Bravas histórias da resistência

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Bravas histórias da resistência

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Nesta reprodução do quadro de William Cary, o jovem guerreiro Touro Sentado
manda o tenente Warren, comandante de uma expedição que invadiu as Black Hills,
voltar para as terras do homem branco

"As vertentes marrom-esverdeadas estavam salpicadas de cavalos mortos e objetos que pareciam pedras brancas. Os dedos de Godfrey tremiam ao segurar o binóculo. 'Os mortos!', respondeu roucamente. (…) 'Como estão brancos!', disse Weir. 'Como estão brancos!'"1.

Foi assim que Dee Brown reconstituiu criativamente o impacto que os oficiais ianques certamente sofreram ao se depararem com o indício da maior derrota do 7° Regimento de Cavalaria. Um quadro se revelou aterrador, após o 25 de junho de 1876, no vale do rio Little Big Horn, em Montana (USA), para um exército que nasceu cultuando a rapina.

Comandadas pelo (até então) invencível coronel George Armstrong Custer (1839-1876), as tropas foram totalmente massacradas graças à tática empregada pela aliança entre dois povos irmãos, sioux e cheyennes, numa emboscada em que nenhum sobrevivente do exército ficou para contar a história. Quer dizer… alguém, que não falava, sobrou e em 10 abril de 1878 foi promovido a oficial imediato, conforme a Ordem Geral nº 7. Tratava-se de um cavalo chamado Comanche.2 Little Big Horn marca a resposta dos índios contra a repressão perpetrada por ladrões de terras e de vidas a serviço do Estado. No clima de uma campanha de anexação constante de territórios, desde o início da sua formação, o USA voltou-se contra as regiões não mais colonizadas pelos franceses e espanhóis, confinando grandes nações indígenas e arrastando-as para as terras imprestáveis, denominadas reservas, onde deveriam morrer à míngua, ainda que dentro de seu próprio país. Os que não se submetiam tinham de enfrentar um exército superior em técnica e em equipamentos. Naqueles anos, os grandes heróis índios eram representados por Nuvem Vermelha (Makhpiya-Luta), Touro Sentado (Tatanka Iyotake) e Cavalo Doido (Tashunka Witco).

Depois do ataque chefiado por Custer contra uma pacífica aldeia no território cheyenne, em Washita, numa noite de 1868, esse coronel foi promovido a herói nacional e os índios passaram a considerá-lo um dos mais pérfidos inimigos. Na ocasião, não foram poupados nem mesmo crianças, mulheres ou anciãos. O ataque ocorria dois anos depois de fundado o 7º Regimento de Cavalaria, logo após terminada a guerra civil.

Dee Brown, em seu ensaio histórico, reconstrói a bravura indígena no discurso de Cavalo Doido sobre sua terra: "Os povos sioux pertencem a este lugar e nenhum homem tem o direito de intervir e dizer-nos que não devemos ir aonde nos agrade. Mas matar é sempre uma coisa ruim e o braço do Pai Branco é comprido, certamente será levantado furioso contra seus filhos vermelhos. Porém, é possível que os soldados do Pai Branco tenham aprendido a lição e haja paz"3.

"Acharam o Custer no ponto mais alto, com dúzias de cavalos mortos e uma tropa completa de cadáveres ao seu redor. As únicas marcas nele eram feridas de bala na têmpora e no peito (…)."4

Depois da humilhação, Washington decidiu tratar os índios das reservas como prisioneiros de guerra. O Tratado de Paz de 1868 foi revogado, tirando a terra dos índios. Em dezembro de 1890, um novo massacre (o de Wounded Knee) pôs fim à resistência sioux. O famigerado 7º Regimento foi modernizado. Cometeu outras incursões, inclusive no Vietnã (quase dizimado numa manobra em que foi cercado por 2.500 vietnamitas da Frente Nacional de Libertação) e na Guerra do Golfo. As derrotas em Little Big Horn, no Vietnã e no Iraque demonstram que não basta uma batalha para aniquilar o monstro. É necessário matar o ventre que o pariu e o alimenta: o imperialismo.

 

Casal Rosemberg

Trabalhadores, cientistas, escritores e artistas são violentamente perseguidos, no USA e nos países sob influência do imperialismo. Em 1953, o imperialismo desfere, em várias partes do mundo, golpes mortais contra o povo trabalhador. Na Iugoslávia, o revisionismo no poder, dirigido por Tito, muda o nome do Partido Comunista e sua estrutura revolucionária. Estabelece tratados militares com a Grécia e Turquia, que ingressam na OTAN. São implantados modelos de "segurança nacional" em vários países da América Latina, inclusive no Brasil. Kruschov, encabeçando uma organização contra-revolucionária, articula sua chegada ao poder após o falecimento de Stálin, em 5 de maio. Na Hungria ocorre um movimento de restauração capitalista. A guerra na Coréia vai chegando ao fim e, em julho, os ianques assinam um armistício incondicional, mas se recusam a restabelecer a paz e mantêm efetivos ao Sul.

