítica, mas há esperanças de que os brasileiros possam se unir. E este é o momento.
Gen. Andrade Nery

Há muita incompreensão no que diz respeito ao papel do Exército. Muitos pensam, por exemplo, que exército serve ao governo. Não é assim, jamais foi. Mas um exército existe para servir ao Estado

E no Brasil, o Exército, agora, está sendo desmantelado, praticamente sucateado, mal pago. Isso faz parte de uma velha campanha, porque houve, até bem pouco, dois impérios que pretendiam dominar o mundo. No caso do Brasil, os dois tomaram como alvo as forças armadas, porque não interessava para ambos ter forças no país em condições de manter sua integridade, já que uma das suas mais importantes reservas, a biodiversidade amazônica, eles achavam, pertencia ao mundo europeu, ou ao Hemisfério Norte, porém não ao Brasil, tampouco destinado ao uso dos brasileiros.

Muitos ainda não perceberam a necessidade de termos forças armadas em condições de garantir a territorialidade nacional, toda a imensidão do território brasileiro, principalmente a Amazônia, onde o Exército permanece. O Projeto Calha Norte, tão atacado, o governo fez estancar, mas as forças armadas cumpriram com a sua parte. Da mesma forma, quem passar nos pelotões de fronteira verá os equipamentos instalados, as famílias instaladas, enquanto que os pavilhões destinados aos órgãos civis do governo nunca foram ocupados, desde há 20 anos. Ou seja, o Ministério da Saúde, da Educação, a FUNAI, o serviço de terceiros etc., não estão lá, não aparecem lá. No entanto, quem esteve em Japurá (AM), há 70 anos, viu um pelotão ali instalado, viu tenente, viu famílias. Hoje, quem retorna por lá vê a mesma clareira, não se derrubou uma árvore a mais nesses 70 anos; estes homens defendem a Amazônia.

Estão entregando nossas riquezas,
principalmente a nossa Amazônia,
jazidas minerais e empresas

O que aconteceu agora? Dispensaram 2.000 homens adestrados, treinados, muitos vivendo lá, outros, oriundos daquela região; mais alguns incentivados a ocupar e fortalecer os serviços de fronteira, ter uma estabilidade conquistada no penoso, mas profícuo trabalho realizado por lá. Passados sete anos de serviço, vem a ordem de mandá-los embora. Privaram nossa fronteira dos equipamentos e do pessoal necessário para defende-la. Foram 2.000 homens mandados embora.

Da mesma maneira, acabaram com os cargos de ministros militares, os militares que na mesa de decisões impediam determinadas providências como essa de entregar as nossas riquezas aos estrangeiros. Estivessem lá os quatro ministros militares, não teria acontecido o que aconteceu.

Mas a ordem partiu de quem? Na hora de firmar um acordo com o FMI, surgiu a ordem: criem o Ministério da Defesa, ou não daremos o seu dinheiro. Então, afastaram os militares. Aí, aquela “esquerda”, a falsa esquerda, tem muita culpa porque também sempre se colocou contra a idéia de um exército forte, um exército para guarnecer a nossa soberania. O Exército está aí, mas para quê? Para servir ao governo, para tomar conta de propriedade privada etc., o que se revela absurdo; isso é o mesmo que substituir o Exército por uma guarda pretoriana.

No passado houve erros, evidente. Agora, entretanto, é preciso lutar, inclusive criar uma nova mentalidade para fazer frente a essa ameaça que é o outro império, hoje, sozinho, hegemônico, mas que já cercou a Amazônia, que já instalou bases em volta, nos países que também tem fronteira com o Brasil. Mas praticamente o cerco está completo. Até a Argentina, lá no Sul, cedeu uma área para treinamento de tropas americanas e de onde um avião a jato, um caça, pode decolar do norte da Argentina e alcançar Brasília. Dispõe já de uma pista de pouso. Há uma outra, no Paraguai, mais uma na Colômbia. O Peru, durante o período de Alvarado, retardou um pouco o domínio do Império na área. Agora voltou de novo. Então, os norte-americanos colocaram um governo neoliberal na Bolívia, no Peru, na Colômbia. Pretendem derrubar a última resistência que é o petróleo da Venezuela, derrubar o Chaves.

O cerco estratégico está consolidado, porque apenas faltava algo: a Base de Alcântara.

Recentemente, o Brasil dispunha na sua força aérea de um setor que desenvolvia um veículo lançador de satélites. Fez um lançamento, já definitivo, o próximo seria lançar o satélite brasileiro e, a partir daí, entrar na concorrência para o lançamento de outros engenhos destinados às comunicações. O Brasil disparou o seu veículo lançador, e ele se auto-destruiu. A base percebeu que um comando eletrônico foi emitido para que o foguete brasileiro se auto-destruísse. Descobriram que, próximo a São Luís, no Maranhão, próximo a Alcântara, na trajetória do foguete existia um navio americano de espionagem eletrônica. Marcaram o segundo lançamento do satélite. Fizeram o lançamento e, novamente, recebeu um comando para se auto-destruir e, também esse, se auto-destruiu.

