Brava luta por cultura popular

https://anovademocracia.com.br/57/23a.jpg

Brava luta por cultura popular

Com 11 anos de existência na periferia da zona sul de São Paulo, a Brava Companhia Teatral mantém um diálogo constante com a comunidade local, que a ajudou a ter uma sede onde acontecem apresentações teatrais, oficinas, debates, sempre tendendo para a criação junto ao povo e para ele. Com 7 atuadores, a trupe acredita que ‘fazendo se vai entendendo o seu próprio fazer’, e além das apresentações ’em casa’, circula pelas ruas e espaços fechados do país.

http://jornalzo.com.br/and/wp-content/uploads/https://anovademocracia.com.br/57/23a.jpg
Os espetáculos que a Brava encena nas ruas
criam diálogos vivos com a platéia

Há aproximadamente quatro anos existiu uma luta no Jardim São Luis, que pertence administrativamente à subprefeitura de M’Boi Mirim, pela ocupação de um espaço abandonado, que havia sido um ‘sacolão’. A sociedade se organizou para exigir do poder público a liberação do espaço para a cultura, e como já existia a nossa ação no bairro, com um trabalho intenso ao lado de outros grupos organizados, movimentos e associações de bairro, fomos convidados para essa ocupação, passando a fazer dele a nossa sede — conta Fábio Resende, ator do grupo e diretor do último espetáculo.

Até então a Brava tinha uma casa que fazia de escritório e seus ensaios se davam em locais emprestados. Na nova sede, o grupo fez melhorias materiais, como a construção de uma parede, para que outros grupos pudessem usar o local simultaneamente em ensaios, oficinas, apresentações.

Segundo Fábio, a participação do povo com criação de um pensamento crítico e consciência política é notória, contudo, a partir deste ano aconteceram várias tentativas, por parte do poder público, de despejar o grupo.

A mesma subprefeitura que um dia permitiu que ocupássemos, passou a investir para nos tirar daqui. Derrubaram a parede que construímos alegando que não tínhamos um projeto arquitetônico registrado, e colocaram uma série de empecilhos para nossas atividadesconta.

Várias tentativas de pressões políticas contrárias aconteceram, mas, para surpresa deles, novamente a sociedade se organizou, incluindo a comunidade local, parceiros, grupos teatrais de São Paulo e até outros estados. Unimo-nos, fizemos um manifesto, isso repercutiu e permanecemos no local. Voltamos a reformar o espaço e reconstruir o que eles destruíram continua.

Todos os componentes da Brava nasceram em bairros proletários na periferia, e sua ação sempre foi junto às comunidades distantes do centro e bairros com melhores condições de saúde, educação e cultura, optando por um teatro de arena, para ficar mais próximo do povo. O teatro de rua, que apresentam também no centro da cidade e em várias partes do país, surgiu exatamente por esse seu estilo de apresentações.

Somos um grupo de teatro com uma posição de pesquisa em relação à rua, e cada espetáculo nosso dialoga de um jeito com ela, porque acreditamos que é um espaço amplo com muitas possibilidades estéticas a serem exploradas de fato. Dentro disso temos diálogo vivo, então mutável, com a platéia, e o que fazemos para a rua também pensamos para o nosso espaço e outros que existem pela cidade declara.

Nesses anos de existência, já montamos nove espetáculos, com os quais circulamos pelas comunidades das periferias da cidade, em um total de mais de trezentos bairros, sendo que na maioria, voltamos mais de uma vez. Também já fizemos vários trabalhos de oficinas regulares e não regulares nesses locaisacrescenta Fábio, que esteve também se apresentando nas ruas de Florianópolis recentemente.

Falando para o povo

Temos claro com quem queremos falar em nossos espetáculos, que são os trabalhadores, o povo, mantendo discussões e provocando novas outras, em locais fechados ou nas ruas das periferias, centro ou outras partes, sendo que o nosso discurso é de onde viemos e qual o nosso entendimento de mundo, mantendo essa relação com o povo, através de um teatro não comercial continua.

