Após vários escândalos de repressão aos indígenas – o caso dos povos do Tipnis foi o mais emblemático – é cada vez mais claro que o “governo indígena” de Evo Morales não passa de discurso. A suposta “revolução”, “mudança” e o “socialismo do século XXI” são falácias ainda maiores. E não se tratam de denúncias da oposição, agora são os próprios militantes do Movimento ao Socialismo (MAS) os que denunciam a situação.
Em entrevista ao jornal boliviano Página 7, no dia 16 de julho, a senadora Carmen García, do Movimento ao Socialismo (MAS), o partido de Evo Morales, afirmou que a organização reproduzia velhas práticas de “partidocracia” e que os indígenas que faziam parte da bancada do governo eram apenas elementos decorativos no trabalho orgânico, úteis apenas para legitimar a falácia do “governo indígena”.
A senadora, que é indígena, relata que muitas vezes, ao pedir relatórios das atividades ministeriais, foi bloqueada. Segundo ela, todo questionamento é visto como ataque ao MAS e que agora ela está na “cadeira dos acusados”. E isso não se trata de uma exceção. O MAS impõe um “disciplinamento” à sua bancada no governo e são muitos os exemplos de militantes que denunciaram a corrupção e foram colocados “no congelador”, acusados de serem de “direita”. O exemplo mais recente é o caso do ex-deputado pelo MAS, Pedro Lima, que acaba de receber asilo político no Paraguai.
A resolução dos questionamentos não passa por uma discussão interna para distinguir o correto do incorreto, mas pela aplicação de medidas administrativas de controle e silenciamento dessas posições. O MAS não tem uma estrutura orgânica que defina as diferenças ideológicas, tudo é construído em função do caudilho. A estrutura do MAS é formada por uns quantos chefes que “dizem ter suficiente formação”, para quem “é preciso seguir a consigna” e aos quais é necessário “pedir autorização” para solicitar tal ou qual informe, como afirma a senadora García. Mas quando é o momento de descontar do salário dos militantes 500 bolivianos de “doação voluntária” e também de dar aos militantes indígenas um papel decorativo, o MAS é muito eficiente.
A direita no governo
Para alguém que acompanha a evolução do governo de Evo Morales, é uma novidade a afirmação de Oswalo Peredo sobre o vice-presidente. Na verdade, boa parte da militância do MAS tinha a crença míope de que Álvaro García Linera representava a direita dentro do governo e que Evo estaria só, à esquerda.
Peredo afirmou, em suas declarações à Rádio FIDES: “Estão fazendo com que Evo perca a autoridade na política. Reitero e digo com todas as letras que o vice-presidente nunca foi socialista, que ele propunha o capitalismo andino, e que ele é quem dirige as políticas econômicas e impõe certas políticas ao Congresso”.
Peredo não pode ser acusado de um direitista ou ressentido contra o governo. Ele foi a cara do MAS em Santa Cruz, quando vereador da capital da província, então essa é uma confissão de um militante do “processo de mudança”. O ex-vereador de Santa Cruz afirma que “as políticas direitistas estão vindo do governo, por isso se enfrentam indígenas contra indígenas, camponeses contra indígenas”.
As declarações de Peredo dão a entender que é a política corporativa do MAS que se infiltra no movimento popular e o divide, gerando paralelismo, causando os enfrentamentos de povo contra povo, promovidos desde as mais altas esferas do governo. Claro que não somos ingênuos para pensar que os direitistas somente olham de longe os conflitos, eles fazem seu trabalho, mas hoje não têm um papel importante porque estão desarticulados e desprestigiados.
Além do que, setores inteiros que pertenciam a partidos de direita hoje estão dentro do MAS, o que também não é novidade para ninguém. O MAS fez acordos com o MNR (Movimento Nacionalista Revolucionário) em Beni; em Pando com setores do MIR (Movimento da Esquerda Revolucionária); e o caso mais aberrante foi a aliança feita com setores do fascista União Juvenil Crucenhista, em Santa Cruz.
Outra confissão do ex-vereador é que o Estado está se transformando em apenas mais um empresário. O que ele diz, na verdade, é que as reformas do MAS não buscam superar os limites do capitalismo nem avançar ao socialismo, mas se orientam a um capitalismo de Estado. Os defensores revisionistas do MAS entendem essa intervenção estatal como sinônimo de socialismo e isso é completamente falso e pode ser visto na China ou nas ex-repúblicas socialistas do leste europeu. Mas essa dinâmica faz com que cedo ou tarde os meios de produção terminem em mãos privadas. A participação do Estado é temporária e só objetiva superar a crise econômica.
Para os que conhecem um pouco como funciona o espaço de decisões dentro do governo é fácil perceber que não é possível ver Evo como um menino ingênuo que não pode tomar decisões. Muito pelo contrário. O estilo caudilhista e petulante do presidente, demonstrado em várias ocasiões, mostra com clareza que ele é o responsável direto pelas principais decisões tomadas pelo governo.
Ainda que as declarações de Peredo não nos digam nada de novo, o significativo é que sejam ditas por um personagem de uma família que integra os grupos mais próximos ao governo.