No último 22 de fevereiro faleceu Luiza Gurjão Farias, mãe de Bergson Gurjão Farias, o primeiro guerrilheiro morto em combate no Araguaia, em 1972. Dona Luíza morreu aos 95 anos, poucos meses depois de assistir ao sepultamento dos restos mortais de Bergson, identificados quase 40 anos depois de sua morte. Um dos símbolos da luta dos familiares dos heróis do Araguaia por localizar, identificar e sepultar seus mortos, porém, não pôde assistir a apuração das circunstâncias e dos responsáveis pelas torturas e assassinatos praticados contra os que enfrentaram o regime militar fascista entre 1972 e 1975.
O guerrilheiro Bergson, morto no Araguaia, e sua mãe, Luiza, símbolo da luta dos familiares dos que tombaram
O gerenciamento oportunista do velho Estado brasileiro, presidido pelo PT e tendo o Pecedobê como força auxiliar, abriga todo tipo de obstáculos criados pelos remanescentes do regime militar-fascista no sentido de manter oculta a verdade sobre os acontecimentos na região do Bico do Papagaio, sul do Pará. Decorridos quase oito anos de sua administração, os oportunistas não possibilitaram às famílias de dezenas de combatentes o direito de enterrar seus entes queridos. Resumiram sua atuação na montagem de processos de indenizações, como se isso fosse suficiente para aplacar a dor e a sede de justiça dos que exigem a apuração dos fatos, doa a quem doer.
Já em 2003, Luiz Inácio ordenou, através do advogado-geral da União, Álvaro Ribeiro da Costa, o encaminhamento de um recurso judicial cujo objetivo era impedir que o Exército fosse obrigado, judicialmente, a revelar seus arquivos secretos sobre uma das mais importantes e censuradas lutas do povo brasileiro, a Guerrilha do Araguaia.
No mês de julho,daquele ano, a Justiça Federal havia, então, determinado a quebra do sigilo das informações submersas nos arquivos do aparato repressivo do Estado. Informações estas referentes a todas as operações de combate à Guerrilha do Araguaia. A sentença foi proferida pela juíza federal Solange Salgado, titular da 1ª Vara Federal do Distrito Federal, em processo de nº 82.00.24682-5, instaurado em 1982, por familiares de 22 dos 61 guerrilheiros, militantes do Partido Comunista do Brasil, contabilizados pelo Ministério da Justiça como desaparecidos no Araguaia.
No seu despacho, a juíza deu prazo de 120 dias para a União dizer onde estão os restos mortais destes guerrilheiros determinando, uma "rigorosa investigação no âmbito das Forças Armadas" e intimando a prestar depoimentos "todos os agentes militares ainda vivos que tenham participado das operações, independente dos cargos ocupados à época", ou seja, de generais de reserva a militares de patentes inferiores. A juíza determinou ainda o fornecimento de informações detalhadas sobre a totalidade das operações militares de combate à guerrilha.
Nova encenação
No ano passado o ministro da defesa Nelson Jobim voltou a gerar expectativas nas famílias dos guerrilheiros mortos, apesar de impedidas de participar das expedições de "busca" às ossadas dos combatentes do Araguaia, iniciadas em 8 de julho. O ministro alegou que os familiares "são parte interessada como outros autores contra a união", e, ainda declarou que é contrário à punição de torturadores e de militares envolvidos nas mortes de guerrilheiros, "que estariam amparados pela Lei de Anistia de 1979" (O Estado de SP de 10 de julho). O curioso é que a outra parte interessada (de que os corpos não apareçam), o governo e o Exército, é que está realizando a "procura" pelos locais onde os corpos foram enterrados. Salvo alguns apelos burocráticos da parte de Aldo Rebelo e Aldo Arantes para que a comissão ouvisse de "alguma forma" os militares envolvidos na "operação limpeza", nenhum movimento de maior porte tem sido desenvolvido pelos revisionistas do Pecedobê, que usam a memória dos que tombaram para arregimentar forças entre jovens incautos ou mesmo angariar votos, num desprezível tráfico com o heroísmo dos que tombaram em defesa de uma linha revolucionária, tripudiando sobre o caráter daquela luta. Tudo não passa de encenação com a conivência de Luiz Inácio e da camarilha de Rabelo.
Ações diversionistas
A operação do Ministério da Defesa fracassou, como era de se esperar, na medida em que ela foi montada para procurar o que não queria achar. Uma irmã do guerrilheiro Raul, Antônio Teodoro de Castro, mesmo com a proibição de que parentes participem das buscas, por iniciativa própria, encontra-se no Araguaia desde o ano passado buscando os restos mortais do irmão.
Suspeitas e descaradas são as atitudes diversionistas das autoridades e de todo aparato oficial que vai ao local indicado por mateiros (testemunhas) e cava a trinta metros do local que uma leiga, a irmã de Raul, sem nenhum suporte técnico, praticamente com as mãos, encontrou vários fragmentos de ossadas. È claro que o pacto traiçoeiro do silêncio vai prevalecer, principalmente neste ano eleitoral, para não fazer marola na candidatura de Dilma Roussef.
