Greve dos mineiros de 1945
A região de Criciúma, ao sul de Santa Catarina, é conhecida por possuir a maior jazida de carvão mineral do país.
Com a primeira mina aberta timidamente em 1913, a região viu surgir uma das classes trabalhadoras mais combativas e valentes do Brasil, marcada pelas condições extremamente insalubres do seu trabalho: os mineiros, formados inicialmente por imigrantes açorianos e por outros trabalhadores, descendentes de escravos negros vindos do litoral, principalmente de Laguna, Imbituba e Jaguaruna.
As cidades, que até então eram formadas por imigrantes poloneses e alemães e viviam somente da agricultura, foram transformadas pelo crescimento vertiginoso da indústria carbonífera local que, se trouxe lucros e ofereceu empregos, também trouxe a poluição do ar, do solo e das águas de todos os rios da região, com raras nascentes de exceção.
A região passou a viver exclusivamente do extrativismo, sofrendo com as oscilações político-econômicas do planejamento energético nacional, a exemplo da Segunda Guerra Mundial, quando houve um grande aumento na demanda do carvão brasileiro para suprir o mercado internacional. Novas minas surgiram e centenas de trabalhadores migraram para a região. Estes trabalhadores vivem — desde aqueles tempos a situação permanece — num misto de coragem e medo, sob o perigo iminente de desabamentos e explosões a mais de 100 metros abaixo da superfície e o risco de adoecer precocemente graças à moléstia conhecida como pneumoconiose, que é a destruição dos pulmões através da inspiração de partículas de carvão, que grudam nos alvéolos pulmonares.
Em 1945 surgiu o Sindicato dos Trabalhadores da Indústria de Extração do Carvão de Criciúma, numa conjuntura histórica de organização geral, via Estado. Até 1957, a diretoria do sindicato foi formada exclusivamente por pelegos, ao agrado dos mineradores, propondo sempre medidas conciliatórias, de negociação dos mineiros com os patrões. A ausência de trabalhadores nas reuniões do sindicato, que exigiam posições mais definidas e decisivas, como greves, evitando a passividade nestes anos todos da não-representatividade da diretoria, revelava o caráter corporativista das diretorias que chegavam a delatar os líderes de todas as greves aos donos das empresas.
Mas o movimento autêntico dos mineiros crescia, ano a ano, e pressionava as diretorias sindicais a ponto de, em 1957, haver uma renúncia coletiva da chapa eleita. Uma nova eleição foi realizada. Os autênticos e combativos operários passaram a compor a nova diretoria do sindicato. Formou-se, visivelmente, nas palavras da pesquisadora Terezinha Gascho Volpato, um “foco gerador e irradiador de revolta do trabalho contra o capital”.
Raízes da intriga
Irredutíveis na resistência operária, os mineiros ativistas eram vítimas constantes da intriga e da difamação promovidas pelo clero.
O discurso predominante era o da “cooperação entre classes”, para o “bem comum”, para a “construção da grandeza da nação” e de alerta aos mineiros, “para não se deixarem envolver com os agitadores e perturbadores da ordem, infiltrados entre homens honestos e ordeiros, semeando a discórdia e a revolta”, exemplifica Volpato. Criar a imagem de um comunismo ameaçador (especialidade da casa, quer dizer da Igreja), associada à estratégia de que o espírito maligno dos comunistas estava incorporado nos trabalhadores das minas, era o serviço complementar que também o clero, em conluio com os patrões, prestava ao sistema.
Os trabalhadores das minas conseguiram bravamente destroçar as contra-campanhas e denunciar para os diversos setores da população as condições insalubres e precárias de trabalho, a exploração a que eram submetidos no interior das minas e a insegurança a que ficavam expostos à medida que arrancavam das entranhas da terra brasileira imensas fortunas de que se apossavam um grupo de ricos vagabundos protegidos pela lei e pela religião.
Em 1960 é deflagrada uma das mais significativas greves da categoria que se estendeu por 28 dias de numerosos confrontos com as forças policiais. Corajosos piquetes impediram que caminhões trouxessem trabalhadores novatos, desesperados diante da iminência de perder seus empregos em outras regiões caso não chegassem às minas. Os novatos entenderam que podiam sustentar a tática de que haviam feito o possível para trabalhar. Os patrões se deparavam com provas irrefutáveis de que os grevistas a tudo estavam dispostos para fazer valer seus direitos.
Volpato chama atenção para o dinamismo do movimento dos mineiros documentado na “frequência de reuniões e assembléias gerais realizadas pela categoria, bem como pela participação ativa dos sindicalizados nas campanhas e bandeiras levantas pelo órgão de classe.” Os líderes também frequentavam reuniões e audiências com membros do Ministério do Trabalho, onde faziam valer as justas reivindicações da categoria. É interessante notar que o carvão tabelado pelo governo era a referência com que os patrões estabeleciam os salários, depois de assegurado o preço do produto a ser vendido às empresas estatais.
Com a nova vitória dos autênticos em 1961, os mineradores começaram a disseminar entre os mineiros táticas para dividir o sindicato e enfraquecer o crescente movimento operário. E foi com o apoio do clero, da Delegacia Regional do Trabalho e de todas as indústrias carboníferas da região, que surgiu o segundo sindicato, cujas diretrizes eram explícitas: “promover a colaboração entre patrões e operários” a fim de livrar os operários “das garras do comunismo” e “dos elementos comunistas e agitadores” que comandavam o primeiro sindicato.
