Bolívia: “revolucionário e indígena”, Evo não recebe marcha

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Bolívia: “revolucionário e indígena”, Evo não recebe marcha

Ana Lúcia Nunes, com informações de Analisis y opinión, Bolivia Press, La Razón e Página 7

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Moradores de La Paz saem às ruas em apoio aos Tipnis

Em La Paz, capital da Bolívia, após cerca de 15 dias entrincheirados em frente a Vice-presidência da República, a IX Marcha Indígena em defesa de Pachamama (madre tierra) e dos Tipnis abandona a cidade. Os indígenas não foram recebidos pelo governo, foram proibidos de ingressar na Praça Murillo, a principal da cidade, e seus líderes foram insultados. Mas, os Tipnis e todos seus apoiadores prometem voltar a seus territórios e defendê-los, custe o que custar.

“Pedimos a vocês, humildemente desde a coluna desta marcha, que sigam lutando. Vamos conformar uma Comissão nacional em defesa dos Tipnis e do patrimônio dos bolivianos para defender as 22 áreas nacionais, os recursos naturais, o meio ambiente, os territórios e os direitos de todo o povo boliviano”.

Com esse chamado à luta a Comissão de Comunicação da IX Marcha Indígena em defesa dos Tipnis e de Pachamama deixou as imediações da Praça Murillo, em La Paz, no último dia 11 de julho, após 14 dias de acampamento, protestos e tentativa de diálogo com o governo. Os presentes responderam com gritos de “Tipnis sim! Evo não!”. No dia seguinte, 12 de julho, milhares saíram às ruas em Cochabamba em apoio aos indígenas.

 Mais de 1.500 pessoas haviam marchado, durante 62 dias, desde Trinidad, norte do país, até a capital La Paz. Após 600 km de marcha, muitos deles chegaram doentes e debilitados, mas foram acolhidos pela população que se somou massivamente ao protesto. Por parte do governo, foram recebidos com a polícia, impedidos de ingressar na Praça Murillo, o centro político do país, e tratados como “índios de merda” e “selvagens”.

Os manifestantes exigiam o cumprimento da Lei 180 de proteção aos Tipnis, a anulação da lei 222 de consulta, a desocupação de territórios ocupados ilegalmente por cocaleros em território indígena, no Parque Isiboro Sécure, a prisão dos autores da repressão policial ocorrida em Chaparina, em setembro de 2011, e o fim da perseguição as suas lideranças políticas.

O governo chegou ao cúmulo de tentar desqualificar uma das lideranças da Marcha, Berha Bejarano, afirmando que não poderia haver diálogo, já que se tratava de uma narcotraficante. Bertha é uma camponesa, mãe de 10 filhos que vive da agricultura em Beni, onde foi eleita presidente da Central de Povos Moxeños de Beni. Anos atrás foi presa, no Brasil, acusada de transportar drogas no estômago. Bertha não mente, conta que foi presa e dá sua versão dos fatos: “a verdade é que cometi um erro na qualidade de mulher indígena e pobre. Pensei que fazendo um trabalho ilegal poderia mudar a vida da minha família. Fui presa, mas a justiça foi feita e fui e absolvida” (entrevista ao Jornal El Diario, de La Paz, 12/07/2012). 

Em outubro de 2011, depois da repressão à VIII Marcha em defesa dos Tipnis, Evo havia declarado a região como intangível, mas após a pressão dos cocaleros retrocedeu e agora afirma que é necessário fazer uma consulta à população da região para acabar com os conflitos gerados. Mas, segundo os dirigentes da Marcha, isso não passa de uma estratégia para dividir e cooptar os povos indígenas.

O governo tentou, de todas as formas, desmobilizar a Marcha. Interviu militar e simbolicamente, pressionou e ofereceu favores a várias lideranças indígenas para que assinassem acordos individuais com o governo e abandonassem a mobilização.

Durante o acampamento da IX Marcha em La Paz, o governo cooptou vários dirigentes, como os dos povos Chimán-Mosetén e Takana Amazônica de Pando a assinar acordos por demandas específicas de suas populações com o governo e abandonar a Marcha. O governo lhes prometeu antenas de telefones, carne, leite, médicos e educação em troca do rechaço à Marcha.

Mas a repressão também foi militar. No dia 05 de julho, uma manifestação convocada por Mujeres Creando, uma organização feminista, em apoio e defesa à figura de Bertha Bejarano, que vinha sendo difamada pelo governo, foi duramente reprimida.  O vice-ministro, Jorge Pérez, afirmou que foi a “reação natural” da polícia diante da provocação dos manifestantes.

Durante os 14 dias em que os manifestantes permaneceram em La Paz, eles não foram recebidos por Evo Morales nem por representantes oficiais do governo. Mas, àqueles que afirmam que os Tipnis saíram derrotados da capital, a dirigente Bertha Bejarano responde: “quero dizer ao vice-presidente e ao governo que não foi um fracasso e que os únicos fracassados são eles, os do governo. O apoio à IX Marcha veio de todos os departamentos e de muita gente solidária que apoiou e segue apoiando. O jogo de volta será nos Tipnis e nós vamos ganhar. A consulta não será realizada” (entrevista ao Jornal El Diario, de La Paz, 12/07/2012).

Quem vai ser beneficiado com a estrada?

Para responder a essa pergunta, reproduzimos parte de um artigo publicado no blog Analise e Opinião (06/07/12, em: http://analisisopinion.wordpress.com) :

“O certo é que a estrada beneficiará principalmente ao grande capital e as migalhas cairão sobre algumas populações, outras serão atraídas como mão de obra barata nas atividades geradas pela estrada e muitas mulheres cairão no infame negócio da prostituição, como aconteceu no Projeto Mutún. O “desenvolvimento” oferecido por Evo aos indígenas amazônicos é o “desenvolvimento” imposto pelas classes dominantes aos povos, é o “desenvolvimento” capitalista que acaba humilhando e oprimindo o povo boliviano e roubando seus recursos. Este “desenvolvimento” não é o que necessita o povo boliviano. Os povos podem sonhar com um desenvolvimento diferente, mas para isso devem construir uma alternativa fora dos estreitos limites do velho Estado, incluindo seu ‘processo de mudança’ com traços fascistas”.

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