Bacurau: retrato da resistência anti-imperialista que o Brasil desfraldará

Sucesso de bilheteria, Bacurau já foi assistido por mais de 110 mil pessoas

Bacurau: retrato da resistência anti-imperialista que o Brasil desfraldará

Bacurau, o mais novo bem sucedido filme de Kleber Mendonça Filho e Juliano Dornelles, traz um suspiro de esperança para o povo. Se em 2016 seu longa-metragem Aquarius seria boicotado pelo próprio governo federal brasileiro, em 2019 essa tentativa caiu por terra. Ganhar o prêmio de melhor filme internacional do Festival de Cinema de Cannes, ainda que esse não seja o propósito mais relevante do filme, não é algo que deva-se ignorar. Mas pode explicar, talvez, os rumos que o cinema brasileiro está tomando; e a própria realidade do povo também. 

Divulgação
Sucesso de bilheteria, Bacurau já foi assistido por mais de 110 mil pessoas
Sucesso de bilheteria, Bacurau já foi assistido por mais de 110 mil pessoas

O filme dá um novo tom ao cinema brasileiro e mundial. Não é uma mera cópia de gêneros cinematográficos estrangeiros ou uma mera incorporação “hollywoodiana”. É o oposto. É dispor e utilizar desses elementos para construir uma perspectiva tipicamente brasileira. A utilização de elementos da “cultura pop” americana para a composição do filme, geralmente criticada de forma pretensiosa, não é meramente estética, mas carrega consigo um propósito mais profundo: um propósito criativo e político de mostrar como se faz um filme faroeste de verdade, à moda sertaneja. É preciso olhar mais atentamente para captar as sutilezas do filme.

Bacurau é um pássaro comum do sul do México ao norte da Argentina, e também é o nome fictício dado à cidadezinha real onde se passa o longa, localizada no sertão pernambucano. A seca dessa região é retratada quando, pela falta de acesso à água, o povo de Bacurau se organiza para providenciar a vinda diária de um caminhão-pipa à cidade. A falta de recursos médicos é suprida pela visita da neta de Dona Carmelita, em seu velório. O filme também explicita algumas das contradições profundas presentes no seio do povo do sertão nordestino, como a prostituição e o resgate cangaceiro, frutos da miséria causada pelo passado e presente (semi)colonial. As pessoas sobrevivem como podem.

Não se deixam abater pela precariedade e tampouco se submetem à humilhação promovida pelo prefeito-coronel da cidade durante as eleições: “caridade” com alimentos vencidos e remédios tarja-preta controladores de humor sem prescrição médica. Todo mundo está careca de saber que político só vai ao povo em períodos de farsa eleitoral… E não foi diferente, cansados de tamanha covardia, o boicote ao prefeito foi aderido por todos. É a queda completa do populismo eleitoreiro.

A cidadezinha de Bacurau, de repente, desaparece, literalmente, do mapa. Em seguida, uma série de acontecimentos anormais levam a população ao terror: chacinas, atentados, crianças assassinadas, sinais de telefone e internet bloqueados, avistamentos de OVNIs e visitas de forasteiros. Num primeiro momento, pode parecer um filme de terror trash, ou uma comédia “hollywoodiana” à brasileira. Mas vai além, é a própria realidade brasileira pintada nas telas de cinema. O disco voador é um drone, utilizado para mapear e vigiar a vida cotidiana da população. Não é desproposital que o drone seja em formato de disco voador: os forasteiros que utilizam-no são, na verdade, invasores estrangeiros, principalmente ianques, que pensam o povo mais pobre, sobretudo na América Latina, como ingênuo e facilmente enganável. Claramente, uma metáfora para o imperialismo, que demarca uma posição política. É a visão que os imperialistas estrangeiros têm de nosso povo: um povo controlável pelo terror, pelo misticismo, pela mentira; enquanto eles, os controladores, são os “racionais”, que conhecem a verdade. As chacinas são parte de um jogo sádico promovido por estrangeiros na região. E tudo isso com o aval do prefeito da cidade.

O filme é de causar angústia, uma angústia que sentimos diariamente: ver nosso país controlado pelo imperialismo, ver nosso povo sendo assassinado em uma guerra injusta, ver tamanha desigualdade atolar nosso país numa lama que parece não ter fim. E eis que tudo fica mais claro: o que o filme de forma sutil vai assentando são metáforas que se tornam o real. Há, enfim, o ponto de viragem, que transforma as angústias em esperança. Bacurau não é ficção, nem distopia. Bacurau é o agora sentido na pele do povo.

O ponto central e inovador do filme não são as cenas de violência “tarantinescas” e a estética “hollywoodiana”. O que faz um grupo de estrangeiros, sobretudo ianques, decidir bloquear o sinal de uma cidade e retirá-la do mapa, para fazer acontecer seu safari sádico de caça aos moradores de Bacurau? É esse, na verdade, o ponto central do filme: a dominação político-econômica, a subjugação nacional, é a contradição principal que permeia o nosso mundo hoje: nações oprimidas versus imperialismo.

Bacurau exige de nós olhar mais longe, enfrentar a nossa realidade, e modificá-la ao nosso gosto e tom. Da maneira que preciso for. E deixa claro: no nosso sangue e na nossa história, a violência foi e será o catalisador das mudanças. Foi assim na resistência da Confederação dos Tamoios, na Guerrilha do Quilombo dos Palmares, em Canudos, na Guerrilha do Araguaia, em Bacurau e assim será no futuro.

Mas Bacurau dá um recado: será que os imperialistas se esqueceram de sua condição terminal? Será que não se lembram a que as guerras de rapina levam? Será que se esqueceram das revoltas populares armadas que tomaram de assaltos nações inteiras, atiçadas pela agudização da luta de classes? Será que já se esqueceram do Vietnã, Iraque e, agora, do Afeganistão?

A violência tem dois lados: a sua aplicação injusta, aquela que causa guerras desnecessárias e leva miséria a nações inteiras; e a justa, que coloca de joelho os parasitas, que constrói, que mobiliza, que enfrenta Exércitos inteiros para defender o que há de mais avançado.

Este é o exemplo deixado por Bacurau: quando toda a população se arma para defender sua dignidade, para vingar as mortes dos inocentes, para justiçar os culpados, não há discurso pacifista que se faça escutar. No passado, era recorrente a prática de cortarem as cabeças de nosso povo e as exibirem como troféus, como fizeram com os guerrilheiros do Araguaia, Zumbi dos Palmares, Maria Bonita e Lampião. Não é preciso de mais palavras para entender o ponto de viragem: “Se matarem um daqui, dez de lá vamos matar”, como bem diz uma canção camponesa. As cabeças que rolarão não mais serão as do povo. Não é à toa que, em diversas sessões no país inteiro, puderam se escutar aplausos e gritos como: Yankees go home! e Fora ianques da América Latina.

Esse ponto de viragem, esse suspiro de esperança, longe está de ser o suspiro final de alívio após uma longa batalha. Não. As batalhas são parte de uma guerra que vai perdurar de norte a sul do Brasil; é um presságio. Será o primeiro suspiro de um recém-nascido, com uma história inteira para escrever e uma estrada inteira para caminhar. Esse recém-nascido é o povo brasileiro que se levanta em luta, há mais de 500 anos, por uma verdadeira independência, por sua autodeterminação. A roda da história gira para frente, e tudo que há de velho, há de se transformar.

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