Há quatorze anos confeccionando seus próprios instrumentos musicais com sucatas, o grupo Pau e Lata, tem passado seu saber para crianças e adolescentes, normalmente de escolas comunitárias e movimentos populares. O grupo se apresenta em círculo ou meia lua, e costuma oferecer seus instrumentos, durante os espetáculos, para quem entrar na roda.
A Oficina de Construção Ritmica
— Começamos nossas atividades há quatorze anos com crianças e adolescentes de uma escola comunitária daqui de Maceió, Alagoas. Quando fizemos a opção de trabalhar com sucata, queríamos mostrar que tudo o que está ao nosso redor pode se transformar em instrumento musical, reutilizando de forma construtiva o que seria lixo. Cada aluno confeccionou o seu próprio instrumento e fizemos nossa primeira apresentação com 100 componentes — conta Danúbio Gomes, coordenador do projeto.
— No ano seguinte fui morar em Natal levando a ideia, e surgiu um convite para trabalhar com crianças e adolescentes na cidade de Baía Formosa, interior do estado, com o mesmo caráter que tínhamos iniciado em Maceió. Novamente formamos uma banda e passamos a nos apresentar nas escolas da cidade e também em Natal — continua.
Na época Danúbio estudava artes e música na Universidade Federal do Rio Grande do Norte, e foram surgindo outros convites.
— Passamos a trabalhar dentro da fundação estadual da criança e do adolescente, um lugar onde cumprem pena por assalto, roubo, porte de drogas, em regime semiaberto. Também participar de eventos em escolas e universidades, e nos aproximar de movimentos populares, movimento camponês, realizando oficinas para os militantes e participando de ações de rua, marchas, palestras e debates. Tudo isso foi ajudando a formar o que somos hoje — explica.
A OCR na Reserva Ponta do Tubarão em Natal
— Desde o princípio levantamos a bandeira de que não nascemos apenas para formar músicos. Na nossa prática musical também estão inseridas práticas pedagógicas, políticas e discussões. Nossa leitura artística é para um público aberto, mesmo quando nos apresentamos em espaços fechados. Mas, normalmente nos apresentamos nas ruas, em caráter de cortejo ou parados em roda — fala Danúbio, acrescentando que as apresentações são sempre gratuitas.
— Essa opção tem por objetivo coletivizar ao máximo a nossa arte, chegando o mais perto possível das pessoas. Atualmente nos dividimos em núcleos. São 7 no Rio Grande do Norte, e outros espalhados por estados do Nordeste. Temos aproximadamente 350 pessoas envolvidas, entre crianças, adolescentes e adultos — acrescenta.
Transformando lixo em música
Danúbio diz que os instrumentos são confeccionados de forma bem simples.
— Hoje todos os grupos do Pau e Lata são montados por três tipos de instrumentos, que damos o nome de: tambor grave, tambor médio e lata. A nomenclatura é a partir do resultado sonoro que podemos extrair dele. Enquanto menor mais agudo o som, enquanto maior mais grave — explica.
— Um tambor de 120 litros tem o som mais grave que o de 60 litros. Porém o tambor de 60 litros tem um som mais grave que a lata. Então ele está no meio, entre o agudo da lata e o grave do tambor azul. As latas, inclusive, também se diferenciam: existem latas de 50 e de 18 litros, que são a maioria delas, geralmente utilizadas para tinta, manteiga, óleo diesel e outros — continua.
O tambor grave é feito das ‘bombonas’ azuis que muita gente usa para colocar lixo ou transportar água, e estão bem presentes nas indústrias.
A OCR na sétima aula aberta da UNIPOP,
Universidade Popular de Pernambuco
— O fazemos passar por um processo de limpeza muito rigorosa. Neste momento as crianças ficam de fora. Depois toda faixa etária entra em ação para a confecção do instrumento. Para confeccioná-lo, seja grave/médio/agudo, o fundo se torna a parte de cima, onde vamos tocar com as baquetas ou com as mãos — conta.
— Na lateral, próximo da borda, fazemos dois furos e colocamos um aro de arame, de mais ou menos 40 cm. Damos duas ou três voltas com esse arame, amarramos suas pontas e as enroscamos para dentro do tambor. Está pronto o nosso instrumento de percussão — acrescenta.
— Já o talabar, uma correia que serve para prendê-lo ao corpo, pode ser de cinto de calça, alça de bolsa de couro ou tecido forte. Às vezes juntamos retalhos dobrados várias vezes para ficar resistentes. Também pernas de calça e tecidos de chita colorida, que dá uma bonita aparência. Também pode ser um talabar industrial, adquirido em lojas de instrumentos musicais — continua.
O repertório do Pau e Lata é totalmente direcionado para a cultura popular.
— Tem que representar a cultura do povo, desde a história dos ritmos que foram trazidos pelos africanos, até ritmos que foram criados ao longo dos anos na história do Brasil, misturando a música europeia com a afro e a indígena. Tocamos também músicas de outras culturas, desde que também tenham nascido nas ruas, no meio do povo — afirma.
— E sempre procuramos nos apresentar em forma de círculo. Quando é necessário ter um plano de fundo, nos apresentamos em forma de meia lua. Essa estética é para que todos possam se observar, mesmo quando é necessário que alguém esteja como regente, e ao mesmo tempo observar e ser observado pelo povo — revela.
— O próprio repertório propicia isso, porque quando cantamos os maracatus, os cocos, os sambas, levamos em consideração que historicamente essas músicas tem um ou mais puxadores e outros que respondem. Assim o público vai compreendendo que ele também pode cantar junto, dando essas respostas — explica.
— Além disso, sempre tem um momento que o instigamos a tocar conosco. Para isso, levamos uns instrumentos a mais, e quando estão bem entrosados, oferecemos nossos próprios instrumentos. Já aconteceram casos de não ter nenhum integrante do Pau e Lata tocando no final de uma apresentação, todos eram populares que acompanhavam o show (risos) — finaliza com alegria.