I.1. A biomassa em si
As plantas podem ser transformadas em combustíveis líquidos, isto é, em energia para a propulsão de veículos automotores, embarcações, aviões etc. Sob essa forma ou sob a de madeira ou a de resíduos secos, as plantas servem também para usinas, caldeiras e termelétricas1.
Como demonstram experiências produtivas, essa energia constitui a resposta adequada à crise dos combustíveis fósseis. A biomassa supera-os, por larga margem2, em todos os quesitos: 1) estratégico ou de segurança energética; 2) econômico; 3) de inclusão social e de emprego; 4) ecológico e de saúde pública.
Entretanto, em contraste com as fabulosas potencialidades da biomassa, ela ocupa posição marginal nas matrizes energéticas. Por exemplo, o Brasil não tem feito nos óleos vegetais senão fração desprezível do realizado na Alemanha, onde a produtividade por hectare é 10 vezes menor, e o território, densamente ocupado, 24 vezes menor.
Cabe, pois, in limine indagar o porquê dessas coisas. Com efeito, as vantagens da biomassa são de tal ordem, que ela deveria prevalecer, mesmo que as sociedades em todo o Mundo não estivessem pagando caro pelo petróleo, em todos os sentidos. A crise prossegue crescendo, como reconhecem os especialistas de energia3. Está-se, pois, diante de situação aparentemente incompreensível.
I. 2 – Poder político e financeiro
I.2.1 – Por que a irracionalidade?
Em 1º lugar, para que a biomassa se imponha, há que adotar as escolhas técnicas e socioeconômicas corretas quanto às matérias-primas e à sua transformação. Ponto importante são os motores apropriados. Notável é que essas escolhas estão ligadas à descentralização e à desconcentração da economia. À exceção, em parte, do etanol da cana-de-açúcar, as decisões e as políticas públicas têm sido contrárias à racionalidade a serviço do bem comum. Quem as determina?
I.2.2 – Petróleo e bancos
A Exxon-Mobil acumulou, de 2004 a 2006, US$ 100,9 bilhões de lucros líquidos4, ou seja, após o pagamento de impostos e taxas5. A Shell obteve, US$ 63,2 bilhões6. Os lucros líquidos anuais na indústria do petróleo estão na ordem de US$ 300 bilhões, e o faturamento, US$ 3 trilhões. O consumo e a demanda de petróleo ascenderam, em 2006, a 30,6 bilhões de barris/ano. A US$ 60 por barril = US$ 1,84 trilhão. Adicionados 30% na refinação, US$ 2,4 trilhões, quantia igual ao dobro do PIB do Brasil. Mais incrível: estima-se que o mercado do petróleo chegue a 42,5 bilhões b/ano, em 20307, 40% mais que o consumo atual.
As transnacionais investem pouco em prospecção, porque há pouco a ser descoberto8. É-lhes, pois, ainda mais atrativo o maná do petróleo, mesmo a dano irreparável dos ecossistemas e a profundo prejuízo das sociedades. Os lucros vão para fundos especulativos, e os derivativos atingem centenas de trilhões de dólares. Os grupos dominantes do petróleo controlam os principais bancos e fundos, a mídia e grandes indústrias. Pode-se, pois, fazer uma idéia de seu poder sobre governos, universidades e demais formadores de opinião.
I.2.3 – Biomassa: concorrente a alijar
Faz sentido, do ponto de vista desses grupos, rejeitar fontes alternativas reais, e talvez até propalar falsas alternativas. O fato é que a legislação tem imposto óbices à comercialização de produtos da biomassa9. Na política "neoliberal" pratica-se a intervenção governamental no mercado, desde que a favor das corporações transnacionais.
II. Benefícios econômicos
II. 1 – Etanol
Empreendimentos, como o do engenheiro Marcelo Guimarães10, mostram que o álcool da cana-de-açúcar pode ser vendido a preço bem menor que o atual de mercado. Em 3 hectares, ele cria 80 cabeças de gado*, alimentado com o bagaço, e vende adubo orgânico do vinhoto e do esterco. A destilação converte-se de álcool para cachaça ou vice-versa.
As pequenas unidades produtivas são mais eficientes do que as grandes, mas o padrão dominante imposto pelo Banco Mundial e adotado pelos órgãos reguladores, favorece a concentração. Por isso, a cana-de-açúcar é transportada a grandes distâncias, como também o etanol. Gasta-se energia demais para produzir energia.