Assim, mais um abril se passa e nada a apresentar aos familiares dos lutadores do Araguaia e, muito menos a apuração que o povo brasileiro exige. Muito ao contrário, o que está em marcha e apresentado com o 3º Plano Nacional de Direitos Humanos, com a criação da "Comissão da Verdade e Conciliação", após toda a encenação do ministro Paulo Vanucchi, é de lançar uma grande pá de cal sobre os corpos dos heróicos combatentes pela liberdade e o manto negro do esquecimento oficial sobre os crimes políticos e de guerra do regime militar fascista.
Os democratas e revolucionários devem seguir exigindo a apuração completa de seus hediondos crimes, a localização dos corpos dos desaparecidos e a punição dos torturadores e criminosos de guerra.
Tergiversação e manipulação
Augusto Buonicore , um dos porta vozes do Pecedobê, escreveu em 1 de julho de 2009 , no Portal Vermelho, o artigo "Os camponeses, o Partido e a Guerrilha do Araguaia". Seu texto, a propósito de comentar as declarações de Sebastião Curió, o carrasco do Araguaia e com o pretexto de fazer a defesa do PCdoB de então da acusação de ter praticado o foquismo — teoria formulada por Debray para a guerra de guerrilha — no Araguaia, buscou na verdade tergiversar e manipular grosseiramente sobre a linha revolucionária com que o Partido Comunista do Brasil tentou abrir o caminho da Guerra Popular no país nos anos de 1960/70 e, através disto, defender a linha revisionista e podre do seu Pecedobê.
No artigo ele afirma: "Naqueles anos, a maior influência no interior do PCdoB era o maoísmo. A própria opção pelo esquema da Guerra Popular prolongada demonstra isso. Contudo, mesmo em relação às teses chinesas a concepção que norteou a construção da Guerrilha do Araguaia tem uma importante nuance: apesar de afirmar que o terreno principal da revolução brasileira era o interior do país, não apregoou o cerco das cidades pelo campo. Também não houve o abandono do trabalho político nos principais centros urbanos. (…) A grande maioria dos militantes do Partido permaneceu nas cidades. Apenas um pequeno número de pessoas — não superior a 20% dos seus efetivos — foi deslocado para o trabalho de preparação da luta armada no campo."
Buonicore repete coisas já sabidas por todos já que tal explicação foi resolução da VII Conferência de 1979. A mesma tergiversação e cantilena que Amazonas não cansava de repetir. A afirmativa de que "a maior influência no interior do PCdoB era o maoísmo" não deixa de ser verdade, embora com a imprecisão própria de tergiversadores, pois a aproximação do PCdoB com as idéias do Pensamento Mao Tsetung (e não maoísmo), de forma geral, não passou de formalidade. Com as exceções daqueles que foram cursar na China e que inclusive boa parte foi absurdamente expulsa por divergir, já em 1966, do caráter eclético do documento da VI Conferência, alguns dirigentes, destacadamente o grande Pedro Pomar, esforçaram-se por entender e assimilar as contribuições de Mao Tsetung. Os documentos do partido à época o comprovam, como o Grandes êxitos na Revolução Cultural da China publicado pelo órgão central do partido A Classe Operária, documento sabidamente da lavra de Pomar.
Também como os oportunistas do Pecedobê procuram ocultar, o Comitê Central do PCdoB fez inúmeras declarações e enviou muitas mensagens à direção chinesa reconhecendo Mao Tsetung como o chefe da revolução proletária mundial e seu pensamento como o marxismo da época. Tudo isto está registrado na imprensa chinesa de então e é de fácil verificação nas coleções do famoso boletim internacional Pequim Informa. O que os fatos comprovam é que o pensamento Mao Tsetung (mais tarde denominado por maoísmo) sofreu grande resistência pelos bolsões revisionistas que existiam no próprio Comitê Central. Por isto mesmo aquilo que Buonicore quer passar por "importante nuance" não era nenhuma criatividade ou independência de idéias, senão a manifestação mais aberta da incompreensão e formalismo no estudo do pensamento Mao Tsetung, particularmente no relativo à questão da Guerra Popular. Embora o documento por ele citado, o Guerra Popular: caminho da luta armada no Brasil seja o mais importante documento de toda a esquerda brasileira da época e essencialmente expressar a teoria da Guerra Popular, ele contém falhas importantes. O mais importante de sua contribuição é o de dar um duro combate às concepções militares burguesas e pequeno-burguesas muito em voga pela influência da direção cubana na América Latina, de defender o caminho da guerra camponesa e a concepção de que a Guerra Popular é uma guerra de massas dirigida pelo partido comunista.