A partir desses dois fracassos, não houve um terceiro lançamento e o governo apresentou o contrato para entregar a base ao governo americano. Quais os benefícios reservados para ele? Será uma base militar americana, eles devem ocupá-la com 10.000, 15.000 homens. O governo americano poderá lançar suas ogivas para atacar qualquer país do mundo. A Base de Alcântara está localizada na linha do Equador, é a mais próxima, a melhor do mundo, aquela que oferece uma economia de 30% no lançamento, ou seja, dá um alcance maior de 30%. Dali, os EUA podem alcançar qualquer ponto.

Será que é hora do império cair realmente,
ou ele vai atrás de outra guerra para se equilibrar?

Hoje, os EUA estão querendo tomar o petróleo da Arábia Saudita. Para isso, atacarão o Iraque. Partindo de Alcântara, um foguete dotado de ogiva nuclear pode atingir o Iraque. Por sua vez, havendo revide, ele não se dirigirá a Washington, nem à Pensilvânia, não se voltará contra o Deserto de Nevada. Os mísseis do contra-ataque serão dirigidos contra Alcântara. O Brasil será alvo de um contra-ataque, porque os americanos vão atacar um ponto partindo de Alcântara, e isso muita gente finge não estar percebendo.

O deputado Valdir Pires entendeu a questão e deu o parecer contra o Tratado, porque nenhum brasileiro vai entrar em Alcântara. Brasileiro, ali não entra; autoridade militar não tem acesso à Base. E tudo que entrar e sair da Base deverá ter o crachá americano, registrado por eles. Eles poderão transferir para ali 10.000 homens, ou quantos mais pretenderem. Está fechado o cerco à Amazônia.

Para completar, foi esta a ordem que deram na primeira quinzena de agosto: o Congresso americano aprovou que suas tropas entrassem em combate na Colômbia, o que estava proibido. Havia uma ajuda “econômica e técnica” à Colômbia, restrita ao controle do tráfico. Agora, não; agora é o combate à guerrilha colombiana “por que ela está envolvida totalmente com o narcotráfico” e foi considerada terrorista. As tropas americanas desembarcarão no novo Vietnã, para fazer a guerra contra as FARC, principalmente. No dia 13 de agosto, houve um ataque violento de caças contra as bases da guerrilha.

Então, quem é Brasil
é de esquerda? É.

O que querem eles com isso? Pretendem dominar o Alto Rio Negro, a Amazônia. Ali tem o petróleo colombiano, e o petróleo colombiano é levado para o Pacífico, através de um oleoduto, que é do interesse da família Bush. Esse oleoduto atravessa o território das guerrilhas.

Controlando a área petrolífera e o Alto Rio Negro, o petróleo poderá descer por todo o Rio Negro, alcançar o Amazonas e sair por Belém embarcado em navios. O exército americano descendo, combatendo a guerrilha das FARC, vai obrigá-la a entrar em território brasileiro. Por outro lado, se o Brasil se opuser a essa manobra americana, será acusado de estar “ajudando os terroristas”. E o que temos na Amazônia para deter a entrada de soldados americanos, por exemplo, como eles entraram no Vietnã, no Camboja etc? Nós não temos tropa. Nós temos meia dúzia de gatos pingados. Se o Exército brasileiro colocar naquela área, hoje, todo o efetivo das forças armadas, não conseguirá fazer a defesa das fronteiras. Porque não há efetivo para isso.

Hoje, na Amazônia, existem apenas quatro helicópteros da Marinha, em funcionamento. A FAB está indo para o chão. A aviação brasileira está no chão. A criação da aviação de helicópteros foi a minha última missão no Exército. Eu ajudei a criar a aviação de helicópteros, levei para Amazônia, eu a implantei lá. Também estive na fronteira, logo depois daquele ataque das FARC ao posto Traíra. As FARC não representam uma ameaça para o Brasil. A incursão sobre o Traíra teve uma característica toda especial, decorreu de um problema na área, onde havia uma mina pertencente aos índios tucanos. As FARC subiram para pegar o ouro. Houve uma desavença qualquer, mas não exatamente ameaça. No entanto, o envolvimento dos guerrilheiros das FARC com o narcotráfico, configura um outro problema.

Inegável, destruir o narcotráfico é um trabalho nobre. Mas se os americanos, que são os grandes consumidores, quisessem acabar com o narcotráfico, teriam que atuar no interior dos EUA. Afinal, quem se beneficia com o narcotráfico? A indústria farmacêutica americana, que fornece os produtos químicos para produzir a cocaína; a indústria bélica americana, que vende o armamento para os guerrilheiros; o próprio consumidor americano e os bancos americanos que lavam o dinheiro, toda aquela imensa fortuna gerada pelo tráfico.

Ainda assim, por trás disso, como se não bastasse há o interesse em dominar o petróleo venezuelano, o petróleo colombiano e a biodiversidade da Amazônia. As FARC não representam problema para o Brasil, o problema para o Brasil é a operação americana que consiste em empurrar o guerrilheiro para o nosso lado e vir atrás, ocupando territórios.