Com o óleo bruto a US$ 60 por barril, o litro da gasolina custa R$ 1,00 na refinaria11. A US$ 70,00 por barril, será R$ 1,20 por litro. Média de R$ 1,10. Adotadas as técnicas corretas de produção, haverá economia de R$ 0,30 por litro, em relação ao preço do álcool fabricado pelas grandes usinas, e de R$ 0,80, no confronto com a gasolina.
É viável, no prazo de dez anos, um programa para substituir por etanol o consumo interno da gasolina (20 bilhões de litros/ano), e para exportar outro tanto. Portanto, 40 bilhões de litros de etanol, por ano, de acréscimo à atual produção.
A parte do mercado interno implicará economia de R$ 16 bilhões/ano, a partir do 10º ano. Além disso, do 1º ao 9º ano, ganhos acumulados de R$ 86,4 bilhões. Ou seja: R$ 102 bilhões nos primeiros dez anos, sem contar os aumentos de preço do petróleo.
Especialistas prevêem cotações de US$ 100 para o barril de petróleo já em 201012, o que corresponderia ao 3º ano de um programa que se iniciasse em 2008. Não seria, pois, exagerado estimar preço médio de US$ 120 por barril, para os dez anos. Isso faria dobrar a projeção dos ganhos para R$ 32 bilhões a partir do 10º ano e R$ 172,8 bilhões nos nove primeiros anos. Mais de R$ 200 bilhões em 10 anos.
A essas cifras há a aduzir os ganhos com subprodutos: 1) o bagaço, para cogeração de eletricidade e alimentação do gado13; 2) o vinhoto, nessa alimentação e na produção de adubo orgânico; 3) a palha, para gerar vapor em caldeiras. A mandioca iguala a produtividade da cana e, além de alimento, oferece subprodutos valiosos.
Ganhos adicionais adviriam da exportação, ao fim dos 10 anos, de 20 bilhões de litros/ano14, em contexto diferente do atual, em que a parte do leão fica nos EUA. A política econômica no Brasil, incompatível com a autodeterminação, é repleta de subsídios ao capital estrangeiro e às exportações, enquanto os residentes sofrem toda sorte de impostos.
A US$ 60 por barril de petróleo, a gasolina está saindo da refinaria a preço equivalente a R$ 1,14 por litro. Com os incrementos previstos, a média nos próximos dez anos não será inferior a R$ 1,50. Pode-se assim estimar o preço da exportação do etanol em R$ 1,20 por litro. Isso daria à economia brasileira um ganho de R$ 24 bilhões no 10º ano do programa e de R$ 129,6 bilhões, ao longo dos nove anos anteriores, perfazendo R$ 153,6 bilhões.
Somados esses ganhos aos do mercado interno, o total estaria em torno de R$ 300 bilhões. Esse valor multiplica-se por três, em função de: a) aproveitamento dos subprodutos; b) o incremento de valor na agropecuária associada a esses subprodutos; c) produção de adubos orgânicos; d) ganhos indiretos advindos dos investimentos suscitados pelo crescimento da renda propiciado pelo etanol, subprodutos e produções associadas. Resulta o benefício de R$ 900 bilhões em 10 anos. Dividida por 10, a soma equivale a 3,75% do PIB.
Em motor apropriado, o desempenho por km. da gasolina é superado em 30% pelo do álcool, que tem maior octanagem15. O motor é melhor conservado, além de se dispensar a desidratação do álcool. Por falta de política de acordo com os interesses nacionais, houve retrocesso do PRÓ-ÁLCOOL. Chegou-se a fabricar, com motores a álcool, 98% dos novos veículos de passeio.
Uma política econômica previdente teria levado à formação de estoques reguladores de etanol e imposto taxa sobre a exportação de açúcar, quando esta causasse escassez do combustível, o pretexto alegado para aquele retrocesso.
II.2 – Óleos vegetais
Os óleos vegetais contribuem ainda mais fortemente que o etanol para afirmar a superioridade da biomassa como fonte de energia16. Os requisitos são os mesmos: 1) matérias-primas corretas; 2) descentralizar a produção; 3) fabricar ou adaptar os motores, e não, o combustível17.