Em 7 de maio o imperialismo francês é derrotado na Batalha de Dien Bien Phu e o plano tramado pelo USA e França (Plano Vantour) de arrasar várias cidades do Vietnã é inteiramente esvaziado. Em 21 de julho são assinados acordos que criam a partilha do Vietnã em dois Estados, separados pelo paralelo 17, e que seriam reunificados em 1956, com eleições livres e gerais. Os acordos se estendiam ao reconhecimento da independência do Vietnã, Camboja e Laos, proibindo expressamente o envio de tropas para esses países. O USA não firmou os acordos, dizendo se comprometer em não violá-los.

O USA está informado de que a URSS faz os preparativos para o lançamento da bomba de hidrogênio sete meses antes do imperialismo. Em 19 de junho de 1953, a Corte ianque autoriza o assassinato (execução legal) do casal Ethel e Julius Rosemberg, no USA, sob a falsa acusação de espionagem em favor da URSS.

Alegre e verde, meus filhos, verde e alegre
Será o mundo sobre nossas campas.
(Trecho do poema de Ethel Rosemberg dedicado a seus filhos)

Heroísmo revolucionário

Também um outro 19 de junho é lembrado como el Dia de la Heroicidad. Em 1986, no Peru, 300 prisioneiros políticos do Exército Popular do Peru enfrentaram heroicamente as forças fascistas e pró-ianques em três prisões: El Frontón, Lurigancho e El Callao. Munidos de armas caseiras e alguns fuzis que conseguiram capturar durante os combates, os detentos enfrentaram a ofensiva de metralhadoras, armas antitanques e helicópteros.

Os presos haviam transformado as penitenciárias nas "luminosas trincheiras revolucionárias", não permitindo que o confinamento fizesse esmorecer a causa da guerra popular iniciada em 1980, mantendo-se organizados nos estudos, no treinamento físico e no trabalho produtivo. Sentido-se acuado frente à força dos rebeldes, o governo assassinava os presos que dizia estar "transferindo". Os internos e internas tomaram os principais presídios políticos e clamaram: "Resistiremos. Não nos transferirão com vida!". Entre as suas exigências estava a de reconhecê-los como prisioneiros de guerra e a de não aceitar o tratamento de "terroristas", já que o Estado que os capturara e os assassinava em surdina é que era verdadeiramente terrorista, genocida e lacaio do imperialismo. O governo não suspendeu os desaparecimentos dos revolucionários e permaneceu ocultando o paradeiro dos "transferidos". Quando não suportou mais a resistência dos prisioneiros, desencadeou os massacres.

Em El Frontón, os revolucionários resistiram durante dois dias. Em Lurigancho lutaram por um dia inteiro. O mesmo se deu em El Callao. Em todos os presídios um triste saldo de prisioneiros assassinados.

O assassinato de centenas de soldados do EPR não intimidou os revolucionários e fortaleceu a luta popular e democrática, tanto no Peru quanto em outras partes do planeta. A declaração do Comité Central del Partido Comunista del Peru, logo após o massacre, exemplifica: "A gloriosa morte beligerante destes prisioneiros de guerra se veste com o sangue já vertido e, diante dela, comunistas, combatentes e filhos do povo, armados, assumimos o compromisso indeclinável de seguir seu luminoso exemplo, para, desenvolvendo a guerra popular, servir à revolução mundial (…)".

Jaime Petit5

Jaime Petit da Silva, paulista de Jacaranga, nascido em 18 de junho de 1945, logo começa a trabalhar, pois cedo perdeu seu pai. No início dos anos 60, mora e estuda no Rio de Janeiro. Em 1962, Minas entra em sua vida: muda-se para a cidade de Itajubá, com o irmão Lúcio. Entra para o Instituto Eletrotécnico de Engenharia em 1965. Ministra aulas de Matemática e Física em Itajubá e Brasópolis. Milita no movimento estudantil, sendo eleito presidente do Diretório Acadêmico de Engenharia, em Itajubá, em 1968.

Jaime é preso em 1968, no histórico 30° Congresso da UNE, em Ibiúna, SP. Militante do Partido Comunista do Brasil, sofre com o acirramento da repressão a partir da edição do Ato Institucional n° 5 (AI-5). Por isso, abandona o curso de Engenharia e vai para o interior, em 1969, onde trabalha como eletricista.

