Boca aberta contra a opressão

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Boca aberta contra a opressão

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Inventores da Arena Arbórea, um espaço teatral físico com uma estética inovadora, o grupo paulistano Dolores Boca Aberta e Mecatrônica é formado por atores que se enxergam como artistas trabalhadores. Nascidos e criados na periferia, desde cedo esbarraram nas diferenças de classe, e hoje procuram dialogar, através das artes cênicas, com companheiros trabalhadores de todas as áreas, buscando uma reflexão e emancipação da condição comum.

— Surgimos há dez anos e logo constatamos que havia uma impossibilidade de ingressarmos no mundo teatral, por sermos de periferia, pertencente a chamada classe trabalhadora, que nem mesmo tem acesso as salas. Sendo assim, resolvemos aproveitar o espaço onde nascemos e nos criamos para realizarmos o nosso fazer teatral, e essa foi  uma decisão rica, investigativa. Passamos a dar aulas de teatro para a comunidade — fala Luciano Carvalho, ator e dramaturgo do grupo que tem 25 membros.

— Entendemo-nos como agentes transformadores e construtores de histórias, vimos que o nosso fazer tinha que dialogar com essa classe trabalhadora, no sentido de tentar uma provocação à reflexão da nossa condição. Depois de muita pesquisa na tentativa de estabelecer uma linguagem estética para isso, fizemos uso de elementos épicos no sentido que Brecht apresentou, adaptando a nossa realidade — expõe.

Segundo Luciano, no coletivo Dolores não existe a relação patrão x empregado. Todos trabalham em mutirão.

— Nos apresentamos em funções que temos especialização para realizar, e nos revezamos nas que ninguém quer fazer. O mutirão é um tipo de organização que acontece em abundância nas periferias das cidades. Normalmente o povo se utiliza dele nas construções de suas moradias, para bater uma laje, por exemplo. Nós o aplicamos no nosso fazer — explica.

— Iniciamos nossas atividades fazendo teatro dentro de uma escola. Não era teatro para escola, e sim utilizando seu ambiente. Depois fomos morar em um sobrado, e o transformamos em um centro cultural. Encenávamos na sala da nossa casa (risos), que era o espaço que tínhamos para trabalhar — conta animadamente.

Após esse período o Dolores ocupou um terreno público, onde já havia um galpão, construído em meados da década de 1980, por meio de um mutirão feito pelo povo.

— Na gestão de um determinado prefeito aconteceu um banditismo por lá, com tomada política do espaço, e após, o seu abandono. O local tornou-se perigoso, com desova de carro, caixa eletrônico, além de boca de fumo. Recuperamos e o transformamos em sede e espaço de cultura para dialogar com o vizinhos, e lá permanecemos — fala Luciano.

— Plantamos no local o que chamamos de Arena Arbórea, e toda estética relacionada a isso. É um teatro em semicírculo na costa de um barranco, e desse barranco fizemos uma plateia. Também reproduzimos essa experiência em outros espaços aqui em São Paulo e outras partes do país — continua.

Cenas e realidade se misturam

O espetáculo atual do grupo, A saga do menino diamante, uma ópera periférica, é uma concepção do que entendem por operar música, poesia e teatro.

— Não é a saga de um indivíduo, isso pouco importa para nós. Nos apresentamos como ser social em movimento, numa saga histórica da construção da cidade, da vida em sociedade humana. Um espetáculo itinerante densamente ético, com coros, músicos e o coletivo Dolores — conta Luciano, acrescentando que todos os espetáculos são gratuitos.

— Nossa ópera começa as dez horas da noite e termina as quatro da madrugada . É dividida em três atos, sendo o último um ato festa num boteco, onde temos cerveja e servimos uma sopa que produzimos em cena. Depois de compartilhar o alimento, os trabalhadores artistas dialogam com os trabalhadores de outras áreas que vem assistir — continua.

Para fazer sátira às eleições, há dois anos o Dolores criou o Armando Boas Praças, um político profissional especialista em inaugurar praças e se apresentar como feitor de obras públicas, que na verdade foram conquistas populares.

— É uma ironia ao vício da politicagem. Uma crítica direta a democracia burguesa. E tem gerado muito riso e dado o que pensar. O apresentamos nas ruas, com intensa participação do povo. Por exemplo, o coletivo Dolores, em mutirão, limpa e reforma uma praça na periferia. Em seguida chega o Armando Boas Praças e se apresenta como o grande realizador da benfeitoria — relata.

— Inauguramos seu busto de bronze na praça com um showmício (risos). Este ano pretendemos inaugurar mais dois em periferias aqui em São Paulo. Nas eleições passadas o candidatamos a vereador, e na próxima o lançaremos a deputado federal. Para isso fazemos carreatas, corpo a corpo, distribuímos santinhos. É o teatro da política. Temos o comitê Pró-Armando, trabalhando intensamente na campanha — acrescenta.

— Ele é o candidato 00171, do POB, o Partido Oportunista Brasileiro. Além do ator que faz o Armando, temos os assessores, primeira-dama, seguranças, e vários outros oportunistas que o acompanham. Fazemos um roteiro prévio, com algumas falas de discursos e chavões políticos e executamos essa ação pelas ruas, praças, feiras livres e muito mais — continua.

O personagem Armando Boas Praças entra também em cena na Saga do menino diamante, como o político lacaio das corporações, da burguesia, como representação política teatral das diferenças econômicas.

Além de espetáculos, todos gratuitos, o Dolores realiza oficinas diversas e recebe grupos, como o Narcóticos Anônimos, que fazem uso da sua sede.

— Somos trabalhadores de outras áreas, grande parte jornalista. Inclusive nosso próprio nome vem daí: Boca aberta era o jornal que alguns fizeram na universidade; Dolores vem do espetáculo Dores da noite, que alguns encenaram; Mecatrônica não tem o menor sentido (risos) — finaliza Luciano.

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