Segundo a mitologia imperialista, a história acabou, a luta de classes é coisa do passado e as grandes questões econômicas há muito deixaram de ser determinadas por interesses que se sobrepõem a outros, prevalecendo o aspecto alegadamente científico, via de regra justificado por um suposto vai-vem autônomo do mercado e pelo moderno pensamento gerencial. Uma das maiores fraudes que emergem desse emaranhado de ficções, criadas pelos ideólogos da burguesia, é a idéia de que os Bancos Centrais mundo afora não tomam decisões políticas, mas sim técnicas. Em suma, tentam fazer as massas acreditarem que as políticas monetárias adotadas por aí, afinal, não são políticas.
Diante de mais esta crise em que o sistema capitalista global está metido até o colarinho branco, como não seriam políticas as decisões monetárias que tentam colocar ordem na casa, para que o capital financeiro e monopolista perpetuem o ritmo de crescimento de suas taxas de lucro, em nome do bom funcionamento das engrenagens de exploração dos povos do mundo?
Ao contrário. As políticas, e não as técnicas, adotadas hoje, desde o Federal Reserve Board — o banco central ianque — até o Banco Central Europeu, passando pelo Banco Central do Brasil, constituem verdadeiras expressões do poder econômico tanto global quanto local, que ora se confundem, e ora demandam decisões de acordo com as especificidades de cada um. Mas a regra em tempos de crise é uma só, a de que os bancos centrais devem estar na linha de frente do gerenciamento do sufoco capitalista.
E assim vem sendo feito, agora que a inflação em alta e a ameaça de recessão aterrorizam os países ricos dos dois lados do Atlântico norte e se reflete nas economias de todo o mundo, atreladas ao grande capital dos países imperialistas por obra e graça da conivência de suas administrações nacionais. E a receita adotada para fazer frente à crise é bastante ortodoxa: penalizar os trabalhadores e favorecer os banqueiros com o aumento das taxas de juros, isto em economias aonde os lucros bancários vêm sendo duplicados a cada dois anos e onde as atualizações salariais sequer alcançam os níveis da inflação.
Dominação monetária
Fazendo o caminho inverso ao da crise do sistema capitalista global, não é possível compreendê-la sem ter em conta a natureza do Federal Reserve, o banco central mais poderoso do mundo. O chamado Fed é na verdade um clube privado cujo conselho é constituído pelos 12 maiores bancos do USA. É esta dúzia de banqueiros quem determina que todos os países do mundo devem ter reservas monetárias em dólar, fazendo da moeda ianque mais um instrumento de dominação.
A política do Fed de avalizar a farra do endividamento dos trabalhadores do USA a juros dignos de agiotagem não tinha nada de imperativo técnico, e resultou no estopim da crise atual quando as financeiras ianques começaram a registrar taxas de inadimplência maiores do que se esperava. Foi o início da chamada crise dos empréstimos de alto risco. E como em toda boa crise capitalista, os poderosos tratam de salvaguardar os seus. A linha de socorro que o Fed disponibilizou às instituições financeiras ianques quebradas já está na casa dos 100 bilhões de dólares.
Enquanto isso, a crise chega aos trabalhadores do USA na forma de desemprego, precariedade, perda do poder aquisitivo dos salários e corte, aqui e ali, de direitos e garantias.
A mesma espécie de concentração vem sendo feita em vários outros países. Agora em agosto, ao longo de poucos dias, os bancos centrais da União Européia, Japão, Canadá, Suíça e Austrália, além do próprio banco central ianque, injetaram um total de 323 bilhões e 300 milhões de dólares nos seus respectivos sistemas financeiros, saindo em defesa dos seus representados com esta força, digamos, nada módica.
E o Banco Central do Brasil?
Em um estudo chamado Maiores bancos privados do Brasil: um perfil econômico e sócio-político, o professor Ary Cesar Minella, da Universidade Federal de Santa Catarina, levanta alguns dados que vêm bem a calhar para demonstrar que o Banco Central do Brasil está longe de ser uma instância onde se tomam decisões técnicas em prol do bem geral da população. O Bacen, como outros Bancos Centrais e em sua dobradinha com o Ministério da Fazenda, é na verdade um órgão político onde se faz valer os interesses do capital.
Logo de cara isto fica evidente com a constatação de que os sucessivos presidentes e diretores do Bacen vêm diretamente do topo das instituições financeiras privadas, e para lá retornam depois que saem do Bacen. Em seu estudo, o professor Ary Cesar Minella diz ser emblemática a indicação de alguns nomes para ocupar a presidência da instituição.
Sarney, por exemplo, indicou um banqueiro que dirigia a então Associação Brasileira de Bancos Comerciais. Um dos escolhidos por Fernando Henrique Cardoso veio diretamente do sistema financeiro internacional, o mesmo critério utilizado por Lula para colocar Henrique Meirelles na presidência do Bacen.
Segundo Minella, na última década do século XX e no início do século XXI circularam pelo grupo Itaú nada menos do que dois presidentes do Banco Central, Pérsio Arida e Gustavo Loyola, e seis outros diretores, entre os quais Tereza Grossi, diretora de fiscalização do Bacen na época em que Salvatore Cacciola comprava dólares a preço de banana junto à instituição.
Com o Unibanco foram sete os diretores do Bacen vinculados anteriormente ou posteriormente a sua passagem pelo órgão oficial. Pedro Malan, por exemplo, saiu diretamente da presidência do Banco Central para a presidência do conselho de administração do banco da família Moreira Salles.
Recentemente, outros dois diretores passaram a prestar serviços para o ABN Amro. Tudo isto sem contar com o fato de que Luiz Inácio foi buscar no Banco de Boston seu homem de confiança para conduzir a política monetária da gerência FMI-PT.
Mas estas são apenas as dimensões mais evidentes de uma relação que vai além, muito além da mera cumplicidade entre a política monetária do Estado brasileiro e os interesses das corporações financeiras. Os desdobramentos desta dobradinha entre a banca nacional ou internacional e o Bacen permanecem por se revelar mais claramente quanto ao seu funcionamento. Por outro lado, quanto aos resultados, é mais do que conhecido que ela vem sendo muito frutífera para o capital financeiro, como demonstram os lucros recordes divulgados a cada trimestre pelos bancos que operam em nosso país.
Agora, durante a crise capitalista que abala o poder econômico em todo o mundo, o Bacen aproveita para aumentar os juros, até mesmo quando a inflação dá sinais de enfraquecimento, deitando por terra o pretexto habitual para alavancar os lucros bancários. Não por acaso Henrique Meirelles, além de ser o atual presidente do Banco Central do Brasil, é também presidente de honra da ABBI, a Associação Brasileira de Bancos Internacionais.