Idealizada em 1975 pelo mestre Ariano Suassuna e regida por um dos mais respeitados compositores e arranjadores nordestinos, maestro Ademir Araújo, o Formiga, a Orquestra Popular do Recife toca frevo, coco, maracatu, baião, ciranda, caboclinho, reisado, e tudo mais que faz parte da música presente nos festejos populares.
Apresentando Luís Gonzaga, Jackson do Pandeiro e muitos outros, com arranjos riquíssimos, afinação e alegria que contagia até quem nada entende de música, Formiga luta pela valorização do artista brasileiro, em especial, o nordestino.
— O professor Ariano queria colocar as orquestras em atividade, já que só tinham vida na época do carnaval. Passado esse período ficavam paradas, porque desde o advento da televisão, quando sacrificaram o Brasil inteiro a um formato de programações enlatadas, sem programações ao vivo, que as orquestras perderam espaços. Então peguei o projeto para conformar essa trincheira em Pernambuco — explica Formiga, que está à frente da orquestra desde 1977.
— Procuramos seguir a linha de uma música o mais nordestina possível, mas acreditamos que todo formato de música brasileira tem identidade, e por isso não desprezamos nenhum outro gênero, inclusive tenho um bom relacionamento com maestros de outras partes do país, que falam a linguagem da música do povo. Somente não aceitamos as ditas brasileiras, porém com uma metodologia do formato americano, que chamo de 'alienígenas' — acrescenta.
— No ano passado, tivemos a oportunidade de participar de uma mostra de música em São Paulo, tocando somente Luís Gonzaga. Agora estou arrumando uma série de apresentações ao ar livre, sem ajuda do poder público, até porque é uma ideia nossa, e eles iriam querer do jeito deles — continua.
Formiga procura datas que correspondam a aniversários de compositores importantes para realizar pesquisas e apresentações baseado em seus repertórios.
— Este ano é o centenário de Manezinho Araújo, um grande cantor e compositor pernambucano, e pretendemos fazer um trabalho baseado em sua obra. Mas infelizmente muitos brasileiros não conhecem figuras importantes, como Ernesto Nazareth, Villa-Lobos, Pixinguinha e Guerra Peixe — constata.
— Moacir Santos, um dos maiores maestros brasileiros, saiu de uma cidade do sertão de Serra Talhada e foi para o USA tentar a vida. Lá teve sua música valorizada e tornou-se professor catedrático de composição. É a pedra bruta transformada em diamante, mas parece que por aqui não se enxerga essa pedra, e ainda adotam formatos de fora nas nossas universidades — acrescenta.
Homem lutador, Formiga não se conforma que na grade curricular de uma escola de música não tenha uma cadeira de música popular.
— Não posso aceitar que não considerem o frevo, o maracatu e outros, como música séria. Minha sintonia com o professor Ariano é exatamente pelo fato dele, apesar de ser uma pessoa ligada à universidade, acreditar que música é música, sem essa divisão preconceituosa de erudito e popular. Até porque se pegarmos uma sinfonia de Mozart, por exemplo, e colocarmos um ritmo de baião, torna-se popular — fala.
— A música brasileira é a melhor música mundial, e não sou só eu que penso assim. O maestro Júlio Medalha, por exemplo, chegou a dizer em um artigo que a pernambucana é superior à europeia. Se fosse um pernambucano que falasse isso poderiam dizer que era bairrismo, mas ele é um grande mestre paulistano. Então solicito a todos os músicos que ingressam na orquestra que tenham uma vivência na música popular — continua.
Resistindo com música
A Orquestra Popular do Recife conta em média com dezessete músicos.
— Temos trompetes, trombones, percussão, baixo, tuba, que é um instrumento representativo do frevo e que com uma penetração maior na música instrumental por fortificar a massa sonora dos metais, e algumas vezes clarinete e acordeon. E ficamos felizes quando notamos que a partir do nosso trabalho tem surgido diversas outras orquestras — afirma Formiga.
E já conseguimos gravar dois discos até agora, sendo o segundo só com frevo de rua, feito através de uma pesquisa minha, de anos. Na verdade comecei o meu aprendizado de frevo tocando nas agremiações carnavalescas de rua. Isso praticamente não tem mais hoje, porque o carnaval é mais aquela coisa de palco. Isto é algo discutível, porque o palco, neste caso, afasta o povo e o carnaval, é uma festa popular, de 'pé no chão' — repara.
Formiga também está a frente de outros trabalhos como a Associação de Bandas e o projeto 'música nas escolas'.
— Uma cidade sem banda é uma cidade morta. Além disso, é a maior escola de aprendizado de música instrumental, e tem a possibilidade de participar da realidade cultural da cidade. Infelizmente o modismo também chegou no interior, tanto que as vezes uma prefeitura prefere contratar um trio elétrico para um festejo. Contudo temos a alegria de ter em nosso estado cerca de vinte bandas centenárias e quatro sesquicentenária (150 anos) , quer dizer, uma trincheira — conta com alegria.
— O 'música na escola' é outro projeto de resistência, com uma importância muito grande para a formação e fortalecimento do cidadão. O trabalho é selecionar alunos entre 7 e 20 anos de idade, de colégios da rede municipal de ensino, para a aprendizagem e aperfeiçoamento de instrumentos — diz.
— Na minha época de criança existiam as escolas industriais, onde entrávamos as 7h e saíamos as 17h, sendo que quem estudava música só saía mesmo as 22h. Inclusive foi lá que ganhei meu apelido. Sempre fui bem magro e irrequieto, então certo dia um menino falou: 'esse cara parece uma formiga' (risos), e desde então pegou — finaliza o maestro, que é membro fundador da Academia de Música de Pernambuco.