As fronteiras marítimas e a guerra que se esboça

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As fronteiras marítimas e a guerra que se esboça

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No dia 13 de maio deste ano terminou o prazo para que os países signatários da Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar (Convemar) apresentassem reivindicações para a expansão das suas atuais fronteiras marítimas. A convenção, ratificada em 1982 na cidade de Montego Bay, na Jamaica, definiu o limite de 200 milhas náuticas (370 km) para as águas territoriais dos países costeiros, mas abriu a possibilidade para quem assinou o texto até o dia 13 de maio de 1999 de que, nos dez anos subsequentes, estes países protocolassem junto à ONU pedidos de alargamento de suas jurisdições oceânicas para até 350 milhas náuticas das respectivas costas, desde que a soberania naval reclamada por cada um não se estendesse para além de 100 milhas náuticas contadas a partir de onde o mar alcança 2,5 quilômetros de profundidade.

A Convemar foi celebrada ainda nos anos da Guerra Fria, em um momento no qual as fronteiras da exploração mineral e energética se alargavam para águas cada vez mais profundas, e no exato instante em que a biotecnologia moderna, da qual a biologia marinha é fonte inesgotável, ganhava força tanto enquanto campo científico quanto como front comercial, apresentando-se na pele da biotecnologia industrial farmacêutica.

Ao invés de servir como uma garantia para o exercício das soberanias nacionais, protegendo o direito dos povos de trabalhar a natureza de sua terra – ou do seu mar – de acordo com os interesses da coletividade, na verdade a famigerada convenção vem funcionando como mais um instrumento de que os monopólios transnacionais e os vende-pátrias mundo afora dispõem para celebrar um sem número de acordos com o selo inconfundível do entreguismo, ainda que firmados em nome da ciência e do desenvolvimento nacional, o qual as elites oportunistas locais irmanadas com o poder econômico internacional insistem em condicionar ao chamado "investimento estrangeiro". Por outro lado, nomeadamente o militar, a Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar apenas simula assegurar aos países signatários o controle estratégico dos mares territoriais demarcados. Isso em razão de dois motivos.

Direito de passagem, algo nada inocente

Em primeiro lugar, o tratado veda hipocritamente a presença de navios de guerra estrangeiros nestes mares, mas garante às embarcações civis e militares de outros países o "direito de passagem inocente", que, segundo a letra do Direito Internacional (o direito do imperialismo), deve ser assegurado desde que as embarcações alegadamente "de passagem" não violem as leis do Estado costeiro nem constituam ameaça à sua segurança. Na prática, isto não impede o livre vaivém de destróieres, cruzadores e submarinos de bandeiras imperialistas que em geral ficam estacionados em águas internacionais, prontos para o bote, principalmente nos mares do sul, onde a história mostra que os poderosos do norte são useiros e vezeiros da diplomacia do canhão.

Em segundo lugar, o tratado foi assinado por 156 países e pela União Européia, mas o USA não quis entrar na concertação, em parte por considerar, do alto da soberba imperialista, que não existem mares onde suas frotas espalhadas pelos cinco oceanos não possam navegar, em parte por não admitir navio de guerra algum zanzando em seu próprio litoral, e em parte porque o ex-chefe imperialista Ronald Reagan atendeu aos pedidos das companhias ianques de mineração e energia, que naquele momento teriam seus interesses contrariados por algumas disposições da convenção. Considerando que nem mesmo o "direito de passagem inocente" seria o bastante para garantir o exercício marítimo da doutrina Monroe, os ianques não assinaram a Convemar, e assim não estão obrigados a cumprirem os seus termos, ou os cumprem segundo as conveniências dos seus monopólios, da CIA e do Pentágono.

Em 2004, a ONU remendou as disposições do tratado referente ao leito marinho para atender às objeções do USA e de suas empresas interessadas. Foi então que Bill Clinton, primeiro, e Bush filho, mais tarde, apoiaram a ratificação da convenção por parte de Washington, mas até agora isso não foi sancionado pelo senado ianque, em uma indiferença denunciadora de que a exploração mineral e enérgica nos mares até aqui vem atendendo aos interesses dos monopólios ianques, a despeito e à revelia de tratados quaisquer . Esta situação, entretanto, pode mudar em breve.

Ártico, front da guerra que se avizinha?

O Council on Foreign Relations (Conselho de Relações Exteriores. CFR, na sigla em inglês), um think-tank novaiorquino cuja profilaxia para o colonialismo e para a guerra costuma ecoar entre a elite dirigente do USA, divulgou no último mês de maio um estudo segundo o qual a adesão à Convemar serviria aos "interesses econômicos, ambientais e de segurança nacional dos Estados Unidos". O relatório afirma que se unir à convenção permitirá ao USA estender sua soberania sobre um milhão de quilômetros quadrados de oceano adicionais, bem como sobre os recursos neles existentes. Ele se refere às imensas possibilidades comerciais e militarmente estratégicas da chamada "corrida para o Ártico".

O Ártico, afinal, é o principal alvo das reivindicações para a expansão das fronteiras marítimas apresentadas junto à Comissão para os Limites das Plataformas Continentais da ONU (CLCS, na sigla em inglês). Rússia, Canadá, Noruega e Dinamarca pleiteiam a soberania e os direitos de exploração sobre gigantescas áreas em degelo que supostamente contém bilhões de toneladas de petróleo e gás natural. Assinando o tratado, o USA entraria nesta disputa legal no âmbito da CLCS – que é regida pela Convemar –, uma vez que o Alasca, território comprado do Império Russo em 1867, é banhado pelas águas do oceano Ártico. Mas a tendência é que esta peleja jurídica baseada em estudos científicos tentando provar que o Ártico é extensão das respectivas plataformas continentais se transforme mesmo em mais um front da guerra imperialista que se avizinha.

A Rússia, assim como pretende o USA, quer a posse de mais de um milhão de quilômetros quadrados do oceano Ártico, mas suas chances de sucesso junto à Convemar são mínimas. Por isso, em sua "Estratégia de Segurança Nacional", documento divulgado em maio e que define os rumos do imperialismo russo até 2020, Moscou apontou o Círculo Ártico como uma nova área de potencial conflito. No lado ianque, a Global Business Network (GBN), empresa líder de mercado na área de consultoria estratégica e cenários futuros ("para ajudar empresas a se adaptarem e crescerem em um mundo incerto"), prevê já para os próximos anos um Ártico ocupado por soldados canadenses denominados "ice rangers", fragatas russas cortando caminho entre o gelo e o USA construindo uma gigantesca base naval na Baía de Prudhoe, no Alasca. Com sinceridade de quem vende projeções fiáveis à nata empresarial ianque, a GBN acrescenta que Washington chamará a nova base de "cabeça de ponte da guerra contra o terror".

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