O auditório do Sindijustiça, no centro do Rio de Janeiro, foi palco no último 23 de janeiro, de um ato público, convocado pelo Centro Brasileiro de Solidariedade aos Povos, contra a criminalização da pobreza e das lutas populares. Várias entidades e movimentos democráticos que, assim como o Cebraspo, lutam aguerridamente pelo direito do povo lutar pelos seus direitos, deram sua contribuição .
Alípio de Freitas, um dos fundadores das Ligas Camponesas, prestou emocionante depoimento
Dentre os movimentos e organizações presentes estavam a IAPL (Associação Internacional de Advogados do Povo), o IDDH (Instituto de Defesa dos Direitos Humanos), o ICC (Instituto Carioca de Criminologia), a Rede de Comunidades e Movimentos Contra a Violência, a Liga Operária, a Liga dos Camponeses Pobres, o Núcleo de Advogados do Povo, o Movimento Feminino Popular, o Movimento Estudantil Popular Revolucionário, a Associação Nacional de Anistiados Políticos Aposentados e Pensionistas. Além dessas organizações, participaram estudantes, trabalhadores e vários outros setores democráticos como lideranças populares do como Morro do Estado (Niterói), Chapéu Mangueira e Cantagalo (Copacabana) também estiveram presentes para dar seus depoimentos e manifestar sua indignação frente ao crescente processo de criminalização e extermínio da pobreza, característico deste apodrecido Estado brasileiro.
À frente, dois velhos combatentes que lutaram contra o gerenciamento militar, enfrentando torturas, prisões e outras agressões, mas que, até os dias hoje, mantém-se firmes na luta.
— Antes de tudo, eu gostaria de prestar uma homenagem aos companheiros que tombaram durante a ditadura, construindo a guerrilha do Araguaia e a guerrilha urbana, da qual eu participei. Foram tantas pessoas extraordinárias que foram mortas. Mas o que mais me decepciona são alguns dos sobreviventes que, vergonhosamente, capitularam e, hoje, estão comandando o Estado e atacando o povo. — disse o ex-militante da VAR-Palmares Hélio Silva, que abriu o ato, exigindo punição para os torturadores e demais criminosos que atacaram cruelmente a organização do povo durante o regime militar-fascista.
Enquanto falava, Hélio era observado de perto por José Maria de Oliveira, outro incansável combatente comunista que lutou com armas, unhas e dentes contra a exploração do homem pelo homem desde o regime fascista de Vargas. Hoje, com 84 anos, mantém inalterados os seus princípios revolucionários.
— É um imperativo da minha consciência que eu não me cale frente as covardias dos oficiais das forças armadas brasileiras que tive que presenciar nas prisões e nas câmaras de torturas pelas quais passei. Ninguém que não esteve preso na época é capaz de saber até que ponto vai crueldade do ser humano. Oficiais do exército chegavam ao ponto de dar gargalhadas histéricas durante a tortura. Eles tinham prazer em nos torturar. Não consigo compreender como essas criaturas conseguiam olhar nos olhos dos seus filhos — denunciou José Maria.
Após os emocionantes depoimentos desses dois quadros da velha guarda revolucionária de nosso país, Rafael Borges, representante do ICC — Instituto Carioca de Criminologia — apresentou estatísticas contundentes sobre a violência policial no Rio que desmascaram os gerenciamentos assassinos de Cabral e Luiz Inácio e mostram a escalada fascista empreendida pelo velho Estado.
Gerson Lima, dirigente da Liga Operária condenou o saque promovido pelo imperialismo no país e as torturas e assassinatos cometidos pelos gerenciamentos de turno a seu serviço.
O Ato contou com a participação de várias entidades democráticas
Maurício Campos, da Rede de Comunidades e Movimentos Contra a Violência ressaltou a importância do estreitamento dos elos entre as organizações de luta em defesa dos direitos do povo.
— Hoje, o termo ‘criminalização da pobreza’ soa fraco diante do quadro de repressão e matança diária de pobres. O que vemos são índices de guerras de extermínio. O Estado promove uma guerra preventiva contra o povo pobre, com o intuito de anular as possibilidades de organização e rebelião populares. — afirmou.
A moradora do morro do Cantagalo, Deize Silva de Carvalho, em sua fala lembrou seu filho Andreu Luís da Silva Carvalho, torturado até a morte por seis agentes do Degase (Departamento Geral de Ações Sócio-educativas), no interior do CTR — Centro de Triagem.