A concentração tem sido a regra na produção e sobretudo na comercialização e no financiamento, o que oprime os pequenos produtores. São gritantes os absurdos das políticas governamentais e de decisões das grandes empresas. Por exemplo, tem prevalecido a soja e a mamona, em vez dos pinhões e do dendê. Enquanto as árvores estiverem em crescimento, recomenda-se a rotação de culturas com girassol, amendoim e nabo forrageiro, entre outras. Em algumas regiões, usar árvores nativas.
O rendimento por hectare do óleo de dendê supera o da soja 15 vezes. Entretanto, esta se tornou a principal oleaginosa, controlada por tradings norte-americanas, européias e japonesas, em função do farelo, exportado para alimentar gado e aves no exterior.
As práticas restritivas à concorrência, por parte dos grupos financeiros e da indústria automotora, que dominam os motores de baixa temperatura, geraram a política reducionista que relega o uso dos óleos vegetais à condição de matéria-prima para produzir biodiesel. Mas, com motor de alta temperatura, os óleos vegetais têm o dobro do desempenho por km do biodiesel, o qual exige uma operação industrial a mais, para obter produto menos eficiente que o insumo.
Os preços do óleo diesel de petróleo, na refinaria, são os mesmos dos da gasolina18. Com o petróleo a US$ 60 por barril, o litro do diesel custa R$ 1,00. A US$ 70,00 por barril, R$ 1,20 por litro. Na média, R$ 1,10.
O mercado do óleo diesel é de cerca de 40 bilhões de litros e poderia crescer para 45 bilhões antes de 10 anos. O faturamento anual atingiria R$ 50 bilhões, no final do período, sem considerar os futuros aumentos de preço.
22,5 bilhões de litros de óleos vegetais naturais (OVNs) substituem os 45 bilhões de litros. O custo por litro poderá ser R$ 0,40, mesmo sem contar com valiosos subprodutos como o farelo. A diferença, para menos, de preço em relação ao diesel de petróleo, seria R$ 0,70 por litro, ou R$ 1,80, quando os preços do petróleo dobrarem.
Em vez de se despenderem R$ 50 bilhões/ ano, passar-se-ia a gastar R$ 9 bilhões, uma economia, de R$ 41 bilhões por ano, após 10 anos. Dobrando os preços do petróleo, economizar-se-iam R$ 90 bilhões. Na média, R$ 65,5 bilhões. As economias acumuladas nos nove primeiros anos do programa atingiriam R$ 353,7 bilhões.
Com a metade da produção voltada para a exportação, ao preço de R$ 1,20 por litro, a renda nacional cresceria R$ 27 bilhões, ou mais, em função da demanda mundial ascendente. Isso implicaria ganhos, acumulados em nove anos, de R$ 145,8 bilhões.
Com aumentos moderados no preço do petróleo elevando a média a R$ 1,50 por litro, o incremento de renda subiria para R$ 33,8 bilhões após o 10º ano, acumulando-se R$ 182,3 bilhões nos primeiros nove anos.
Combinados, os rendimentos diretos dos OVNs no mercado interno e na exportação atingiriam R$ 635,3 bilhões, fora os ganhos com subprodutos, como o farelo. Este, rico em proteínas, viabilizaria criar gado confinado, causando um salto qualitativo na qualidade e no valor agregado pela pecuária no País, em que predominam as pastagens. Além disso, o plantio direto do dendê e dos pinhões em florestas possibilita o cultivo de diversas plantas nos espaços entre as árvores.
Os ganhos indiretos corresponderiam ao dobro dos diretos, fazendo triplicar o total, que ascenderia a R$ 1,9 trilhão, quantia equivalente a 80% do PIB atual do Brasil.
II.3 – Ganhos conjuntos
Somando-se as economias e rendas geradas pela produção de óleos vegetais, de etanol e seus efeitos sobre outros segmentos da economia, resultam R$ 2,8 trilhões, quantia igual a 116,5% do PIB atual. Com a gradual injeção de renda, consumo e investimento propiciada pelo programa, objeto de Projeto de Lei, o PL 3.960/2004, poder-se-ia estimar sua contribuição para o aumento do PIB em 5,5% por ano, o dobro da atual taxa de crescimento de toda a economia.
Para obter tudo isso, bastam R$ 4 bilhões por ano em investimentos agrários, florestais e industriais, incluindo a conversão dos motores19. É 1% do investimento de capital fixo do País, ou 0,8% do que se desperdiça em juros. O grosso dos investimentos viria do setor privado. Se os governos federal e estaduais investissem na infra-estrutura, a rentabilidade seria ainda maior.
