O que já era amplamente denunciado pelos familiares do operário Amarildo, pelos moradores da favela da Rocinha, Zona Sul do Rio de Janeiro, e por milhares de vozes em todo o país foi novamente comprovado, dessa vez pela 35ª Vara Criminal do RJ, que condenou 13 dos 25 policiais militares acusados pelo sequestro, tortura, assassinato e desaparecimento do operário da construção civil, Amarildo de Souza, em 14 de julho de 2013.
O crime hediondo foi comandado pelo major Edson Santos, ex-comandante da Unidade de Polícia Pacificadora (UPP) da Rocinha, condenado a 13 anos e sete meses de prisão pelos crimes de tortura e ocultação de cadáver.
Mas, apesar da condenação dos policiais envolvidos no assassinato de Amarildo, em sua decisão — como bem analisou o delegado de polícia civil Orlando Zaccone —, a juíza da 35ª Vara Criminal individualizou a culpa dos agentes policiais com base no que chamou de “despreparo” e “ineficiência”, discurso consonante com o dos gerentes de turno Cabral, Paes e Pezão (PMDB), aqueles de quem partem as ordens para a PM/UPPs, em todos os casos de crimes cometidos por agentes das forças de repressão, com discursos sobre “desvios de conduta” e em punir os “maus policiais”. É o subterfúgio que utilizam para negar e isentar a política genocida que parte de seus gabinetes.
Cadê o Amarildo?
Imagens de câmeras de segurança flagraram o momento em que Amarildo foi colocado na viatura e levado para o container da UPP no alto do Morro da Rocinha, onde foi barbaramente torturado. O trajeto das viaturas que desceram a favela com as provas da tortura e assassinato e, provavelmente, com o corpo do Amarildo, foi monitorado. Conhece-se o mandante e os executores. Então “Cadê o Amarildo?”. A pergunta acusatória contra os gerentes de turno do estado e da capital do Rio e a polícia fascista que ecoou por todo o país não se cala. Onde está seu corpo? Por que mesmo com a condenação dos culpados não é apresentada a prova maior desse crime?
Elizabeth Gomes da Silva, companheira de Amarildo, protestou indignada após a condenação dos assassinos de seu marido:
— Me sinto aliviada, mas não totalmente. Os restos mortais dele não apareceram. Estou lutando e vou continuar lutando mais ainda para achar o corpo dele depois disso. Desde que o meu marido entrou no carro da polícia e sumiu no Portão Vermelho, eu sabia que o erro era deles. Eu só queria ter o direito de enterrar o meu marido.
O Instituto de Defensores dos Direitos Humanos destaca que “o desaparecimento de pessoas vem se mostrando como uma das questões de maior importância dentro do debate sobre segurança pública e direitos humanos. De acordo com pesquisa realizada pelo Instituto de Segurança Pública (ISP), 5.473 pessoas desapareceram no estado do Rio de Janeiro no ano de 2010, número que veio crescendo desde 2007, sendo a maior parte de jovens (12-17 anos) do sexo masculino, estudantes ou trabalhadores assalariados, com escolaridade de segundo grau incompleto, solteiros, pardos e, em sua maioria, habitantes da capital (ISP, 2010/2013).
O caso do ajudante de pedreiro Amarildo de Souza, morador da Rocinha, revela um quadro preocupante. Trata-se de um indicativo que a prática de segurança pública militarizada adotada pelo estado do Rio de Janeiro pode estar passando por um momento real de transição, compensando a redução dos altos índices de execução sumária (que continuam elevadíssimos mesmo com o decréscimo dos últimos anos) com a prática do desaparecimento forçado, como forma de manipulação das estatísticas de criminalidade violenta”.
A condenação dos policiais pela “justiça” não pode ser considerada a conclusão do “caso Amarildo”, nem mesmo pode ser utilizada como elemento para a absolvição do Estado genocida. Milhares de trabalhadores pobres e moradores de favelas do Rio de Janeiro — particularmente nas áreas militarizadas pelas UPPs — seguem, diuturnamente, sendo desaparecidos e assassinados pela polícia e forças armadas.