Bolívia – O MAS joga pesado para conter os setores críticos e dissidentes

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Bolívia – O MAS joga pesado para conter os setores críticos e dissidentes

Nos últimos meses, tomou impulso a contradição entre o Estado e os setores populares na Bolívia. Enquanto isso, a administração de Evo Morales tenta conter esse choque, endurecendo seu controle sobre sindicatos camponeses, povos indígenas, sobre o setor dos jornalistas, sobre seus próprios aliados e até sobre os grupos de ativistas de direitos humanos.

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No “processo de mudança” do Movimiento Al Socialismo, a natureza do Estado boliviano não se desprendeu nem por um momento de suas raízes na classes dominante. E o governo de Evo Morales, ainda que alardeie estar construindo um “Estado Plurinacional Socialista Comunitário” (que ninguém sabe explicar o que é), não se afastou nem um centímetro da defesa dos cimentos do velho Estado burguês-latifundiário.

Nos últimos meses, a defesa do velho Estado tem sido férrea e aglutinou toda a cúpula do governo do MAS contra os setores populares, que começaram a criticar e exigir uma verdadeira mudança na vida cotidiana dos bolivianos.

Este ano, os choques entre o governo e os setores populares começaram cedo, em abril-maio, com professores, operários e o caso Caranavi, do norte de La Paz, onde dois estudantes morreram assassinados por balas policiais em meio a uma mobilização de pequenos camponeses que demandava a industrialização de cítricos.

A intervenção policial terminou com os protestos massivos na região, mas começou uma perseguição contra dirigentes estudantis e camponeses, autoridades educativas e advogados dos familiares das vítimas. No início de setembro, o presidente do Comitê de Greve de Caranavi, Sinforiano Cusi, teve sua casa incendiada por desconhecidos.

No fim de agosto, dois ativistas de direitos humanos e advogados das vítimas sofreram a invasão de seus escritórios e o seqüestro de documentação relativa às mortes de Caranavi. O vice-ministro Wilfredo Chávez admitiu em 29 de agosto que a invasão à casa do advogado Jorge Quiroz se deveu a que ele era “algo mais que o porta-voz” das vítimas de Caranavi. Mas, se era advogado delas!

Nesse contexto, os ex-Defensor do Povo Waldo Albarracín, antigo militante dos direitos do povo, informou que, nessa semana da invasão, um grupo de funcionários do Ministério de Governo (do Interior) e um setor de “ativistas dos direitos humanos” se reuniram para fazer uma “lista negra” dos ativistas críticos ao governo. Supostamente os membros da “lista negra” terão seu passado e seu presente investigados e, com essa informação, serão pressionados a qualquer momento.

Como se pode ver, o governo de Evo Morales utiliza os dois pilares do velho Estado para estender seu controle para distintos setores da sociedade. A polícia e as forças armadas, junto à promotoria e o Poder Judiciário, tem se afinado mais que nunca para perseguir e castigar os dissidentes e críticos (e nem tanto) que revelem a falsidade do “processo de mudança”.

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Dois estudantes morreram no choque com a polícia em La Paz

Nesse caso já parece humor negro a censura moral ao artista Diego Morales, que pintou um quadro que representa a falida tentativa de Evo Morales para trazer o concurso de Miss Universo para a Bolívia. Ou a lei antirracista, aprovada recentemente, que proibe a imprensa (sob ameaça de fechamento) de publicar “declarações racistas” ou discriminatórias, venham de onde vierem. Neste caso os caricaturistas e pessoas que fazem humor político pediram clareza na legislação. O certo é que não se sabe se a imprensa poderá publicar declarações de Evo Morales quando animaliza os próprio jornalistas (“frangos de granja”) ou discrimina as dirigentes da Federação Bartolina Sisa ao dizer que “só servem para dançar”.

O controle e a perseguição se estende ao próprio ex-aliado político do MAS: o Movimiento Sin Mado (MSM), que dirige o município (alcaidia) de La Paz. No início de setembro, três oficiais da Escola Militar de Inteligência do exército foram surpreendidos em atos delinquenciais (roubando vendedores ambulantes), quando estavam com uniforme da guarda municipal.

Os membros do MSM denunciaram que o governo havia se infiltrado na alcaidia e no MSM. Mas o Ministro da Defesa negou, mas admitiu que os três militares faziam suas práticas de inteligência como guardas municipais. Dos atos criminosos destes três militares do exército boliviano, contra humildes comerciantes, nada disse.

Obviamente o controle do governo começou por sua própria casa. É vox popoli que os senadores e deputados do MAS, saídos de setores populares, estão proibidos de opinar, criticar ou ter ideias para aportar ao trabalho legislativo. Em 25 e 26 de setembro, o senador do MAS, Manuel Limachi admitiu ante a imprensa que “há senadores que têm medo” de Evo Morales, e que desde 22 de janeiro, o começo da legislatura, estão proibidos de fazer política em suas regiões e que ele mesmo é parte de um “rebanho” que só “levanta as mãos” na hora de aprovar as lei enviadas pelo governo.

Mas, o governo de Evo Morales não está só em sua tarefa de controlar e adormecer os amplos setores populares. Muitos sindicatos acólitos fazem o trabalho sujo de conter dissidências e posições críticas, que são consideradas como “conflitivas e divisionistas”.

A Coordenadora Nacional pela Mudança (Conalcam) que agrupa sindicatos camponeses e indígenas que apoiam o governo, está em processo de aprovar um estatuto interno para vetar e expulsar de suas fileiras os dirigentes que “gerem conflito, enfrentamento ou divisão entre as organizações sociais ou seus representantes no seio da Conalcam”.

A expulsão é também para dirigentes que “não defendam o processo de mudança e sua implementação, que negociem à margem da Conalcam ou de suas organizações sociais com representantes do neoliberalismo”. E neste governo se qualifica de “direitista”, “neoliberal”, “simpático ao imperialismo” justamente qualquer pessoa, inclusive que tenha estado no MAS e que agora tenha uma posição crítica.

Enfim, na Bolívia foi superado o tempo da pugna de frações dentro das classes dominantes, algo que se expressava em uma pugna entre o governo e a denominada “meia lua” (cívicos latifundiários). Essa dinâmica política não fez mais que esconder por um tempo a contradição latente entre os setores populares e o Estado, uma contradição que volta a se ativar porque um dos componentes foi despertado.

Ao longo das últimas duas décadas, o jornal A Nova Democracia tem se sustentado nos leitores operários, camponeses, estudantes e na intelectualidade progressista. Assim tem mantido inalterada sua linha editorial radicalmente antagônica à imprensa reacionária e vendida aos interesses das classes dominantes e do imperialismo.
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