Esta se mede com o custo de R$ 40 bilhões e o benefício de R$ 2,8 trilhões com os ganhos diretos e indiretos. Relação custo/benefício = 1 para 70, algo jamais visto, nem imaginado.
A baixa dos custos de transportes acarretaria grande redução nos custos de toda a economia, e o aumento de poder aquisitivo disso decorrente equivale a aumento de renda real, além de fortalecer a competitividade no mercado internacional.
A produção de petróleo e de gás natural da Petrobrás seria exportada, propiciando receitas de exportações adicionais. Seria favorecida também a preservação de reservas. A estatal poderia, ademais, dedicar-se seriamente à biomassa e aos químicos dela derivados, se deixasse de se pautar pelas políticas das transnacionais do petróleo.
II. 4 – Estrutura econômica e biomassa
Na biomassa — e não só nela — a eficiência econômica é favorecida pela desconcentração, como se verifica, por exemplo, em relação às inovações tecnológicas20.
As economias de escala só prevalecem em algumas produções padronizadas, de tecnologia estável. Na biomassa há, antes, deseconomias de escala. Isso vale para o conjunto da economia, a partir do momento em que as empresas dominantes se valem do poder sobre o mercado para restringir, e até eliminar, a concorrência.
A generalização desse processo causa danos exponenciais, ao: 1) reduzir a demanda global, inviabilizando investimentos na estrutura produtiva e nas infra-estruturas econômica e social; 2) subordinar a política econômica aos grupos concentradores. Forma-se, assim, no sistema socioeconômico, processo cumulativo depressivo e excludente.
Esse leva à hipertrofia das aplicações especulativas, o que torna ainda mais absoluto o poder de grupos financeiros sobre as sociedades nacionais. A concentração culmina por anular a democracia. As eleições ficam controladas pelos detentores do poder econômico concentrado.
Falta base à crença de que os avanços sociais competem com o desenvolvimento econômico. Na verdade, este caminha muito melhor em interação com o social. A viabilidade do Eldorado implícito na biomassa está condicionada à prevalência de regimes políticos constituídos em função dos interesses nacionais. Nesse caso, ela trará a redenção.
Fora as finanças, o petróleo é, de longe, o maior negócio do mundo. É claro que o poder concentrado não quer abrir mão da energia que o substituirá. De qualquer forma, a biomassa a se tornará a principal fonte de energia no Planeta. A questão crucial é sob o controle de quem.
A perspectiva presente é o desastre, com a tendência absolutista da globalização, que transforma o Brasil em economia de exportação governada do exterior. A propriedade, inclusive agrária, tem sido tomada por empresas transnacionais e por tradings, que dominam o agronegócio. O Brasil torna-se uma nação de empregados (deixa de haver patrões) ou, então, de desempregados, às dezenas de milhões.
Esse é mais um efeito da política econômica favorável aos investimentos estrangeiros, a qual força os empresários locais a trocar valiosos ativos reais e intangíveis por moedas inflacionadas, como o dólar, aviltado por emissões do Tesouro dos EUA para cobrir colossais déficits de conta corrente. E, sobretudo, para alimentar ganhos financeiros mal lastreados e cobrir rombos de golpes mal aplicados.
II. 5 – Ou recursos naturais e trabalho
Entrar com uma coisa ou entrar com a outra faz diferença vital. Condena-se ao subdesenvolvimento o país que não comanda o capital e a tecnologia de sua produção21. Mesmo que os tenha tido, perde-os, se a comercialização e o financiamento ficam a cargo de centros do exterior. Braudel aponta casos, como o da Polônia, que se tornou, no Século XVIII, fornecedora de cereais para o mercado europeu controlado por Amsterdam. O resultado foi reinstituir o regime de servidão22.
Situação semelhante se dá, quando se apela para eliminar direitos trabalhistas. As exportações baseadas em baixos custos de mão-de-obra são caminho certo para a piora das condições econômicas e sociais.
Contrario sensu, a Dinamarca, na 2ª metade do Século XIX, viu-se alijada do mercado mundial de grãos com a entrada de países dotados de extensas terras férteis (EUA, Austrália, Argentina). Na ótica do agronegócio, isso seria ruim. Foi ótimo. A perda do mercado primário levou a Dinamarca a diversificar sua economia com capital nacional, construindo máquinas e tecnologia para suas matérias-primas, o ponto de partida para o desenvolvimento.
