A tônica imperante na maioria dos espaços convencionais de cinema e teatro são idênticas às da TV, sob a marcante imposição dos valores do imperialismo. Desfilam na produção midiática a apologia da degradação, inclusive familiar, a luxúria, abominação pelo próximo, ética sem honra, violência gratuita, a criminalidade como maior problema, a propaganda do uso das drogas (ditas lícitas e ilícitas), etc. Levam platéias aos prantos ou a risos estridentes, sem contudo esclarecer as causas dos sofrimentos vividos pela maioria da população, sofrimentos expressos como se pudessem somente ser resolvidos a nível pessoal, na base do cada um por si e o resto que se dane. Nos enredos, nada tem origem nas relações sociais de trabalho, como se tudo caísse do céu e todos vivessem de brisa.
A maior parte dos repertórios trata de individualismo, erotismo banal, paixões de burgueses e pequeno-burgueses bem sucedidos, alienação da mediocridade Big Brother Global, de um realismo de buraco de fechadura, sem presença de conflitos sociais que envolvem os oprimidos e explorados contra a opressão e a exploração.
Essa mentalidade colonizada chega a ponto de montar peças no espaço do Teatro Arena, em Copacabana, fazendo a apologia do USA, um lamentável desrespeito aos precursores do Teatro Popular, onde operários, camponeses — os oprimidos das mais diversas classes e setores sociais —, não só passaram a fazer parte da dramaturgia nacional, como também se formaram e ainda atuam como atores sociais integrados na luta pela construção e criação das bases reais da cultura nacional, popuar e democrática — efetivamente de massas.
Atores profissionais também são explorados, queiram eles ou não – exceto quando empresários — e, em nenhum momento, exercem strictu senso, a profissão. Como profissionais e explorados, de nada vale ficar olhando sua imagem no espelho e protestando contra a condição de mercadoria a que estão submetidos.
Não temos apenas a obrigação de trabalhar para sobreviver, mas exatamente a de trabalhar exigindo melhores salários, condições dignas de vida, de trabalho, garantias trabalhistas, etc. Se um homem é comerciante, deve trabalhar para ganhar dinheiro. Se for um profissional, deve trabalhar e exigir um justo pagamento pelo seu trabalho para seguir produzindo coisas úteis. Assinar um excelente contrato com uma rede de televisão é uma forma de sobrevivência, mas, uma vez satisfeita essa "sobrevivência", deixar de realizar coisas úteis, direta ou indiretamente, com o pretexto de não poder se "queimar", significa assumir uma posição conformista, de renúncia, de rendição — como artista e ser social.
O que mais inspira temor aos alienados, aqueles que se consideram talentos especiais acima das classes sociais, é perder status e deixar de figurar na tal "mídia"; é perder a possibilidade de tornar-se um "ronaldinho" ou "zagalo" no mercado artístico, de não participar dos concursos luxuosos e decadentes à maneira das fantasias hollywoodianas.
Nem tudo que reluz é ouro, daí nossa homenagem a José Lewgoy, um ator que se lixava para essas papagaiadas, mas que projetou as artes cênicas no Brasil e no exterior, sem jamais perder a dignidade no exercício de sua função profissional.
Por acaso, alguma vez, foi rotulado de esquerda? Não, e isso é o que menos importa. Ele foi muito mais útil à arte e ao seu povo do que centenas de "progressistas" do modismo. Apesar da crítica de uma pseudointelectualidade, metida a refinada, todos sabem a importância dos filmes da Atlântida para a projeção do cinema nacional —escola que veio do circo, do rádio-teatro, onde brilharam principalmente Oscarito, Grande Otelo e José Lewgoy, grandes artistas de nosso povo.
Embora Lewgoy tivesse formação superior em interpretação teatral, em Yale— fato raríssimo na época já seria ter curso superior em teatro —, além de ter concluído o curso em Ciências Políticas e Econômicas, ele dedicou inteiramente sua vida, desde a década de 40, ao cinema nacional. Passou pela linha de produção da Atlântida, pelo Cinema Novo, pelas produções da Embrafilme, por novelas e minisséries da Globo, pelo cinema europeu, retomando o cinema nacional na linguagem de nossos dias.
Sua elegância na interpretação, aliada à versatilidade comprovada pelos vários papéis que desempenhou, é uma atitude rara no grande contingente de atores de todas as épocas. Além de possuir uma cultura geral invejável, era intenso na sua simplicidade expressiva. Tudo isso, sem quaisquer exageros, apelações, tiques de estrela e "cacos" dos bobos — os que se consideram originais, mas destituídos da cultura profunda e da pesquisa sistemática que caracteriza os grandes atores.
Lewgoy não era simplesmente um virtuose na arte de representar, mas um grande conhecedor dos costumes, da psicologia e do modo de vida do homem brasileiro, independente de sua origem social. Admirador do cinema, conhecia como ninguém do mais hermético ao mais popular cinema de todas as épocas, no Brasil, Itália, França, Alemanha, USA, etc., estudando e encenando nesses respectivos países.
Impossível falar de cinema nacional, de TV e vídeo, menosprezando e subestimando o talento de José Lewgoy. As críticas, levianas e superficiais, noticiando o seu falecimento, na linguagem "imparcial" das retaliações pessoais, estigmatizando-o como rabugento (para os "críticos", uma grande personalidade da arte deve ser temperamental, genioso, pedante), necessariamente se esquecem de mencionar suas virtudes pessoais, suas qualidades técnico-profissionais, que são exemplares para quem queira exercer a profissão de ator com integridade, dignidade e profundidade — raras nos tempos atuais.
O melhor da produção cinematográfica brasileira, apesar de toda precariedade de recursos e dos embargos internacionais que contra ele são levados a cabo em nosso próprio país, é muito mais profunda e enraizada na memória popular. Mais do que pensa ou pode alcançar a imaginação colonizada de certos críticos de arte e sua estética consumista made in USA.