Fábio diz que o teatro da Brava apóia-se em opções estéticas diversas, como o teatro épico Brechtiano, mas com uma pesquisa e criação própria.

Ás vezes nos apropriamos de coisas que estão profundamente arraigadas, impostas pela TV e algo no gênero, para discuti-las, mas não reproduzi-las, porque procuramos fazer um teatro que traga uma discussão vinda da sociedade no tempo histórico em que vivemos, dialogando com questões que deveriam ser populares. Queremos um teatro que tenha uma função social, e só isso já nos causa vários ‘problemas’ positivosfala.

A Brava, nosso último espetáculo, que estamos encerrando agora, surgiu em um momento complicado, quando estávamos sem sede, local para ensaiar, e sem nosso repertório antigo. Isso fez com que pensássemos em tudo que estávamos fazendo até então, e trouxéssemos uma discussão à tona no espetáculo: ‘para que estamos lutando hoje e qual a nossa busca’? — declara.

Fica claro que nos colocamos em xeque no espetáculo, que se apropria da história da Joana D’Arc para poder dizer o que queremos de uma maneira épica, e trazer discussões. A peça também trata de maneira simbólica da imposição cultural americanizada, através de vários elementos que aparecem durante o trabalho continua.

O próximo espetáculo da trupe O errante, que estréia no final deste ano, tem como eixo de pesquisa o mundo das imagens, usadas para atrair e iludir o povo.

São as ‘imagens que nos cercam, imagens que nos cegam’, uma crítica que fazemos à maneira espetacular de ver a vida, conduzida por uma coisa chamada mercadoria. É uma discussão que trazemos para o povo sempre cercado de imagens, através de um andarilho que se apaixona por uma imagem de uma grande atriz, que é a mercadoria. Então segue essa imagem pensando que ela também o ama, e no decorrer da peça percebe que tudo aquilo era uma ilusão programada e, conscientizado disso, tenta fazer uma revolução — antecipa.

Usamos elementos completamente espetaculares para criticar o próprio espetáculo, sempre nos colocando em xeque, para que o povo não nos veja como uma verdade absoluta, mas também possa nos criticar, e isso também gerar críticas e descobertas neles próprios diz.

Quando falamos de teatro popular, caímos em um entendimento desse teatro que a reprodução de contos populares, e começamos a reproduzir isso, de certa forma, seguindo uma ordem estabelecida. Mas quando nos propomos a revelar coisas escondidas na sociedade, trazemos uma discussão mais ampla e com esta, surgem descobertas e um deslocamento de quem assiste e de quem faz — acrescenta.

No final dos espetáculos, a Brava sempre faz um debate, mesmo quando na rua.

Normalmente conversamos sobre o tema, as pessoas questionam como chegamos a tal idéia, e cai na temática do espetáculo colocada no tempo atual e as questões sociais, virando uma rica discussão. Mas uma coisa que temos colocado nos últimos tempos é a maneira como o grupo se organiza, de forma coletiva, sem a importância ou a corrida desenfreada pelo lucro, colocando a arte, o coletivo, o social na frente do benefício próprio individualista. Isso causa um grande interesse no povo, acostumado com visão capitalista de mundo finaliza Fábio.

Ao longo das últimas duas décadas, o jornal A Nova Democracia tem se sustentado nos leitores operários, camponeses, estudantes e na intelectualidade progressista. Assim tem mantido inalterada sua linha editorial radicalmente antagônica à imprensa reacionária e vendida aos interesses das classes dominantes e do imperialismo.
Agora, mais do que nunca, AND precisa do seu apoio. Assine o nosso Catarse, de acordo com sua possibilidade, e receba em troca recompensas e vantagens exclusivas.

Quero apoiar mensalmente!

Temas relacionados:

Matérias recentes: