Argentina e Brasil diante do FMI

Argentina e Brasil diante do FMI

O Brasil e a Argentina têm muito e comum. São os mais industrializados da América do Sul, a Argentina tinha a primeira posição até os anos 60, assumida então pelo Brasil. Qualitativamente, ambos superam o México, embora este tenha hoje produção industrial maior que o da Argentina.

O Brasil e a Argentina são campeões mundiais de recursos naturais e ainda têm excelentes recursos humanos, apesar da deterioração do ensino, da devastação econômica e da evasão de cérebros, nos últimos 40 anos. Podiam ter PIBs 30 a 50 vezes maiores que os atuais, não fossem suas economias manietadas pela predominância do capital estrangeiro.

Ambos sofrem descaracterização cultural e importação de ideologias moldadas segundo o interesse dos beneficiários da exploração colonial. As empresas transnacionais e os bancos controlados, em geral do exterior, constituem a classe dominante. A camada dirigente local não passa dessa classe. Essa situação faz com que, nos dois países, algo como 25% do PIB sejam transferidos para o exterior, em vez de ser utilizados em investimentos conducentes ao desenvolvimento. O empobrecimento crescente serve como alavanca para a manipulação das eleições e para o controle sobre os quadros políticos pelo poder econômico concentrado.

Os "dirigentes"brasileiros dos últimos 40 anos têm sido invariavelmente passivos no trato da dívida externa. Limitam-se a aceitar as regras determinadas pelo sistema financeiro internacional, representado pelo Fundo Monetário Internacional (FMI). Nunca fizeram moratórias políticas. Só deixam de servir à dívida quando carecem totalmente de divisas e de crédito. Depois, submetem-se a taxas, comissões e condições políticas draconianas, nas reestruturações da dívida. Assim foi com Figueiredo, na crise da dívida externa, de 1980 a 1983, e com Sarney na de 1987-89. Os presidentes, de 1990 ao presente, com ainda maior subserviência, fizeram aumentar a vulnerabilidade da economia. FC II presidiu, em 1998/1999, a uma das mais graves da longa série das crises da dívida externa. É questão de tempo o surgimento de mais uma.

Na Argentina o padrão não foi diferente, mas houve exceções, como em 1982/83, quando Sourouille, ministro da Economia, se esforçou por encetar uma renegociação que preservasse a dignidade do país. Depois de ter tentado, sem êxito, a união dos três grandes "devedores", o ministro foi desestabilizado por pressões externas e descartado pelo presidente Alfonsín. Faltou para a união a cooperação de mexicanos e brasileiros, como Delfim N., fiéis à regra suprema: não desagradar o sistema financeiro mundial.


Os "dirigentes" brasileiros dos últimos 40 anos têm sido
invariavelmente passivos no trato da dívida externa


Sob o presidente Kirchner, a Argentina abandona, esperemos que de forma duradoura, o desastroso servilismo de Menem, Cavallo e outros, o qual fez com que a produção caísse mais de 40% em relação aos anos 80, e o número de pobres aumentasse de 15% para 50%. Kirchner parece consciente da amarga experiência, que, antes dele, levou à moratória, pela total impossibilidade de fazer face à dívida, irresponsavelmente inflada, em função das políticas governadas pelos ditames dos "credores".

O presidente argentino declarou que não lançaria mão das reservas para saldar débito vencido junto ao FMI, que, em consequência, se apressou em fechar acordo, pelo qual esse débito é refinanciado. Ademais, a Argentina não se submeteu às condições intervencionistas na política econômica que o Fundo impõe ao Brasil diante da complacência bovina ou ovina dos que se intitulam autoridades no país.

Quanto à dívida externa privada, propôs reestruturá-la, assumindo 25% de seu valor nominal, eliminados os juros vencidos entre dezembro de 2001 e a data do acordo de reestruturação. Ao contrário do que propalam a mídia e as agências internacionais de notícias, a oferta argentina nada tem de escandalosa. É normal a desvalorização de títulos que deixam de ser servidos ou resgatados por impossibilidade do devedor. Esses títulos são negociados nos mercados secundários com descontos crescentes, à medida que se prolonga a moratória, voluntária ou não.


As empresas transnacionais e os bancos, em geral,
controlados do exterior, constituem a classe dominante


Por obra de Getúlio Vargas, um presidente que queria e sabia cuidar dos interesses nacionais, a dívida externa do Brasil foi reduzida a zero em 1943, liquidando-se, no mercado secundário de Nova York, os títulos originários das emissões anteriores aos anos 30, durante os quais minguou o crédito internacional. No início desses anos, 2/3 das receitas de exportação do Brasil desapareceram, em função da queda da demanda pelos produtos nacionais e da manipulação do mercado pelos importadores. Não havia como continuar servindo regularmente a dívida. Com a Segunda Guerra Mundial, as exportações brasileiras voltaram a crescer, e o presidente utilizou saldos acumulados para liquidar os títulos da dívida externa com grande desconto.

Gente cuja visão prospectiva não ultrapassa o próprio nariz, e faz questão de ignorar a História, rejeita de antemão qualquer lição de uma época em que o Brasil avançava para a real independência. De resto, participam, como seus antecessores dos oito anos precedentes, do projeto de destruição da Era Vargas. Entretanto, a nova atitude da Argentina para com o FMI é notícia de agora. Daí o silêncio perplexo das autoridades brasileiras. Estas, porém, têm de se explicar mais cedo ou mais tarde: por que prosseguem reprimindo a produção e aumentando o desemprego, mesmo havendo abundância de recursos? Por que cumprem as ordens do FMI de manter os recursos sem utilização e de os remeter ao exterior, em vez de usá-los para as candentes necessidades do povo? Por quê continuam dando ganhos pletóricos aos concentradores, inclusive facilitando a fuga de capitais?


*Adriano Benayon, Doutor em Economia pela Universidade de Hamburgo, Alemanha. Autor de "Globalização versus Desenvolvimento" [email protected].
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