— Após a morte dele, eu fui chamada ao gabinete da Benedita para uma audiência, onde quiseram calar minha boca oferecendo emprego para a minha filha. Um absurdo. Mas eu não vou desistir de lutar. Eu disse pra Benedita avisar o Sérgio Cabral que o meu maior medo já passou, que era perder meu filho, agora eu não tenho mais medo de nada. O promotor do caso da morte do meu filho disse que os 11 depoimentos de jovens relatando sua tortura e morte não valiam nada diante do que disseram os agentes que assassinaram o Andreu, que a palavra de um menor infrator não tinha valor. Que justiça é essa? — pergunta a incansável lutadora.
O cartunista Carlos Latuff, autor de importantes denúncias através de seus desenhos — também deu seu depoimento, relatando as perseguições que já sofreu por conta de sua arte e sua memória dos companheiros mortos pelo latifúndio.
— Eu estive com o Sabiá [Élcio Machado, dirigente da LCP de Rondônia] , conversei com ele e, dois meses depois, vejo o companheiro morto, com vários sinais de tortura. O caso só ganhou visibilidade depois que divulgamos o desenho que fiz, mostrando dois corpos estirados no chão, algemados. O Estado ficou muito incomodado com o desenho e a imprensa de Rondônia omitiu o fato e só se pronunciou após a divulgação do desenho, mesmo assim, somente para atacá-lo — disse Latuff, seguido pela fala de Rosa Souza, do Movimento Feminino Popular, que em sua fala denunciou a criminalização do aborto.
— Centenas de mulheres estão sendo processadas no Mato Grosso do Sul por cometerem o ‘crime’ de exercerem o direito sobre seu próprio corpo. Milhares de filhas do povo morrem em decorrência de abortos realizados em salas clandestinas, sob as piores condições de higiene, enquanto as mulheres burguesas realizam o aborto em clínicas particulares — ressaltou.
Em seu depoimento, o vice-presidente da Associação Internacional dos Advogados do Povo, Júlio Moreira, exigiu a interdição do presídio Urso Branco — visitado pela missão da IAPL em dezembro de 2008 — e também lembrou os camponeses mortos pelo latifúndio em Rondônia no mês de dezembro.
— Um dos camponeses executados em dezembro, o Gilson Gonçalves, durante a visita da IAPL à Rondônia em 2008, fez denúncias graves contra o latifundiário Dílson Cadalto. Mas morreu lutando pela verdadeira justiça, a justiça para o povo. Isso tudo acontece porque essas leis não servem ao povo. Não vão haver mudanças sociais por intermédio das leis burguesas — afirmou o advogado do povo.
Daniel Bezerra, do IDDH — Instituto de Defesa dos Direitos Humanos — disse que não existe guerra no Rio, e sim extermínio e que suas motivações são as mesmas dos ataques aos camponeses no norte do país.
Em seguida, o advogado do povo Felipe Nicolau defendeu a necessidade de uma organização de advogados para apoiar a luta do povo pobre.
Hélio Silva, sentado, ex-militante da VAR-Palmares, dá início ao Ato
— Temos defendido a causa do povo no campo e na cidade, mas principalmente o movimento camponês combativo, que é atacado pelo latifúndio, em especial na região Amazônica — pontua.
Nilo Hallak, membro da Comissão Nacional da Liga dos Camponeses Pobres, atacou a política de contra-insurgência deste Estado.
— Essa política de criminalização tem caráter contra insurgente, pretende eliminar os lutadores do povo. Criminalizam para tentar taxar os lutadores do povo de bandidos. Reparem bem que a reação parou de falar em ‘guerrilha’, parou de falar em ‘luta armada’, passou a chamar os companheiros da LCP de bandidos. Ao contrário do que aconteceu no ano passado, fizeram um grande esforço para criminalizar a luta. Foi dito que o latifúndio tem pistoleiro e a Liga também tem pistoleiro, e por isso morre dos 2 lados. Isso é mentira!
Por último, outro velho e valoroso quadro da resistência contra o regime militar, um dos fundadores das Ligas Camponesas ao lado de Francisco Julião, pediu a palavra. Alípio de Freitas, também conhecido como ‘padre’ Alípio, compareceu ao ato atendendo ao convite de seus velhos camaradas de luta e prestou emocionante depoimento.
