A pequena cidade de Conceição do Araguaia, situada no extremo sul do Pará, lugar com maior número de assentamentos do Brasil, acordou no dia 2 de abril com os fogos que anunciavam a chegada da Liga dos Camponeses Pobres.
Mais de 300 camponeses do Pará e Tocantins iniciaram seu Congresso e um ato público na feira da cidade. A forte chuva do dia anterior não tirou o entusiasmo dos que vieram das proximidades e de muito longe para marcar o início de um nova etapa na luta camponesa da região.
O Sul do Pará é de economia essencialmente agrária, historicamente marcado por diversas e sangrentas lutas camponesas. A mais conhecida delas foi a Guerrilha do Araguaia, conflito de grandes proporções que ocorreu durante a década de 70 e que até hoje mantém sua memória arraigada e celebrada no seio do povo paraense pobre. Já na década de 80, a corrida pelo ouro no garimpo de Serra Pelada gerou uma forte migração para a região, trazendo um enorme contingente de homens em busca de vida melhor. Nesse ambiente, o que nunca faltou foram embates entre camponeses pobres e os latifundiários, sendo que o Massacre de Eldorado do Carajás (1995) foi o que ganhou os maiores holofotes do monopólio da imprensa, nacional e internacional.
Foram necessários mais de dois meses de preparação para a realização do Congresso da Liga dos Camponeses Pobres do Pará e Tocantins. Um encontro de delegados aconteceu em março, quando foi discutida a cartilha dos camponeses combativos, a situação em cada área, e a preparação para o Congresso. Após o encontro, os coordenadores se dividiram em comissões para visitar e convidar representantes de outras áreas, além de levantar os recursos necessários para a realização do Congresso.
Os camponeses, entusiasmados, contribuíram oferecendo parte de suas economias para a realização do Congresso, garantindo recursos que se destinaram à alimentação e ao transporte no dia do Congresso. O convite e o anúncio foram lançados em toda a região sul do Pará e norte do Tocantins. Ainda assim, grandes dificuldades materiais impediram que muitos camponeses participassem do encontro.
Um novo tempo
Organizados em quatro colunas, os trabalhadores iniciaram sua marcha com bastante vigor e punhos ao alto, entoando Conquistar a Terra, Destruir o latifúndio! Viva a Revolução Agrária!
As exigências feitas pelos camponeses estavam estampadas no panfleto distribuído durante a manifestação:
Cobramos nossa terra! Cobramos o sangue derramado por centenas de camponeses, posseiros, castanheiros, lutadores do povo, assassinados pelos pistoleiros do latifúndio, assassinados pelo Estado serviçal do imperialismo! Cobramos não ter nada, enquanto meia dúzia de latifundiários e grandes empresas estrangeiras arrancam bilhões de dólares de nosso solo e subsolo! Cobramos não ter trabalho, não ter terra, não poder mexer em nada.
Para nós tudo é reserva, para nós a lei é cruel; mas para os latifundiários, grandes burgueses e imperialistas, a lei é branda! Nós não podemos trabalhar, eles podem matar e mandar matar, grilar terras, deixar boi morrer no pasto!
Cobramos as estradas esburacadas! Cobramos saúde e escolas!
Os camponeses ainda exigiam o fim da ação da força tarefa policial e das perseguições às lideranças camponesas combativas. Também denunciavam a lei de gestão de florestas, aprovada recentemente pela gerência colonial FMI-PT, afirmando que esta lei é a mais descarada entrega de nosso território e de nossas riquezas ao capital financeiro e aos estrangeiros.
A terra que esteve em maõs alheias
Durante o ato, a população ajudava as crianças com garrafas de água para amenizar o forte calor. Ao passar pela feira de produtores de Conceição, centenas de pessoas pararam para escutar as denúncias dos camponeses e ouviram com simpatia os pedidos de apoio à luta pela conquista da terra.
A comitiva do “governo estadual” — que havia passado pela cidade no dia anterior para inaugurar algumas obras de caráter eleitoreiro — só arrastou consigo meia dúzia de puxa-sacos. O povo da cidade nem se deu ao trabalho de presenciar mais um dos muitos circos que serão armados esse ano.
Duas semanas após o Congresso da Liga dos Camponeses Pobres, camponeses de várias áreas decidiram ocupar a sede do Incra e do Ibama de Conceição do Araguaia. Eles exigem o fim da morosidade nos processos de regularização de suas áreas, assim como o fim do terror da força tarefa policial em todo o sul do estado.
