Bancos e governo são os pais do risco Brasil

Bancos e governo são os pais do risco Brasil

Mesmo o maior superávit primário da história do Brasil, ocorrido em maio, de R$ 8,9 bilhões, com acumulado de R$ 20 bilhões no ano não está servindo para conter o "risco Brasil". A origem desta incerteza vem evidentemente da própria iniciativa privada, seja diretamente na gestão das empresas ou indiretamente na gestão governamental, já que a política em curso nos últimos 8 anos, em especial, se orientou pelo atendimento do interesse privado, seja nacional ou internacional (privatizações, abertura comercial, flexibilização dos direitos, etc). Entre os problemas de gestão privada, destacaremos alguns.

As apostas feitas por bancos e fundos de investimento causaram perdas bilionárias no mercado financeiro. No mercado futuro do chamado cupom cambial, o prejuízo pode chegar a US$ 1,7 bilhão, que adicionado às perdas de outros setores fará o montante chegar a US$ 3 bilhões. É evidente que esse fato terá efeito sobre a rolagem da dívida publica brasileira, mas trata-se de uma escolha privada. A crescente remessa de lucros e dividendos ao exterior das empresas privadas, e o contínuo pagamento de juros e amortização da dívida externa, ajudaram no crescimento do défcit em conta corrente. Somente em seis anos (1994-1999) o serviço da dívida externa, que inclui amortização de parte da dívida e pagamento de juros, acumulou o volume de US$ 213 bilhões ou US$ 533 e, mesmo assim, a dívida pública chegou a R$ 680 bilhões, ou 55% do PIB, 2m 2002. Parte desta dívida é privada, o restante é dívida externa pública, em parte resultante da estatização da dívida externa privada ocorrida em 1979. A crise das empresas privatizadas é cada vez mais evidente. O setor telefônico já apresenta o risco do "caladão", a medida que empresas como BCP, Vésper, Embratel e Telemar já estão inadimplentes. O valor das ações destas já caiu em 50 % em relação ao momento da privatização. A proposta das telefônicas é a elevação de tarifas, redução de impostos, e a permissão de realizarem fusões. O setor ferroviário entrou em colapso total. O setor elétrico foi "vítima" de sua falta de investimento, que provocou o apagão, e cada vez mais eleva suas tarifas e outras formas de subsídios indiretos. O setor siderúrgico, após abocanhar grandes lucros, principalmente no caso da CSN, com a aquisição de títulos públicos com correção cambial, começa a chegar numa situação crítica pela política protecionista americana, que restringiu o seu mercado no exterior, alem do próprio desaquecimento da economia mundial, que já tinha diminuído a demanda.

A fusão entre risco soberano e risco privado vem do fato que parte da lucratividade das grandes empresas nacionais e estrangeiras (receitas não operacionais) depende dos rumos dos títulos dos paises endividados. Alem disso, a definição desse risco vem também da capacidade destas empresas honrarem seus compromissos com fornecedores, coisa que a BCP e Embratel, etc, não estão cumprindo. Combater a inflação não foi suficiente para conter a eclosão da crise capitalista. Ao contrário, o Estado, que já estava endividado em 94, no início do Plano Real (R$ 60 bilhões), ficou ainda mais endividado (em 2002 deve (680 bilhões), comprometendo ainda mais a capacidade de financiamento do Estado nas funções anticíclicas, alem de abandonar inteiramente o que se chama de "função social". Dizer que o Brasil pode vir a ser a Argentina, como indicador de crise social, é falso porque o Brasil tem 53 milhões de trabalhadores abaixo da linha da pobreza, enquanto aquele país tem 37 milhões, ou seja, o Brasil tem mais de uma Argentina passando fome, já há muito tempo. A questão central é saber porque não estão nas ruas, mobilizados? Por outro lado, a continuidade do pagamento da dívida externa não depende só do desejo do governante que for eleito, mas das condições objetivas para tal (crescimento das reservas), fato cada vez mais distante, dado o volume de reservas existentes e volume de dívidas que vencem nestes dois anos.

O que se chama de risco país evidentemente é o conjunto da política praticada nos últimos oito anos do governo, com o apoio da base governista (PSDB, PMDB,PFL). Para alguns, a crise da Argentina é apenas resultado de erros de condução na política monetária. No entanto, trata-se dos limites dos Estados capitalistas de contornarem os efeitos da crise capitalista na sua dimensão atual e, principalmente, da imposição da política dos Estados imperialistas, especialmente os EUA, que repassam os efeitos da sua política econômica para os Estados "periféricos".

O que temos no momento é o desdobramento da política de contenção de crise, nos anos 1980, dos EUA, que culminou na crise da dívida externa, que aparentemente teria sido contornada pela renegociação do Plano Brady. Nos anos 90, o que se chamou de neoliberalismo, nada mais foi que mais uma tentativa de se buscar uma saída para aquela crise, repassando-a para a periferia (abertura comercial, privatizações, pagamento da dívida externa). No início deste século, observamos o esgotamento desta tentativa de saída da crise e a própria agudização da crise. A nova resposta imperialista é a aceleração do "unilateralismo", com o acirramento do protecionismo da economia americana, sendo este outra causa do crescente défcit das contas correntes, e por sua vez da fragilidade externa. A aprovação da lei americana de subsídio agrícola poderá apresentar no curto prazo efeito devastador sobre o setor agrícola voltado para o mercado externo e, é claro, sobre o balanço de pagamentos. Os países mais desenvolvidos gastam quase US$ 400 bilhões por ano em subsídios à agricultura.

O "unilateralismo" americano, agudizado pela administração Bush e sua lei agrícola ameaça até mesmo a "nova" divisão internacional do trabalho dos anos 90 (industrializados x agrícolas), ou seja, não bastava a América Latina ter retornado à divisão internacional dos anos 60, mas também esta está ameaçada, dado que o protecionismo americano chegou a todos os setores de sua economia. Justamente os banqueiros, os que mais lucraram com a política de estabilização da era FHC, agora utilizam como instrumento de chantagem o chamado "risco Brasil", para elevarem ainda mais os juros na rolagem da dívida. No entanto, foram eles, através do poder de decisão que tem no FMI e Banco Mundial, que definiram os rumos da política de estabilização encampada por FHC e sua base governista. No início do Plano Real brigavam pela paternidade do plano, agora brigam para definir o pai do risco Brasil. Na verdade os pais do real são os pais do risco Brasil, apesar de quererem dar a este uma condição de filho bastardo.

 

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