Em suma, se brasileiros não controlarem a produção e o comércio da biomassa, esta se somará ao agronegócio e à extração mineral no desperdício de recursos naturais sem proveito para o capital e para o trabalho locais. Os investimentos diretos estrangeiros geram mais saída de recursos para o exterior que renda nacional.
III. Ganhos sociais
III. 1 – Emprego
Com política favorável à concorrência e à descentralização, a biomassa criará empregos em proporção muito maior que a usual, pois: 1) reforçarão o setor do etanol pequenos e médios produtores de cana-de-açúcar e de mandioca, além de pequenas usinas; 2) nos óleos também haverá associação com a pecuária intensiva e a policultura; 3) engenheiros e mecânicos fabricarão e converterão motores; 4) técnicos desenvolverão tecnologias para: usos dos subprodutos; novas oleaginosas; processos de destilação e de prensagem.
A indústria do petróleo, como a mineração em geral, figura no topo da lista das mais intensivas de capital23. Mesmo em condições de concentração no setor sucro-alcooleiro, este empregava, só no Estado de São Paulo mais de 400 mil trabalhadores, em 200424.
Isso se dava em menos de 3 milhões de hectares, dos quais 1,35 milhões para produzir 8,8 bilhões de litros de etanol, e o restante para açúcar. Com produtividade média de 6.500 litros de etanol por hectare, para obter 40 bilhões de litros, seriam precisos 6,2 milhões de hectares, nos quais se abririam 1,3 milhão de empregos diretos.
A proporção de empregos seria 40% acima da de 2004, em razão de: mais descentralização; maior participação de unidades médias e pequenas; menor mecanização. Ademais, os trabalhadores cultivariam também mandioca, além de criar animais e produzir rações e adubo.
A fim de obter 45 bilhões de litros de óleos vegetais (22,5 bilhões para o mercado interno e outro tanto para a exportação), seriam usados 10,3 milhões de hectares, dos quais 4,9 milhões ocupados pelas palmeiras do dendê, e 5,4 milhões por árvores como os pinhões e o tungue, além de por lavouras em rotação25.
A mão-de-obra seria ainda mais intensiva que na área alcooleira26, em função do plantio direto de árvores e da coleta manual.
Tudo isso se traduz na criação de 2,6 milhões de empregos diretos, que, somados ao 1,3 milhão referente ao etanol, resultam em 3,9 milhões. Estimando-se três empregos indiretos para cada um direto, teremos 15,6 milhões, o que supera em três ou quatro milhões a cifra oficial de desempregados no País.
III.2 – Alimentos versus energia
Essa questão só faz sentido sob o modelo concentrador e hostil ao bem-estar da sociedade. No contexto de um modelo autônomo, é um falso problema. Os numerosos críticos parecem ter subjacente a idéia de que a biomassa só se pode realizar em plantations mecanizadas.
A biomassa, em si mesma, não ameaça agravar a fome e as demais desgraças sociais em aumento, há muito tempo, sob a regência da globalização dos investimentos diretos estrangeiros. O que gera as deploráveis condições sociais é a ocupação de todos os espaços rentáveis por grupos mundiais oligárquicos. Essas condições — ligadas à economia de exportação controlada por esses grupos — tendem a intensificar-se na esteira do acordo entre os presidentes do Brasil e dos EUA, e ainda com a galopante compra de usinas e lavouras de cana-de-açúcar por empresas estrangeiras.
Os imensos benefícios que a biomassa pode trazer não têm chances de ocorrer, a prosseguirem de pé os regimes políticos enfeudados ao sistema mundial oligárquico. Nesse caso, os males socioeconômicos serão proporcionais à dimensão que o setor vai adquirir.
Se a biomassa for gerida como deve ser, torna-se ridícula a idéia de que pudesse prejudicar a produção de alimentos. Ao contrário, ela a fará elevar e muito. Para tanto, contribuirão:
1) o cultivo da mandioca para fins de energia e de produção alimentar; 2) a associação da produ ção de rações e de adubo orgânico com os subprodutos da cana-de-açúcar (vinhoto, bagaço,etc.) e com os da mandioca (amido e folhas ricas em vitaminas e nutrientes); 3) a criação de animais, de leite e de corte, aves, ovos, etc., em combinação com esses subprodutos; 4) a importância do adubo orgânico para reverter o processo de esterilização das terras, empobrecidas pelo uso de adubos e defensivos químicos; 5) os bosques e florestas de árvores oleaginosas, tendo por subproduto, o farelo, rico em vitaminas e nutrientes; 6) os espaços entre as árvores, para cultivar hortigranjeiros e outros alimentos vegetais e animais.
