Como estava praticamente acertado, as reuniões da União de Nações Sul-Americanas (UNASUL) para discutir e esclarecer o pacto entre a Colômbia e o USA sobre a instalação de 7 bases militares ianques em território colombiano foram um absoluto fracasso.
Resultou insólito o cinismo do gerente de turno colombiano Álvaro Uribe de negar os detalhes ou informações sobre este tratado na reunião da UNASUL, alegando que a instalação das bases militares ianques era uma decisão "soberana" do governo colombiano. Ante tal descaramento, caberia perguntar: desde quando o entreguismo pode ser confundido com um ato de soberania?
Os argumentos (artimanhas) do gerente colombiano realmente foram dignos dos piores advogados amorais que costumam ser encontrados nos corredores judiciais da América Latina. Outro exemplo foi o jogo de palavras sem vergonha empregado por Uribe ao indicar que as 7 bases militares não são bases do USA, e sim colombianas, estas já existem, não se instalarão novas bases propriamente, senão que nas 7 bases "colombianas" haverá presença militar ianque, no marco de um tratado de cooperação bilateral cujo objetivo é "preservar a segurança nacional colombiana frente ao terrorismo e o narcotráfico", velho pretexto com que se costuma justificar a repressão e a intromissão ianque.
De fato, o ministro da Defesa da Colômbia, Gabriel Silva, ameaçou que a Colômbia se retiraria da UNASUL se fosse mantida a posição de algumas nações. Segundo ele, alguns governos evitam discutir temas como o "narcotráfico", terrorismo e armamentismo, que como sabemos é a bandeira repressiva há muito tempo utilizada por sucessivas gerências colombianas, especialmente a de Uribe.
No entanto, a "defesa" colombiana não só se limitou a proteger sua suposta "soberania" para entregar suas bases militares ao USA, como também passou da defesa ao ataque, quando levantou o aumento da compra de armamentos na América do Sul. O mesmo ministro Gabriel Silva declarou a BBC de Londres que "a Colômbia apresentará o acordo com o USA assim que for assinado, mas que aconteça da mesma forma para todos. Que sejam apresentados convênios da compra de armamento, transferência de tecnologia, etc. Incluindo os acordos com outros países".
A posição colombiana foi veemente reforçada por seu aliado de circunstância, o gerente peruano. Para que a discussão sobre as bases militares do USA na Colômbia fosse calada imediatamente, começou a detalhar as características de uma nova corrida armamentista na região. Mostrando que nos últimos cinco anos, "desde a criação da UNASUL", os países da América do Sul tiveram um gasto de 56 bilhões de dólares e 23 bilhões em créditos para comprar armas, canhões e aviões.
No detalhe destes números afirma-se que as Forças Armadas na América do Sul são compostas por 1.500.000 pessoas. Além do que o gasto militar foi crescente nos últimos anos: em 2005 foi de 26 bilhões de dólares, em 2006 alcançou 29 bilhões, em 2007, 32 bilhões, e em 2008 o gasto foi de 34 bilhões. Enquanto que para o presente ano estima-se que o gasto será de 38 milhões de dólares.
Diante de tais quantias, a compra de armas passou a ser o tema principal, ficando em segundo plano a instalação de bases ianques na Colômbia. É certo que não se trata de um assunto de menor importância, ainda mais pelo fato de o Brasil, o Chile e a Venezuela terem anunciado novas compras de armas para fortalecer seus aparatos militares. O gasto militar na América Latina aumentou em 91% entre 2003 e 2008.
A administração ianque, que não está presente nas reuniões da UNASUL, se dá ao luxo de pressionar a Venezuela para que responda sobre o anúncio da compra de armamento russo. Porque a secretária de Estado do USA, Hillary Clinton, expressou sua perturbação pela compra de armas venezuelanas e pediu transparência para que não acabem nas mãos de grupos rebeldes ou criminosos, insinuando novamente que a gerência venezuelana fornece armas a grupos armados.
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Levando em conta estes dados, a gerência peruana desviou a discussão sobre as bases militares na Colômbia, pondo em voga um tema tão relevante quanto o das bases, como é o armamentismo na região, porque é indignante a milionária inversão estatal para fortalecer a capacidade bélica, enquanto nesses países se vive uma das piores crises de alimentos.
Sobre o evidente aumento de investimento público em armas, a gerência peruana — que tampouco escapa a essa corrida armamentista — propõe um pacto de não agressão militar entre os países da América do Sul, pois — segundo se informa — nos próximos cinco anos efetivará a compra de um submarino atômico, 67 aviões de guerra, entre outros apetrechos militares.