É preciso ter coragem

Na realidade, se há um império, ele domina, não renuncia à necessidade de impor a sua cultura. Começa nesse terreno cultural e vai em frente. É a luta do explorado contra o explorador, a luta pela independência com progresso econômico e social que não pára mais. Por ser precisamente uma luta de tanta envergadura, envolvendo a tal ponto os interesses nacionais, torna-se necessário, cada vez mais, debater o problema nacional, a questão da soberania.

Não há dúvida, a potencialidade do Brasil permite que o país mude o seu planejamento econômico, rompa com o FMI. É preciso cobrir-se de coragem e encontrar o caminho. Juscelino Kubitschek (1956 — 1961) e o próprio general Ernesto Geisel (1974 — 1979) tiveram. O general Geisel chegou a romper o acordo militar, além de romper com o FMI. Se o governo parasse de remeter esses cento e tantos bilhões de dólares, que anualmente vai para o pagamento de juros da dívida e remessa de lucros, distribuísse esses recursos pelo Brasil, dividindo-os com cada brasileiro, 170 milhões de brasileiros receberiam um cheque de R$ 2.500,00. Imagine um caboclo nordestino, com oito filhos, que é a média normal. Com o casal, somam 10 pessoas recebendo R$ 25.000,00. O que a família de trabalhadores faria com isso? A necessidade impõe que ela compre sapatos, a enxada, a semente, a sua geladeira, até mesmo, num dado momento, o seu trator. Esse elemento novo, que socorre o povo trabalhador, descartada a idéia de esmola, animaria a economia, como jamais aconteceu. Quanto aos céticos, certamente diriam: — Mas ia provocar inflação.

Não. Isso aí é a economia que interessa à nação, e por ser, de fato, economia, sabe-se muito bem como controlá-la. Bastariam quatro anos.

— Devo, não nego, pago quando puder.

Fechamos essa sangria por quatro anos. Não se remete nada para fora, ninguém há de remeter recursos para fora. Então, o Brasil passará a investir na agricultura, a investir mais na indústria; investir na produção genuinamente brasileira para produzir agricultura, indústria e emprego por trabalho devidamente remunerado. Em 4, 8, ou 10 anos, o Brasil estará ocupando uma posição privilegiada, que, em parte, chegou a conhecer antes e, mesmo, o país desfrutará de uma condição incomparavelmente mais vantajosa.

A arrogância de um centurião

… Aí eu lembro, eu estava na Amazônia com a aviação. Fui lá várias vezes. Vi o primeiro vôo de helicóptero para atravessar a Amazônia, em 1992. Foi uma aventura, mas fomos, deixamos o helicóptero lá. Aí eu recebo uma ordem. Eu, general do Exército brasileiro, comandando uma das mais novas brigadas do Exército, a Brigada de Aviação, 72 helicópteros, recebo ordem para participar de um encontro com um general americano, não lembro o nome dele, em Manaus. Este general comandava a divisão de emprego de tropas especiais, as forças especiais americanas, comandos, rangers , helicópteros; a tropa que é utilizada no primeiro dia de combate fora dos EUA. Foi assim na Guerra do Golfo, foi assim em Granada, foi assim no Panamá.

Ao se apresentarem, o adido militar americano no Brasil me falou:

— General Nery, o senhor tem alguma coisa a falar com o nosso general aqui?

Respondi: — Não, eu apenas fui avisado para vir porque ele desejava falar comigo. O que o senhor deseja me falar?

Ele disse: — Eu quero que você treine 2.000 pilotos na Amazônia.

Treinar os 2.000 pilotos dele, veteraníssimos da Guerra do Golfo, para aprenderem a voar na selva amazônica…

Retruquei: — Olhe, eu acho que o senhor está enganado. O senhor deveria estar treinando em outro lugar. Além do mais, eu acho um desrespeito o senhor se dirigir dessa forma à pessoa de um general do Exército brasileiro. Por favor, me dê licença.

Ele interrompeu: — Não, um momento. Na verdade eu queria que vocês ajudassem a conseguir uma autorização para que eu treinasse 26.000 homens, da minha divisão, na Cabeça do Cachorro (AP). Eu pretendo ficar seis meses ali.

Uma proposta feita para mim, fardado, um general brasileiro, dentro do meu país, dentro do Brasil. Isso ocorreu em 1992, 1993.

Os outros generais sabem do ocorrido e tiveram a mesma reação. O que nos chamou a atenção foi a ousadia daquele homem, a sua prepotência de vir aqui, ao Brasil, dizer isso.

Ao longo das últimas duas décadas, o jornal A Nova Democracia tem se sustentado nos leitores operários, camponeses, estudantes e na intelectualidade progressista. Assim tem mantido inalterada sua linha editorial radicalmente antagônica à imprensa reacionária e vendida aos interesses das classes dominantes e do imperialismo.
Agora, mais do que nunca, AND precisa do seu apoio. Assine o nosso Catarse, de acordo com sua possibilidade, e receba em troca recompensas e vantagens exclusivas.

Quero apoiar mensalmente!

Temas relacionados:

Matérias recentes: