Bairros de Duque de Caxias são devastados por novas enchentes

Bairros de Duque de Caxias são devastados por novas enchentes

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Como divulgamos na última edição de AND, as chuvas da virada do ano somadas ao sadismo dos gerenciamentos de turno, deixaram milhares de casas inundadas e soterradas nos bairros pobres do Rio de Janeiro e de todo o Brasil. Em Duque de Caxias, na Baixada Fluminense, o bairro Pilar foi um dos mais atingidos, tendo sido novamente inundado no meio de janeiro. Como na primeira enchente, a redação de AND esteve por lá para registrar o sofrimento do povo, abandonado pelo Estado e entregue às enfermidades.


No bairro do Pilar, Duque de Caxias, RJ, trabalhadores exigem saneamento

Entrando no bairro Pilar, nas proximidades da Rodovia Washington Luís, rapidamente percebem-se as condições desumanas em que vivem milhares de trabalhadores. O mal cheiro, o lixo e as valas de esgoto a céu aberto estão por todos os lados e à beira do rio, enegrecido pela poluição, crianças brincam expostas a inúmeras doenças, como a meningite, a dengue e a   leptospirose.

Vale lembrar que o município de Duque de Caxias é o segundo mais rico do estado do Rio e é administrado pelo tucano José Camilo Zito, que responde a pelo menos 11 processos nas Justiças estadual e federal e é acusado, pelo Ministério Público, de improbidade administrativa e enriquecimento ilícito.

Zito ainda é acusado de ceder irregularmente um terreno na Rodovia Washington Luís, para duas empresas da construção civil. Em 2009, o MP apontou Zito como responsável pela utilização de serviços de uma empresa em quatro contratos emergenciais sem licitação. Além da firma não ser legalizada, ela estaria registrada no nome do prefeito, mas mesmo assim, nada foi feito contra ele até o presente momento.

E o povo na lama

Uma das trabalhadoras que moram no bairro Pilar, a vendedora Elizabeth Ramalho conta que perdeu a sobrinha Gláucia Ramalho dos Santos, de 21 anos, depois das enchentes. Segundo ela, a menina contraiu leptospirose e morreu quatro dias depois, agonizando no leito de um hospital.

Minha tia é doente, está de cama há meses com um problema na perna que a gente não consegue resolver em nenhum hospital. No dia da enchente foi um sufoco para tirar ela aqui de casa. Tivemos que utilizar alguns isopores para levá-la daqui. Minha sobrinha Gláucia de 21 anos começou a sentir muita dor, febre e vômito e ficou a míngua no hospital de Saracuruna por três dias, até que na sexta-feira veio a falecer. Isso foi um absurdo, porque ela não ia morrer. Alguns amigos nossos aqui do bairro que trabalham no hospital disseram que passavam no quarto dela e viam ela se debatendo de dor, horas apenas com um soro e sem medicamento nenhum. Hoje eu acordei com dor de cabeça e dor no corpo, mas eu fui ao hospital e, por enquanto, eles disseram que eu não tenho nada. Muitos amigos nossos aqui da região estão doentes. Ficamos com medo porque moram muitas crianças no bairro. Esses vereadores e prefeito estão pouco se lixando. A gente está cansado de pedir ajuda — lamenta.

A moradora Ana Paula, que mora às margens do rio Calombé, conta que não espera mais ajuda do Estado e que chegou a usar um bote para sair de casa em segurança, depois de ligar inúmeras vezes para a Defesa Civil. Em sua casa, eram nítidos os sinais de alagamento, como as paredes e os móveis sujos de barro.

A gente sofre muito com essas enchentes. No dia da chuva eu falei com o meu esposo para não dormir porque a água estava subindo muito. Tive que tirar meus filhos daqui de casa dentro de um isopor. Sempre foi assim. Eu moro há oito anos aqui e não pode chover, que a água bate na porta da nossa casa. Da última vez meu filho quase foi arrastado pela água. O poder público só vem aqui quando é época de eleição, como esse ano, mesmo assim, o máximo que eles dão é uma cesta básica. Não vem ninguém aqui ajudar. Já ligamos diversas vezes para a Defesa Civil, mas não vem ninguém. A gente não aguenta o cheiro de óleo que exala do rio aqui do bairro. Do que adianta a gente sofrer para comprar coisas para dentro de casa e depois vir a chuva e destruir tudo. Semana passada eu saí de casa de bote. Sem contar com as doenças. Diarréia, vômito, dor de cabeça, dor no corpo, aqui em casa está todo mundo assim — lamenta.

A senhora Leda Maria da Silva, que também mora na região, queixa-se da desumanidade dos patrões, indiferentes ao sofrimento dos trabalhadores que ficam ilhados em casa em dias de enchente, doentes e impedidos de ir e vir. É o caso de seu filho, de cama por conta de uma agressiva infecção intestinal.

Eu sou alérgica e, com essas enchentes, fico toda empolada. Meu filho teve diarréia de sangue e tomou três litros de soro no posto de saúde. Ele está com infecção no intestino. Tudo por causa da água. A gente ferve a água, mas não adianta, pois é tudo contaminado. O patrão do meu filho, como sempre, não fez nada. Esses patrões só querem o serviço e nem ligam pra saúde do funcionário. É rato, barata, rã, cobra, tudo quanto é bicho de esgoto invadindo a nossa casa. Aí acontece isso com o pobre: perde tudo dentro de casa, fica doente, perde o emprego, isso se não perder a vida — queixa-se a senhora.

Outra trabalhadora, a cabeleireira Kátia, conta que teme pela vida do filho doente. Ela acusa o Estado de omissão e diz que somente em tempos eleitorais, uma ínfima assistência é dada aos moradores em troca de votos.

Meu filho está com meningite meningocócica por causa da água do esgoto que invadiu nossa casa na enchente. Os médicos são confusos, não explicam muita coisa, mas nós sabemos que vivemos em uma região muito suja, onde a água é contaminada. Muita gente compra água mineral, mesmo não tendo condições. A gente não recebe nenhuma ajuda. Dessa última vez, ligamos para a Defesa Civil e para o Corpo de Bombeiros, mas estamos até agora esperando. Quando chega a época de votação eles batem na nossa porta pedindo voto, mas quando o povo está aqui morrendo não vem ninguém ajudar. Fica essa situação de abandono. A doença do meu filho pode matá-lo em 12 horas. E aí? Para o governo a vida dessas crianças não tem valor — conta a trabalhadora, que dez dias depois perdeu outro de seus filhos, atropelado por um ônibus.

Moradores protestam

Revoltados, moradores bloquearam o trânsito na região exigindo que a prefeitura ofereça-lhes mínimas condições estruturais, desde a instalação de quebra-molas, que evitem atropelamentos, até a promoção de alguma condição sanitária, que permita o abastecimento das casas com água própria para o consumo e acabe com as enchentes. Por outro lado, os protestos mostram que a confiança no Estado está cada vez menor dentre os trabalhadores pobres da região, que começam a identificar na rebelião o único caminho para se conseguir dignas condições de vida.

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