Quarenta e cinco bilhões de litros de óleos e de 40 bilhões de litros de álcool poderão ser produzidos, ao cabo de dez anos, em apenas 16,5 milhões de hectares. Portanto, além dos cinco itens acima, considere-se que:
6) 16,5 milhões de hectares correspondem a somente 4,4% da área oficialmente reconhecida pelo IBGE como utilizável na agricultura, a saber, 376 milhões de hectares; 7) a área utilizável é muito maior, pois o território nacional, de 850 milhões de hectares quadrados, pode ser bem usado com uma política fundiária em função do interesse social, e não, de ONGs a serviço do poder mundial, o qual faz demarcar imensas extensões intocáveis por brasileiros ("terras indígenas" e parques imensos); 8) os subprodutos da biomassa oferecem fibras, amidos e proteínas, que viabilizarão a criação de centenas de milhões animais de qualidade em condições incomparavelmente melhores que as dos soltos no pasto; 9) isso liberará 40% a 50% dos 250 milhões de hectares ocupados por pastagens, o que significa 100 milhões a 125 milhões de hectares, sete vezes a área a ser requerida para a biomassa para produzir energia; é dessa magnitude a área adicional aproveitável para lavouras alimentares.
IV – Benefícios ecológicos
IV. 1 – Reflorestamento
O que se expôs se aplica também ao meio geográfico. Por exemplo, pode ser reflorestada grande parte dos 100 a 125 milhões de hectares que se resgatará das pastagens extensivas.
Outro trunfo para o reflorestamento decorre da substituição, em grande parte, da cultura da soja por árvores, como o dendezeiro, 15 vezes mais produtivas de óleo por hectare/ano. Ademais, o plantio dessas árvores acrescenta qualidade ecológica ao uso das terras. Conforme Fendel: "A maioria das oleaginosas de grande produtividade é perene, e requer pouco ou nenhum agrotóxico; sua colheita manual é boa e eficiente"27.
IV.2 – Conservação de matas
Com a substituição da soja cessa o desmatamento de extensas áreas e recuperam-se terras desgastadas por essa lavoura. As árvores oleaginosas produzem por 40 a 60 anos, sendo renovadas sem necessidade de mover a terra: dendê em regiões úmidas e quentes, como a Amazônia; pinhão manso, roxo e bravo, além do tungue, do Sul ao Nordeste e nos cerrados. Ainda: florestas nativas, conservando-as, como o babaçu, no Meio Norte. O pinhão incorpora ao solo nitrogênio, fósforo e potássio, diminuindo o uso de adubos químicos.
O balanço ambiental será ainda mais favorecido com a maior importância da mandioca. A raiz provê alimento, e as folhas são fontes excelentes de vitaminas e proteínas, constituindo 27% da massa, o que implica grande capacidade de absorção do CO2 da atmosfera.
IV.3 – Danos à saúde
Importantes ganhos ambientais provirão da eliminação das emissões dos derivados do petróleo, como dióxido de carbono, óxido de nitrogênio, dióxido de enxofre e hidrocarbonetos. Segundo o Prof. Dr. György Böhm, da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, esses gases causam distúrbios respiratórios, alergias, câncer e lesões degenerativas no sistema nervoso e em órgãos vitais.
Observa Fendel: "Os óleos vegetais são muito melhores lubrificantes que o diesel fóssil, que necessita a adição do poluente enxofre. Eles possibilitam instalar oxicatalisadores nos tubos de descarga dos motores. Algumas emissões são reduzidas em até 90%. Os OVNs são mais seguros, pois não queimam e nem explodem à temperatura ambiente."
O seqüestro de carbono poderá atingir 80 milhões de toneladas, possibilitando aproveitar compensações previstas no Protocolo de Kyoto28.
O fim das emissões das antieconômicas termelétricas a gás de petróleo29 trará ganhos adicionais para a saúde e o meio-ambiente. Urge, ainda, rescindir os contratos de compra de gás às transnacionais e sustar os investimentos de US$ 23 bilhões da Petrobrás em gasodutos, mais que do exige todo o programa da biomassa.