Documentos do Centro de Inteligência do Exército dão conta de que Jaime foi condenado à revelia por suas "atividades subversivas", a três anos de detenção pela 2ª Auditoria do Exército. Com outros camaradas do Partido Comunista do Brasil, chega ao Araguaia na década de 70. Lá, já estavam seus irmão Lúcio e Maria Lúcia.
Segundo versão oficial, estaria "desaparecido" desde o dia 29 de novembro de 1973 quando travou combate com integrantes das forças comandadas por militares pró-ianques.

Sua memória é preservada no bairro Visconde do Rio Branco, em Belo Horizonte, por toda a rua Jaime Petit da Silva.

Zuzu Angel

Em Angélica, Chico Buarque perguntava: "Quem é essa mulher?". E Zuleika Angel Jones era seu nome.

Nascida em 5 de junho de 1923, em Curvelo (MG), ficou internacionalmente conhecida como a estilista Zuzu Angel. Mas não foi apenas a moda que projetou Zuzu. Depois do assassinato de seu filho Stuart, em 1971, nas dependências da Aeronáutica, ela se tornou uma militante contra as atrocidades da contra-revolução no período do gerenciamento militar.

Zuzu passou parte de sua vida em Belo Horizonte. Vinda de família de classe média, tornou-se costureira e, mais tarde, designer. Sua marca era misturar materiais inusitados, como panos de colchão, fitas de gorgurão, rendas do norte, pedras preciosas etc, criando uma moda tipicamente brasileira. Um anjo era a logomarca da confecção que ela assinava.

O "desaparecimento" do filho provocou uma sensível transformação em suas roupas. Por conta disso, politizou suas criações, transformando o fútil mundo da alta costura em palco para denúncias sociais. As figuras agora eram de anjos amordaçados, meninos aprisionados, sol atrás de grades, balas de canhão e pássaros engaiolados, compondo o que ela mesma classificara como "a primeira coleção de moda política da história".

A morte do filho Stuart Edgard Angel Jones, estudante e militante político, fez com que Zuzu passasse a dedicar sua vida a denunciar esse e outros crimes da ditadura. Fez contatos internacionais, mobilizou a imprensa, foi ao senado estadunidense: queria reaver o corpo do filho, cuja morte e prisão nunca foram admitidas pelos militares. Dizia: "Eu não tenho coragem, coragem tinha meu filho. Eu tenho legitimidade!".

No dia 17 de abril de 1976, Zuzu morreu num acidente de automóvel que parece ter sido tramado por militares fascistas. O veículo foi arrastado para uma ribanceira de cinco metros de altura. Dias antes, ela deixara, na casa de Chico Buarque, um documento que deveria ser publicado se algo lhe acontecesse. Ela atribuía a responsabilidade do que pudesse lhe ocorrer às "mesmas pessoas que mataram meu filho".

Em sua memória, o projeto Rua Viva deu o nome de Rua Zuzu Angel a uma via do Bairro Belvedere, em BH. No Rio de Janeiro, o Túnel onde ocorreu o "acidente" leva seu nome.

Itair José

Itair José Veloso nasceu em 10 de junho de 1930, em Minas Gerais. Militante sindical desde a década de 50, sofreu com a perseguição dos órgãos de repressão após o golpe de 64. Membro da corrente prestista (Partido Comunista Brasileiro), viveu na clandestinidade. Desde 1975 é dado como desaparecido. No entanto, denúncias dão conta de que foi assassinado durante uma sessão de tortura.

Itair foi operário, apontador de obras e líder sindical da construção civil no Rio de Janeiro. Desde 1953 militava no movimento sindical, também fazendo parte da Juventude do PCB. Em 1961, dirigiu o Sindicato dos Trabalhadores da construção civil, de Niterói e Nova Iguaçu. Durante o governo João Goulart (1961-1964) esteve à frente de uma delegação sindical que participou de um encontro internacional em Moscou.

Depois do golpe de 64, teve a casa invadida por policiais do DOPS (Delegacia de Ordem Política e Social). Por sorte não estava lá. No dia 25 de maio de 1975, disse à família que sairia para um encontro e que voltaria no mesmo dia. Nunca mais retornou. De acordo com declarações do sargento Marival Chaves (Veja, 18/11/92), Itair teria sido preso por agentes do DOI-CODI (Departamento de Operações e Informações – Centro de Operações e Defesa Interna). O sargento disse ainda que Itair morreu de choque térmico, sob tortura, numa casa em Itapevi, SP. Uma avenida no Bairro das Indústrias, na capital mineira, agora ostenta o seu nome.


1 Brown, Dee. Massacre! Índios derrotam Custer em Little Big Horn, São Paulo. Edições Melhoramentos, s/d, p.170
2 Idem. p.178
3 Ibidem. p.147
4 Ibid. p.171
5 As informações biográficas referentes a Jaime Petit, Zuzu Angel e Itair José Veloso foram retiradas do livro Rua Viva – Homenagem aos mortos e desaparecidos políticos mineiros.
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