Por outro lado, o chanceler chileno, Mariano Fernández, rechaçou a petição de Alan García — gerente do Estado peruano — para estabelecer um pacto de não agressão militar entre os países da UNASUL ao assinalar que a linguagem é própria de um clima bélico. Pediu que fosse utilizada uma linguagem mais de cooperação e associação. A velha discussão de termos e eufemismos sul-americana.
O tema do armamentismo foi levantado por Peru e Colômbia, esclarecendo que este último é o segundo maior em gastos militares na região. Manejando as coisas com extremo cinismo, Álvaro Uribe assinala que "as armas que o governo colombiano adquire são instrumentos para recuperar a ordem pública interna do país e não pensando numa corrida armamentista na região", esquecendo que seu investimento em armamentos em 2008, supera em 60% o Produto Interno Bruto da Bolívia.
O tema das bases militares ianques na Colômbia tratado na UNASUL terminou finalmente ocultado pelo armamentismo, quando a gerência brasileira anunciou uma compra milionária de aviões militares da França e assinava com Sarkozy um acordo para instalar empresas conjuntas no Brasil, fato que explica o mutismo e o desinteresse da gerência brasileira em questionar as bases militares do USA na América do Sul.
Uribe faz tantos discursos estranhos sobre a soberania, que não surpreende que Luiz Inácio reivindique o cuidado das novas reservas de petróleo no mar continental, bem como a soberania sobre a Amazônia.
Cogita-se que o gasto militar do governo brasileiro será de 12 a 20 bilhões de dólares em armas, num país onde o clientelista e ineficaz programa "Fome Zero" há tempos adiou a luta contra a fome. O gasto inclui um submarino nuclear e aviões de combate. Com esta compra de equipamentos bélicos da França, o Brasil passará a ser um dos principais compradores de armas entre as semicolônias do Cone Sul, como também consolida sua condição de maior potência militar da região. De fato, os países que formaram a UNASUL sabiam que estavam se integrando a um projeto militar das classes dominantes brasileiras.
A América do Sul se embrulhou numa inusitada compra de armas, que coincide com o incremento das exportações de matérias-primas (commodities). Caberia perguntar se esta corrida armamentista responde a um clima bélico, a determinado interesse de consolidar e fortalecer hegemonias militares na região ou a eterna voracidade das classes burocráticas sul-americanas para assaltar os recursos fiscais de seus Estados, a partir da velha fórmula do pretexto de defesa nacional para gastar dinheiro. Lembrem-se que em quase todos os países sul-americanos existem mecanismos administrativos flexíveis e certos segredos para a compra de armas, onde não chegam nem os sistemas de controle e fiscalização. Ou, por último, pode ser todo este conjunto de coisas.
O chamariz sobre as bases militares na Colômbia realizado pelos governos da Venezuela, Equador e Bolívia, não desapareceu, mas está enfraquecendo. Chávez alista-se a comprar armamento russo, ao mesmo tempo que tem que conviver com mais de 20 bases militares ianques ao seu redor. Rafael Correa do Equador não esquece e vê com indiferença a operação militar que o gerente colombiano fez incursionando o território equatoriano em 2008. Enquanto que Evo Morales não desperdiçou a oportunidade de falar sobre as bases militares do USA em sua última visita à Espanha, mas parece que suas energias estão mais concentradas em discussões insignificantes com Alan García pela autoria ou a origem de ídolos andinos ou danças folclóricas, temas aparentemente irrelevantes, embora muito eficazes para exacerbar os impulsos nacionalistas de certos cidadãos peruanos e bolivianos.
As demais gerências sul-americanas, em particular Brasil, Uruguai, Paraguai, Argentina e Chile se calam, escutam e temperam suas declarações sobre as bases militares ianques. Alguns silenciam por cumplicidade e outros preferem esconder seus próprios planos bélicos ou de compras milionárias de apetrechos militares, dado que boa parte não está destinado para a defesa ou uma possível guerra, senão para obter uma boa porcentagem através de mecanismos fraudulentos ao fisco.
Na prática, para a UNASUL nem os problemas em Honduras e muito menos a pessoa de Zelaya merecem ser citados. Portanto, provisoriamente, resultou em vitórias para os planos da "Doutrina Obama" de fortalecer a militarização ianque na região e fazer experimentos de desestabilização de governos de países bananeiros como é o caso de Honduras, que permite estabelecer nesta área maior presença do USA que sempre a considerou como "seu quintal". E está conquistando graças a incapacidade ou o entreguismo das gerências títeres da UNASUL, que em pouco tempo se degastou e já podemos dizer que é um mecanismo que não serve à integração da América do Sul, só funciona para os interesses imperialistas ou das classes dominantes burocráticas sul-americanas.