Conclusão
A perspectiva de redenção proporcionada pela energia da biomassa emerge claríssima, mercê da relação benefício/custo excepcional. Mas ela só é viável sob um quadro de poder econômico e político diferente do atual. Sem substituí-lo, o desastre é inevitável, com ou sem biomassa. Que a maioria manipulada nem cogite disso, não justifica admitir o sepultamento da perspectiva de redenção, pois, assim, se estará aceitando ovinamente os colapsos energético e ecológico, que se avolumam, induzidos pelo caos financeiro, econômico e social.
1. O conceito da biomassa abrange, ademais, fontes de origem animal, como biogás, gorduras e resíduos.
2. José Walter Bautista Vidal demonstra que, afora a hidroeletricidade, a fotossíntese feita pelas plantas é, de longe, o modo mais eficiente de captar a inesgotável energia trazida à Terra pelos raios solares. Quando Secretário de Tecnologia Industrial do Ministério da Indústria, nos anos 70, ele idealizou e realizou o PRÓ-ALCOOL, o programa do álcool, que contemplava também os óleos vegetais, tendo recrutado 1.500 pesquisadores. O programa alcançou ótimos resultados, mas sofreu, depois, intervenções que anularam parte de seus avanços.
3. Os preços do petróleo bruto, de 2000 a 2003, oscilaram de US$ 20 a US$ 30 por barril, e triplicaram, desde 2002, para a marca atual acima de US$ 60,00.
4. Nos lucros contábeis são omitidos os retirados por meio de despesas em favor de fundações e empresas coligadas.
5. Dados anuais em: Krantz, Matt in US Today – Money, 11.05.2007, a saber: 2004: US$ 25,3 bilhões; 2005: US$ 36,1 bilhões; 2006: US$ 39,5 bilhões.
6. Macalister, Terry in Guardian Unlimited, 01.02.2007: 2005: US$ 20,7 bilhões; 2006: US$ 25 bilhões; BBC News, 03.02.2005: 2004: US$ 17,5 bilhões.
7. Energy Information Administration, USA: International Energy Outlook 2006.
8. Schoen, John W.: MS NBC, 21 de julho de 2005: "Much of the investment in finding that oil — and developing the wells and pipelines needed to produce it — has already been made. So an oil field that was profitable with oil selling for $20 a barrel is much more profitable with oil trading around $60."
9. No Brasil, a Agência Nacional do Petróleo regulamenta o comércio de combustíveis. Ela não só cerceia a oferta de energia da biomassa, como licita, em favor de transnacionais, a exploração de jazidas de petróleo descobertas pela Petrobrás. Legislação (Lei 9.478/1997), instituída por governo enfeudado ao poder financeiro, permite às transnacionais exportar, não obstante ter o País reservas diminutas. Os royalties são os mais baixos do Mundo (5%). Países sem tecnologia de exploração cobram 30% ou mais. As quantidades exportadas não são controladas, já que o Brasil se submete ao Estatuto da OMC (WTO).
10. Natura Tropical, Cidade Nova – Belo Horizonte – MG, 27.03.2007. End.: [email protected].
11. O preço da gasolina fornecida pela Petrobrás está (maio de 2007) em R$ 1,00 por litro, e o do álcool anidro, em R$ 1,20 por litro.
12. Engdahl, F. William: O Iraque e o Problema do Pico Petrolífero, in: Petróleo e Política, nº 661, 27.03.2005; Paul Roberts: A Guerra do Petróleo, idem, nº 414, 05.07.2004; Ricúpero, Rubens, Secretário-Geral da CNUCED (UNCTAD): A Geoestratégia do Petróleo, in: FOLHA de São Paulo, 25.04.2004.
13. Pires Luciano, in Correio Braziliense, de 02. 05.2007: "Jayme Buarque de Hollanda, diretor-geral do Instituto Nacional de Eficiência Energética, diz que a cana produz os açúcares para o álcool e o açúcar, e ainda material que, em termos energéticos, equivale a duas vezes o da parte química." E: "Essa energia é altamente competitiva. Em Mato Grosso, existem indústrias onde a energia a partir do bagaço representa quase 20% da receita total. O potencial é estimado em 10 mil MW — duas vezes a potência da Usina Belo Monte, no Pará, a maior obra hidrelétrica do PAC."
