Arte e militância: Rodolfo Walsh, A Palavra Definitiva

Rodolfo Walsh foi militante revolucionário e intelectual ligado à luta das massas

Arte e militância: Rodolfo Walsh, A Palavra Definitiva

No momento em que o obscurantismo ressurge com toda força em nosso cotidiano e a perseguição indiscriminada a todo pensamento democrático ganha o verniz da legalidade na semicolônia onde canta o sabiá, nada melhor do que conhecer um pouco mais sobre a vida, a militância e a obra de um dos mais importantes escritores latino-americanos de todos os tempos: Rodolfo Walsh.  

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Rodolfo Walsh foi militante revolucionário e intelectual ligado à luta das massas
Rodolfo Walsh foi militante revolucionário e intelectual ligado à luta das massas

Escrito pelo filósofo, escritor e cineasta André Queiroz, o livro Rodolfo Walsh, A Palavra Definitiva, escrita e militância, narra a trajetória do autor de Operação Massacre, Quem matou Rosendo? – primeiros esboços de um estilo narrativo que ficaria conhecido como novo jornalismo ou jornalismo literário – Essa Mulher, Dez contos policiais argentinos, mostra sua militância contra o fascismo e todas as formas de terrorismo de Estado.

Ao invés da linearidade das biografias tradicionais, André Queiroz se utiliza de diversas assertivas para analisar os aspectos políticos e socioeconômicos do tempo histórico em que Rodolfo Walsh viveu, e sem o qual seria impossível compreender o seu trabalho intelectual e dimensão política. O recorte começa no início dos anos 50, período em que Walsh vai naturalmente afastando-se do ideário literário pequeno burguês dos seus contemporâneos para transformar-se no escritor orgânico revolucionário e militante das décadas seguintes. A extensa pesquisa feita por André Queiroz será fundamental para a reflexão que ele fará sobre os cenários das lutas ocorridas na Argentina no início da década de cinquenta até o golpe de estado de 1976.

É o período em que a América Latina entrará no tabuleiro da “Guerra Fria”, principalmente após a Revolução Cubana e o seu alinhamento com o social-imperialismo da URSS. Com o aumento das tensões entre as duas superpotências, o imperialismo ianque apresentará uma nova versão da sua inesgotável selvageria, patrocinando todo regime genocida capaz de implantar políticas econômicas que subjugassem as economias locais e espoliassem suas riquezas em nome da luta anticomunista. Essa cartilha foi utilizada em praticamente todos os países da região, e o seu êxito se deve basicamente à subserviência das classes dominantes locais, associadas ao monopólio da imprensa e a Igreja, resultando nos sanguinários regimes militares fascistas do período.

A Prensa Latina e os Montoneros

É notório que nenhum velho Estado semicolonial e semifeudal sustenta-se sem o apoio do monopólio da imprensa, por meio de uma narrativa que desmoralize todo projeto de emancipação popular. Para se contrapor a essa narrativa foi criada em 1959, em Cuba, a “Prensa Latina”, uma das principais experiências do jornalismo militante na região. Com escritórios de correspondência em 26 países da América Latina, e em cidades como Washington, Nova Iorque, Londres, Paris, Genebra e Praga, o número de despachos diários da Prensa Latina chegou a equivaler ao das agências estadunidenses. A diferença era a qualidade das reportagens, cujas investigações minuciosas, calcadas na materialidade dos fatos, se diferenciavam daqueles produzidos pelas grandes agências que, nas palavras de Walsh, não iam além dos despachos ministeriais e do lobby hoteleiro.

Devido a sua experiência investigativa na produção dos livros Operación Massacre e Caso Satanowsky, Rodolfo Walsh acabou assumindo o cargo de coordenador do Departamento de Serviços Especiais da Prensa Latina, responsável pela elaboração de análises sobre os problemas políticos e culturais do continente. Da experiência na Prensa Latina ele sairá com a certeza de que o seu papel no processo revolucionário teria que ir além da posição de escritor ou jornalista, e isso será fundamental para entendermos a sua entrada na organização Montoneros, organização revolucionária defensora da luta armada.

‘Carta abierta de un escritor a la junta militar’

A Guerra Fria e a luta antirrevisionista levada a cabo principalmente pelos comunistas chineses e a luta anticolonial na década de 1960 foram responsáveis por novo impulso de movimentos e partidos revolucionários e comunistas no mundo, e na Argentina não foi diferente. As forças armadas argentinas passaram a reprimir violentamente os partidos políticos, os sindicatos, as organizações da esquerda e alguns setores da imprensa, o que levou parte desses atores a procurar novas formas de resistência. Recrutado por sua filha, Vicky Walsh, que já militava na organização Montoneros, Rodolfo transformou-se num dos principais agentes da inteligência do grupo. Mesmo antes do golpe militar de 1976, a repressão já estava acentuada e a famigerada Aliança Anti-Comunista Argentina (Triple A) seria responsável pela morte de vários militantes da oposição, o que acabou levando os Montoneros para clandestinidade. E claro, com a conivente omissão do velho Perón, que retornara do seu exílio na Espanha para ser eleito presidente em 1973.

Em um curto espaço de tempo Rodolfo Walsh vê diversos companheiros tombarem, entre eles seu grande amigo, o poeta Paco Urondo, e sua filha Vicky. Para Walsh, aquele extermínio em massa cometido pela junta militar não era apenas fruto da demência corporativa.  Aquelas ações tinham o propósito de eliminar qualquer tipo de resistência ao projeto de subjugar a economia nacional, e contava com a participação dos setores mais reacionários da sociedade. Na Carta abierta de un escritor a la junta militar, que Rodolfo Walsh envia a todos os órgãos de imprensa um dia antes do seu assassinato, ele mantém o tom acusatório sobre as atrocidades cometidas pelo regime. Ao assinar e colocar o seu código de identificação, algo como o CPF no Brasil, no final da carta, Walsh reafirma o seu compromisso revolucionário.

O verdadeiro cemitério é a memória

Em toda sua carreira, seja como jornalista, escritor, dramaturgo e militante político, Rodolfo Walsh mostrou ser homem do seu tempo, que não fugiu das lutas quando elas se apresentaram, e muito menos se acovardou como alguns de seus pares, como Jorge Luis Borges e Ernesto Sábato, que não apenas avalizaram como compactuaram com a sanguinária e criminosa ditadura que se instalou na Argentina entre 1976 a 1983. Por isso, a leitura de Rodolfo Walsh, a palavra definitiva, escritura e militância é fundamental para compreendermos não apenas a vida e a obra desse importante personagem da cultura latino-americana, como também as causas do histórico processo de repressão em nosso continente, e suas ações na contemporaneidade.

Ao longo das últimas duas décadas, o jornal A Nova Democracia tem se sustentado nos leitores operários, camponeses, estudantes e na intelectualidade progressista. Assim tem mantido inalterada sua linha editorial radicalmente antagônica à imprensa reacionária e vendida aos interesses das classes dominantes e do imperialismo.
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