— É claro que esta situação que aí está se deve a este Estado, que é um Estado burguês, e ainda mais, um Estado burguês-latifundiário. Ninguém criminaliza as associações de industriais. Mas se criminaliza os sindicatos e organizações de trabalhadores. Ninguém criminaliza as associações de latifundiários que perseguem, assassinam e matam os líderes e organizadores dos trabalhadores do campo. Os que esperam que as mudanças venham do Congresso, estão enganados, é uma grande mentira. No Congresso está assentada toda a mentira. Como farão reformas aqueles que estiveram ao lado da ditadura, seus apaniguados, aqueles que concertaram com a ditadura? Eu fiquei felicíssimo porque pensei que por um tempo as Ligas Camponesas tinham acabado. Estou vendo que agora em muitos lugares está surgindo a Liga dos Camponeses Pobres. Essas lutas são hoje mais duras. E o pior de tudo é que não enfrentamos um governo claramente repressor. Eles se dizem progressistas, dizem-se de esquerda, matam como matavam o governo de direita, torturam como torturavam a ditadura, as polícias são as mesmas.
Cebraspo à altura das lutas do povo
O 1º Seminário Nacional de Organização do Cebraspo teve início com um balanço do desenvolvimento da situação política e da sua intervenção. Em seguida foi discutida a organização do Cebraspo em núcleos regionais e um planejamento mínimo para a coordenação desses núcleos em sua atuação nas esferas nacional e internacional.
A plenária inicial debateu o quadro de efervescência do movimento camponês combativo, que sob o cerco inimigo e enfrentando campanhas de difamação, e criminalização, e a ação sanguinária dos bandos de pistoleiros a soldo do latifúndio, avança com a luta tomando a terra, repartindo-a e elevando cada vez mais a bandeira da Revolução Agrária. Debateu, também, a situação dos trabalhadores das cidades, particularmente dos bairros pobres e favelas, com os recentes levantamentos de São Paulo contra as agressões policiais e enchentes, e no Rio de Janeiro, onde os moradores das favelas enfrentam o genocídio cotidiano praticado pelas forças de repressão, a invasão dos morros com as Unidades de Polícia “Pacificadora”, o fascista “Choque de Ordem”, entre outras.
Foi unanime a definição pela necessidade de uma forte campanha pela punição dos torturadores e assassinos do regime militar, assumindo a bandeira de defesa dos combatentes da resistência, a retomada da memória dos que tombaram e a luta dos que permaneceram vivos e sem capitular. Em seu balanço, o Cebraspo avalia este último ponto como uma de suas debilidades, ponto que carece maior atenção e empenho de sua militância, não somente para a denúncia dos crimes do passado cometidos pelo velho Estado, mas também pela tortura e genocídio que ocorre hoje, praticado com o respaldo e cumplicidade do gerenciamento de turno com Luiz Inácio à sua cabeça.
Os principais núcleos de trabalho do Cebraspo, desde o mais antigo e de onde irradiou todo o trabalho, no Rio de Janeiro, passando por Rondônia, Pará, Nordeste (Pernambuco, Alagoas, Rio Grande do Norte, Paraíba e Ceará), São Paulo, e Paraná, além do trabalho de propaganda e solidariedade movido em outras regiões, apresentaram relatórios sobre o trabalho e apontaram as perspectivas para dar um salto em sua organização.
Surge a Associação Brasileira dos Advogados do Povo
Os Advogados do Povo do Brasil, cujo trabalho abnegado junto aos lutadores do povo já foi inúmeras vezes relatado nas páginas de AND como nos casos da libertação do camponês de Rondônia, o Ruço, a libertação do líder camponês de Pernambuco, José Ricardo, as missões de investigação e solidariedade ao movimento camponês entre outras, deram um salto em sua organização. Durante o seminário de organização do Cebraspo, no qual os advogados do povo compartilharam da discussão sobre a situação política e o balanço das lutas, em um dos momentos, eles se reuniram à parte e decidiram pela criação da Associação Brasileira dos Advogados do Povo — ABRAPO que cumprirá o papel de aglutinar aqueles advogados que atuam no campo e na cidade à frente da defesa jurídica dos lutadores do povo.
Fruto do acúmulo do trabalho entre as massas, principalmente junto ao movimento camponês combativo, da luta contra o oportunismo e por seguir cumprindo com as diretrizes da Associação Internacional dos Advogados do Povo — IAPL, organização à qual os Advogados do Povo do Brasil são ligados e têm entre eles o seu vice-presidente, o Dr. Júlio Moreira, foi dado o passo decisivo para a criação da Associação.
Como resultado dos debates, foi redigida e apresentada uma declaração de princípios que norteará a sua organização, que desde já iniciará seus trabalhos assumindo a defesa dos assessores da LCP do Norte de Minas e Sul da Bahia detidos arbitrariamente em Manga em janeiro último (ver nota na página 8).