14. Foram exportados, em 2006, 3 bilhões de litros, ao preço médio de US$ 0,46 (cerca de R$ 1,00), no total de R$ 1,44 bilhão. Lei dos EUA, de dezembro de 2006, prorrogou, até 2009, tarifa de US$ 0,54 por galão de etanol brasileiro, i.e., R$ 0,31 por litro. (67,4% do valor FOB das exportações em 2006).
15. Bautista Vidal, J.W.: Contribuição para Exposição de Motivos, Companhia Brasileira de Bioenergia, 26.03.2006, p.07.
16. Fendel, Thomas Renatus: Projeto de Desenvolvimento dos Óleos Vegetais Como Combustível Motor, publicado em 12.07.2006, p. 1: "Os motores a óleos vegetais naturais (OVN) têm o dobro do rendimento dos motores a etanol. Assim, um Golf que faz 11 km com 1 litro de etanol, faz 22 km com 1 litro de óleo de dendê."
17. Fendel, idem, ibidem: "Adaptar motores diesel para óleos vegetais é mais fácil que adaptar motores a gasolina para álcool. Para tal é necessário apenas elevar a pulverização dos óleos e a temperatura de combustão, como demonstram os mais de 30.000 veículos que rodam a óleo de canola, na Alemanha."
18. A diferença de preço até o varejo decorre das diferentes taxas de impostos incidentes sobre esses derivados do petróleo
19. O custo das conversões de motores é muito baixo. Da gasolina para o etanol, R$ 300,00. Dever-se-á retomar a fabricação dos motores para álcool e iniciar a dos motores para óleos vegetais.
20. Estudo do Congresso dos EUA, dos anos 80, indica que as pequenas e médias empresas faziam 50% das inovações, investindo só 10% dos gastos em Pesquisa e Desenvolvimento efetuados pelas grandes.
21. Benayon, Adriano: Globalização versus Desenvolvimento, 2ª edição, São Paulo, 2005. O autor mostra que só se desenvolveram os países que adotaram políticas para fortalecer as empresas nacionais, públicas ou privadas. Eles não privilegiaram o capital estrangeiro, ao contrário do Brasil desde agosto de 1954.
22. Braudel, Fernand : Civilisation Matérielle, Économie et Capitalisme, tomo 2: Les Jeux de l'Exchange, pp. 235 e seguintes.
23. Conforme o balanço da PETROBRÁS, a massa salarial mais encargos e participações dos empregados representa 7,5% do Valor Adicionado Líquido (VAL). Vide: Siqueira, Fernando, Conselheiro da PETROS, 27.02.2006.
24. Dados da UNICA, entidade da indústria sucro-alcooleira de São Paulo, informavam que, em 2004, ela usava 3 milhões de hectares nesse Estado, produzindo 15 milhões de toneladas de açúcar/ano e 8,8 bilhões de litros de álcool/ano, com média no álcool de 6.500 litros por hectare/ano.
25. O dendê, com rendimento médio de 6,5 mil litros/ha./ano responderia por 70% da produção, e as restantes plantas, com 2,5 mil litros/ha./ano, contribuiriam com 30% da produção.
26. Conforme Fendel: No caso do dendê, até fazer o óleo qualificado é um processo simples, artesanal e de baixo custo.
27 . Fendel, Thomas R.: op. cit., p.3.
28. Cifra calculada para o volume de cana-de-açúcar a ser produzido, tomando por base estudos da ÚNICA, São Paulo, sobre a absorção de CO2 pela cana, mais a estimada para as oleaginosas.
29. As termelétricas devem operar com lenha de árvores cultivadas e resíduos (folhas, galhos, raízes, ramas, etc.), como já se faz em alguns países europeus.
*Nota da Redação: A propósito, foi assim que o presidente da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil – CNA, Antônio Ernesto de Salvo, em abril de 2005 se lamentou diante dos novos índices que iriam medir a "produtividade" da terra para fins de uma hipotética reforma agrária anunciada pelos seus próprios colegas no sistema de governo:
"Em regiões áridas como o Nordeste, onde o produtor precisa, hoje, ter apenas um boi numa área de 7 hectares, ele precisará ter mais de dois bois no mesmo espaço para ser visto como produtivo. Essa é uma tática marxista de desapropriar o indivíduo". (grifos de AND).
Benayon é doutor em Economia. Autor de Globalização versus Desenvolvimento, Editora Escrituras: www.escrituras.com.br/[email protected].