No dia-a-dia de suas rotinas de produção, o monopólio dos meios de comunicação que opera no Brasil tem uma profunda afeição pelos assuntos do USA. Seus membros se voltam todos os dias, e o dia todo, para as altas e baixas, abertura e fechamento da bolsa de valores de Nova Iorque, divertem-se com as chamadas gafes de Bush, informam sobre o lixo cultural produzido em escala massiva pela indústria cinematográfica ianque e se debruçam com afinco sobre as estratégias e investidas neocoloniais — nunca para colocá-las em xeque, e jamais as chamando por este nome.
Por outro lado, os jornais e TVs de nossa grande burguesia — mas também nossos administradores de crises e gerentões de políticas de miséria para o povo — ignoram solenemente nossos países irmãos, aos quais estamos unidos pelo idioma comum.
A língua portuguesa é uma herança da história de escravidão e rapina que marcaram o império colonial português, mas hoje é também — ou melhor, deveria ser — um instrumento de união e mobilização para esforços internacionalistas das classes trabalhadoras de países como Brasil, Moçambique, Cabo Verde, Guiné-Bissau e mesmo em parceria com o povo de Portugal.
No entanto, caso dependêssemos das classes dominantes — de seus lacaios à frente do Estado burguês e de seus grupos de comunicação que nos inundam de mentiras e bobagens — estaríamos condenados à absoluta falta de informação sobre a história, a realidade e as perspectivas das massas trabalhadoras destes países ligados a nós por um passado em comum, mas atualmente tão distantes no espaço e do ponto de vista do entendimento sobre anseios compartilhados.
A depender do jornalismo parceiro da exploração do povo brasileiro, saberíamos apenas das idas e vindas das empresas transnacionais, das bravatas dos governantes de Estados burgueses, e das farsas eleitorais periodicamente levadas a cabo nas chamadas "democracias ocidentais". Nos últimos dias, a falsa escolha que as elites ianques apresentam ao povo do USA — entre Barack Obama e John McCain — foi o que mereceu a maior atenção do monopólio dos meios de comunicação, o que mais consumiu papel jornal e tempo na TV.
Enquanto isto, as classes populares de um dos países umbilicalmente ligados a nós, Angola, estão passando por mais um momento delicado de sua conturbada história recente. No último dia 5 de setembro foram realizadas as primeiras eleições no país em 16 anos. Isto não significa muito além do que mais uma encenação de "cidadania" e "democracia", como a que acaba de acontecer aqui mesmo, no Brasil das urnas eletrônicas, mas significa um motivo a mais para tentar construir a solidariedade internacional entre países que falam a mesma língua.
As eleições angolanas foram festejadas pelos oportunistas de plantão, que gostam de repetir a lenga-lenga da alternância de poder. Pois nem sequer esta lenga-lenga, pilar da fraude que constitui o chamado "Estado de direito", conseguiu se sustentar. Desde 1979, Angola tem um mesmo presidente, José Eduardo dos Santos, que continuará no poder. Seu partido, o MPLA, obteve 80% dos votos, dois terços do parlamento, o que possibilitará a Eduardo dos Santos reformar a Constituição angolana a seu bel prazer, e para o regozijo da corrida neocolonial que há décadas ele vem patrocinando em seu país.
Problemas semelhantes, horizonte comum
MPLA é a sigla que restou do Movimento Popular para a Libertação de Angola, movimento armado de inspiração marxista que até 1975 lutou bravamente contra os invasores portugueses. Alcançada a independência política frente aos colonizadores — e mesmo antes disto — o MPLA foi, ele próprio, colonizado por oportunistas e corrompido pelo dinheiro do capital estrangeiro interessado em uma nova fase de usurpação e exploração das riquezas e dos trabalhadores angolanos.
Não é de hoje que os ex-revolucionários transformados em gerentes do entreguismo chamam de abertura pós-colonial o que não passa de uma ofensiva neocolonial. Em Angola, como no Brasil, o povo sofre as consequências da privatização, suas aspirações vêm sendo cada vez mais sabotadas pela prevalência dos interesses do poder econômico, e seus direitos a cada dia mais destroçados em nome da "modernidade" capitalista. A alardeada "democracia" agora estaria enfim sendo consolidada por uma farsa eleitoral promovida pelas elites políticas e financeiras a pedido do capital internacional.
Os angolanos são um povo castigado por 29 anos de guerras ininterruptas, primeiro contra Portugal, depois entre os diversos grupos que passaram a disputar o butim. Desde a "independência" a vida não deixou de ser precária, e a atuação política verdadeiramente de classe esteve sempre fragilizada pela intimidação das armas e do dinheiro, estando os trabalhadores espremidos entre as várias forças mancomunadas com aqueles que estavam de olho no que poderia ser roubado de Angola — principalmente o petróleo — quando a ditadura fascista derrotada de Portugal enfim largou o osso.
O maior adversário do MPLA em todos estes anos, a UNITA, desde sua fundação, em 1966, já se aliou ao então governo racista da África do Sul e ao USA para tentar assumir a primazia da opressão às massas angolanas.
O USA, aliás, foi quem mais investiu na corrida neocolonial imediatamente após a saída dos soldados portugueses de sua antiga possessão. Na época, o presidente ianque Gerald Ford considerou que o MPLA, dentre as forças que haviam combatido os portugueses, não era aquela que poderia criar as maiores facilidades para o imperialismo.
Sendo assim, Ford tratou de criar um programa secreto de financiamento das lideranças que então mostraram mais claramente o oportunismo que posteriormente deu as caras nas atitudes de quase todas elas. Entre as que mais receberam dinheiro para trair o povo e a autonomia recém-conquistada estiveram a própria UNITA e a Frente Nacional de Libertação de Angola (FNLA).
Hoje, o MPLA afinal emerge como a força vitoriosa de todas estas décadas de acirrados engalfinhamentos pelo controle das enormes riquezas de Angola para fins de entreguismo e corrupção, reprodução do capital estrangeiro e enriquecimento das classes dominantes locais. E se assim aconteceu, ou seja, se o MPLA enfim se consolidou mediante uma farsa eleitoral avalizada pelos observadores da chamada "comunidade internacional", foi porque conquistou a confiança do imperialismo.
Cerca de três meses antes da data marcada para a votação, o MPLA lançou em Luanda, capital do país, um "manifesto eleitoral". Os eixos fundamentais sobre os quais prometia governar foram traçados de forma que não deixassem dúvida alguma sobre sua subserviência aos mandamentos de fora.
No tal manifesto a demagogia corre solta. Diz-se que o MPLA tem raízes profundas nas massas populares, e logo depois a mensagem é dirigida aos monopólios e aos financistas: "o país vive um processo dinâmico de reconstrução e desenvolvimento em que é visível a consolidação da estabilidade macro-econômica". Parece um país à venda, e é.
Qualquer semelhança com uma tal "Carta ao povo brasileiro" não é mera coincidência; é a prova de que forças que sempre se apresentaram em nome das massas podem muito bem nunca, jamais terem estado verdadeiramente ao seu lado. Prova também que isto não acontece só no Brasil, o que por sua vez mostra que as classes populares brasileiras precisam se solidarizar com povos irmãos, cujos problemas são semelhantes, e cujo horizonte também é um só: romper com todos estes grilhões.