Já no ato público que deu início ao Congresso, a população recebeu com alegria a chegada da Revolução Agrária, se incorporando à manifestação pelas ruas e à plenária do Congresso. Após o ato, os camponeses retornaram para o ginásio de esportes para dar continuidade ao evento.
O atraso do almoço não acabou com o ânimo dos presentes e a plenária se iniciou mesmo sem que todos tivessem almoçado. Com muita seriedade e vigor os camponeses entoaram um dos mais lindos hinos do movimento camponês, Conquistar a terra, (Agora nós vamos pra luta/ a terra que é nossa ocupar/ a terra é de quem trabalha/ a história não falha/ nós vamos ganhar)…
Logo depois ouviram a saudação das entidades convidadas: Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Conceição do Araguaia, Associação de Moradores de Bairro de Redenção, Escola Popular do Acampamento União, Movimento Estudantil Popular Revolucionário (MEPR), Comitê de Apoio à Luta pela Terra de Conceição do Araguaia, Sindicato dos Servidores Públicos Federais (Sintsep — Pará), Sindicato dos Rodoviários e da Construção Civil de Belo Horizonte. As intervenções eram respondidas com calorosos aplausos e palavras de ordem.
Os camponeses que se dispuseram a falar colocaram em suas palavras a importância e a dimensão do encontro, a necessidade de uma forte organização como a Liga dos Camponeses Pobres num lugar da grande concentração de terras nas mãos do latifúndio e de constantes conflitos agrários.
Próximo ao encerramento do Congresso, a Coordenação Regional da Liga de Camponeses Pobres pronunciou, diante da bandeira vermelha do movimento, o tradicional juramento, repetido em coro e em tom emocionado da massa de camponeses, de seguirem firmes na luta por terra e justiça.
Depois do encerramento, animou a saída das delegações um carimbó que sintetizava o espírito de todos os presentes:
Viemos de muito longe fazer barulho na terra alheia.
Entusiasmadas, uma a uma as delegações afirmavam em relatar — à família de cada honrado camponês, solene e cuidadosamente —, tudo o que ouviram e disseram durante o Congresso.
Força tarefa policial volta a atuar no sul do Pará
Reforma Agrária não tem, mas a repressão contra os camponeses é rápida! A força tarefa especial contra os camponeses do Sul do Pará, que no último ano cumpriu com “eficiência” mais de 40 mandatos de reintegração de posse aos latifundiários, desalojando um número superior a 5 mil famílias com seus métodos violentos e desumanos, voltou a agir neste mês.
Em Xinguara, a repressão retirou as 500 famílias que estavam na Fazenda Rio Vermelho; em Cumaru do Norte, despejou 300 famílias da Fazenda Estrela de Maceió, além de outras tantas nos municípios de Marabá, Eldorado do Carajás, Ananindeua e Tucuruí. Como fruto da ação desta força tarefa já se contabilizam 20 camponeses presos.
Das vinte áreas previstas para serem desocupadas neste mês, foi realizado um acordo entre a Vara Agrária de Marabá e MST, CPT e Fetagri para que sejam retiradas somente sete. Somente sete? Para onde vão essas famílias? Muitas delas já perderam o pouco que tinham e a única alternativa que lhes resta é conseguir seu tão sonhado pedaço de terra.
Repudiamos essas tentativas de negociar uma solução “mais branda” e “humanizar” as criminosas e truculentas ações policiais. Defendemos sim a retirada imediata e incondicional da polícia do sul do Pará. As negociações têm de acontecer em torno da regularização das diversas áreas que já se encontram em posse dos camponeses, inclusive a maioria delas produzindo.
Reiteramos mais uma vez que o povo precisa de terra para trabalhar, e não repressão.
Por que o Incra mente dizendo que assentou 20.000 famílias no Pará? E agora a superintendente regional do Incra, Bernadete Ten Catem (PT), colocada nesse cargo estrategicamente para engessar a luta por terra na região, quer ser deputada estadual… Quais serão suas promessas de campanha?
Manifestamos nosso total apoio aos companheiros presos políticos e exigimos o fim de todas as manobras policiais a mando do latifúndio e seguidas à risca por seus capatazes. Exigimos também a entrega e a regularização imediata das terras aos camponeses que precisam delas para viver e produzir, como as da Fazenda Batente, Santa Mariana e tantas outras do Pará e Tocantins.
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Liga dos Camponeses Pobres