Impostor com guarda-costas
O sindicalismo impostor caracterizava-se pelo assistencialismo médico, além do oferecimento de bolsas de estudo, modelo que viria a se padronizar entre os sindicatos durante o gerenciamento militar.
A heróica resistência dos mineiros ao sindicalismo burocrático foi desmontada pelo aparato repressor. Dez dias após o golpe contra-revolucionário de abril de 1964, os principais dirigentes mineiros de Criciúma foram impiedosamente lançados aos cárceres. Destino idêntico acolheu dezenas de trabalhadores combativos de demais categorias.
Vale lembrar, às intrigas e difamações do clero juntaram-se outras tão logo foi instaurado o regime contra-revolucionário e entreguista que atribuía a culpa pela instabilidade econômica e política no país a todos os descontentes, especialmente os trabalhadores produtivos, estudantes e intelectuais, como se eles fossem os artífices da ruína nacional. Em particular entre os operários, o pretexto servia para desencadear uma impiedosa repressão sobre as lideranças, suprimindo as formas legais da luta econômica (lutas salariais e garantias trabalhistas de uma maneira geral), impondo interventores e falsas lideranças fabricadas pelo clero e pelos patrões associados ao imperialismo, de maneira a fortalecer o modelo de sindicalismo burocrático, assistencialista e a cooperação entre as “classes produtoras”.
Até os últimos anos da década de 70 a letargia era a característica do sindicato, muito observado pelos serviços de inteligência do Estado.
Mas a crise mundial do petróleo, o desequilíbrio da balança de pagamentos, a crescente dívida externa, o desemprego e a produção de bens materiais em mãos do capital estrangeiro resultou num quadro de ruínas, até então, sem precedentes na história do país.
As dificuldades do desgastado gerenciamento militar se agravaram, a ponto de não conseguir conter os movimentos espontâneos de massa com o uso exclusivo da repressão aberta. As proibições sobre atividades de caráter educativo, congressos, formação de bibliotecas, manifestações e atos públicos, foram flagrantemente desprezadas pelos trabalhadores que retomavam a construção das liberdades democráticas em todo o país.
Somente a partir de um determinado momento da “fase de transição, lenta e gradual” — final da década de 70 a 1985 — é que, nos viveiros do “sindicalismo de resultados” e da social-democracia, a produção de quadros oportunistas consegue atingir a quantidade necessária para socorrer os grandes patrões e administrar as greves que eclodiam em todo o Brasil. O controle do imperialismo sobre os sindicatos passa a ser disfarçado com discursos radicais que enfatizavam a “redemocratização” e a doutrina da Terceira Via, forma utilizada para apagar as pegadas do oportunismo de direita no comando dos movimentos espontâneos. Mais tarde, fecha-se o cerco com a filiação das confederações sindicais à Ciosl1.
A crise do imperialismo devolveu ao carvão mineral a importância de outras épocas e a sua produção, mecanizada, quintuplicou. Mas a mecanização implantada no final dos anos 70 não trouxe benefícios para a categoria. Ao contrário, aumentou a produtividade2, a poluição no ambiente de trabalho (sobre a qual os ambientalistas se calam), os riscos de acidentes de trabalho, principalmente devido a falta de treinamento para lidar com os novos equipamentos. Volpato nota um “retrocesso tecnológico” nas atividades manuais.
Com o fim do gerenciamento militar, os mineiros retomaram o sindicato. Uma das maiores conquistas foi assumir a administração da massa falida da Companhia Brasileira Carbonífera de Araranguá, em 1987, após greves e meses sem salário. Aos poucos os mineiros obtêm ganhos, como uma clínica médica onde fazem exames periódicos para verificar o estado de seus pulmões e podem submeter-se às cirurgias em caso de acidentes, além da substituição dos caminhões por ônibus para realizarem o transporte dos trabalhadores. O sindicato de Rio Maina, aquele que nasceu para dividir os mineiros, tornou-se combativo e hoje é também um exemplo de luta.
O fato de que as demais categorias de trabalhadores locais sempre procuram saber a posição dos mineiros antes de qualquer ação mostra sua importância e referência política na região, mesmo quando esse contingente não soma mil homens.
Notas da redação: 1 Ciosl — Confederação Internacional dosSindicatos Livres. Uma dissidência criada em 1949, sob instigação dos imperialismos ianque e inglês para sabotar a gloriosa Federação Sindical Mundial (FSM). As centrais sindicais (CUT, Força Sindical etc.) são filiadas a Ciols, cujo braço para a América Latina é o Orit (Organização Regional Interamericana de Trabalhadores), localizada no México. Já a FSM foi fundada em 1945, em Paris, no I Congresso Mundial dos Sindicatos. O último Congresso da FSM foi realizado em Pequim, em 1960. O social-imperialismo russo encarregou-se de destruí-la, cumprindo seus acordos com o imperialismo ianque. Hoje, a cabeça do oportunismo usa a sigla FSM como iniciais do torpe Fórum Social Mundial, buscando aliciar setores progressistas da sociedade com teorias que dizem “humanizar o imperialismo”. 2 Produtividade. Sob o capitalismo a produtividade diminui a unidade de tempo ampliando as atividades produtivas, quando é notório o crescente gasto da parte da força de trabalho não paga.