O que o autor quer passar como avanço e não cópia de modelo é incompreensão, pois a Guerra Popular nos países dominados pelo imperialismo, ao definir o campo como cenário principal não prega qualquer abandono das cidades, muito ao contrário, afirma que a cidade é complemento necessário; que a guerra se dá principalmente no campo, mas também na cidade. De que o partido que dirige a guerra mobiliza todos seus militantes e a frente única que deve ser construída passo a passo para fazer e apoiar a guerra. A concepção que a direção do PCdoB buscou aplicar, como brilhantemente expôs Pedro Pomar em seu Sobre o Araguaia, foi uma política de "especialistas" em que terminou sendo uma espécie de "exército em miniatura" formado por apenas alguns, sendo isto uma das causas da derrota. A Guerra Popular não é uma guerra de "especialistas", é uma guerra das massas em que todo o partido e a frente única, ainda que embrionária, mobiliza-se permanentemente para fazer e apoiar a guerra. As cidades com as lutas de resistência das massas urbanas jogam papel decisivo como caixa de ressonância e proteção contra o isolamento do movimento revolucionário no campo. Todas as experiências mais robustas e exitosas o comprovam.
Em seguida e de forma contorcionista, Buonicore ataca a Guerra Popular, não menciona sequer por registro histórico a luta interna que levou Pedro Pomar pelo justo balanço daquela experiência, debate sabotado e soterrado pela direção de Amazonas, que para não fazer autocrítica alguma impôs uma formal saudação que enfocava a luta como um "Grande acontecimento na vida do Partido", para em seguida capitular da linha revolucionária construída com muito suor e sangue. Diz ele: "Por outro lado, não quero dizer que a teoria da Guerra Popular Prolongada, ainda que mitigada, tenha sido a concepção e a forma de luta mais adequada às condições do Brasil no início da década de 1970" (o sublinhado é nosso). E é assim que segue traficando com o sacrifício dos heróicos guerrilheiros, militantes do partido e massas camponesas, para buscar louros para as posições traidoras do Pecedobê.
Para justificar seu ataque ao heróico e justo esforço empreendido pelos comunistas revolucionários da época, puxa uma suposta análise de correlação de forças cantando loas ás realizações do regime militar-fascista, para o que busca socorro em nada menos que o pelego-mor Luiz Inácio: "Não se captava as consequências sociais e políticas do chamado Milagre Econômico (1969-1974) e sua capacidade de ganhar amplos setores das camadas médias urbanas — um dos pivôs da crise do regime ocorrida em 1968 — e neutralizar parcelas importantes da própria classe operária. Lula, recentemente, chegou a afirmar que se tivesse havido eleições diretas em 1970, Médici teria ganhado com folga." E mais, veja como explica o abandono e traição do grupo de Amazonas à linha revolucionária do partido e sua liquidação completa enquanto um partido revolucionário: "Entre 1974 e 1975, com o início da crise econômica, a ‘abertura política’, o crescimento das forças democráticas e populares, especialmente do movimento operário, os comunistas foram obrigados a mudar sua estratégia revolucionária ." (o sublinhado é nosso). Vejam só até onde pode ir um malabarista, a traição à linha revolucionária se chama de "obrigados a mudar" e de "revolucionária" a estratégia reformista adotada!!! Claro, fizeram a revolução no Brasil e até tomaram o poder. Não há limites para disparates.
Mas vamos às brilhantes conclusões de nosso rigoroso investigador, diz ele: "O PCdoB, por exemplo, abandonou muitas das idéias presentes no documento Guerra Popular: caminho da luta armada no Brasil". Descaradamente se refere assim a este documento que foi atirado ao lixo e sequer faz parte em seu sitio Vermelho como documentos da história do PCdoB. Mas seguindo, "…rompendo com os modelos rígidos de revolução. A partir de então indicaria a necessidade da combinação dialética entre múltiplas formas de luta (pacíficas e não-pacíficas), que poderia se dar em diferentes cenários (campo e cidade) dependendo das correlações de forças existentes e das experiências acumuladas pelo povo brasileiro." Eis aqui a síntese, ou melhor qualificando, o supra-sumo do b a bá do oportunismo encontrado nos manuais dos mais calejados revisionistas e nas melhores casas do ramo.
Por fim, Buonicore dá sua tirada final: "A revolução, como diria Mariátegui, não seria ‘decalque nem cópia e sim criação heróica das massas" Pois é, a tergiversação e a manipulação, também têm que partir da realidade. De fato a história tem comprovado essa assertiva de Mariátegui, pior para vocês, senhores! Inclusive ele tem razão também quando afirma que "A heresia é imprescindível para comprovar a saúde do dogma". Chegará o dia em que também em nosso país a criação heróica das massas levará a bandeira da Guerra Popular levantada tão heroicamente pelos guerrilheiros do Araguaia até a vitória total para uma nova alvorada e um Novo Brasil.