Cambada resiste nas ruas

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Cambada resiste nas ruas

A trupe gaúcha Cambada de Teatro Levanta Favela iniciou suas atividades teatrais, em 2008, com uma intervenção de denúncia aos doze anos de impunidade do massacre de camponeses em Eldorado dos Carajás. Nessa linha, desenvolve trabalhos artísticos de oficinas, intervenções e espetáculos pelo centro, periferia e favelas de Porto Alegre, mesmo sofrendo dura repressão por parte da Brigada Militar, que quer abafar sua manifestação.

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— Nos conhecemos quando éramos alunos de uma oficina ministrada pelo grupo de teatro de rua Ói Nóis Aqui Traveis, também daqui de Porto Alegre. Sandro Marques, que estava à frente da oficina, acabou saindo do “Ói” e nos agregando em um novo grupo, para levar adiante uma pesquisa junto à cidade, ao povo, com o objetivo de desenvolver uma linguagem de intervenções urbanas — conta Robson Reinoso, um dos integrantes do Cambada.

— Dentro desse estudo, ainda em 2008, participamos de uma ocupação urbana, que é a Casa Rosa, aqui em Porto Alegre. Passamos a morar e fazer teatro no local. De lá surgiram várias intervenções pela cidade, chegando de forma inesperada, dizendo o que o povo muitas vezes não sabe. Entre elas: Dona Maria, sobre a história das favelas no Brasil, e O direito de comer direito, falando da questão dos alimentos e o povo — acrescenta.

— Essas intervenções não são mini espetáculos, e sim o que chamamos de exercício cênico nas ruas. Elas são sempre curtas, durando no máximo 20 minutos: os atores de preto, com sombra preta nos olhos, tambor, pandeiro, atabaque ou outros instrumentos, intervêm e se dispersam no meio da multidão. Nossas inspirações, entre outras, são poemas de Bertolt Brecht — explica.

Em 2009, o Cambada mudou-se da ocupação para um espaço no centro de Porto Alegre.

— Alugamos um andar no Centro Cultural Companhia das Artes, usando de recursos próprios tirados dos nossos trabalhos assalariados, paralelos às atividades de teatro. Desta vez não tem o caráter de moradia, somente nos encontramos todas as noites no local para discutir e trabalhar nossas ações — comenta.

Robson acrescenta que o Cambada tem 11 integrantes, com idades entre 11 e 31 anos, que trabalham durante o dia no comércio, como operadores de telemarketing, ou são bolsistas de pesquisas em universidade.

— Além das intervenções constantes, nosso primeiro espetáculo foi Canto dos Carajás, sobre o massacre de Eldorado dos Carajás. O segundo, Árvore em fogo, contamos um pouco da história de Brecht, através de seus poemas. Recitamos para o público e interagimos até a última cena, que é a construção do Estado socialista, e o comunismo — conta.

O grupo estreou no começo de dezembro o seu terceiro espetáculo, Margem abandonada medeamaterial paisagem com argonautas, um texto do Heiner Muller, e deve começar uma temporada de apresentações do mesmo neste ano.

Repressão e censura nas ruas

Segundo os componentes do Cambada de Teatro Levanta Favela, o grupo vem sofrendo constante repressão.

— Em outubro último, enquanto apresentávamos Árvore em fogo, em plena Esquina Democrática, no centro de Porto Alegre, a Brigada Militar chegou, e sem nem perguntar se tínhamos autorização para estarmos ali, disseram que nos retirássemos. Tentamos argumentar, sem que nos ouvissem — relata Robson.

— Apesar da interferência deles na peça, quase entrando conosco em algumas cenas, conseguimos levar a apresentação até o final. Mas, quando acabou, nos vimos impedidos de levar nosso material cênico, e ficamos detidos no local, inclusive a criança de 11 anos que participa da peça — continua.

— Segundo um soldado da Brigada Militar, nós poderíamos ser suspeitos de algum crime. Depois de muita discussão acabamos sendo encaminhados a um posto de polícia, para identificação — acrescenta.

O grupo levou o fato para debate junto aos companheiros da Rede Brasileira de Teatro de Rua, Região Sul. A decisão foi protestar através de um ato, que deram o nome de ‘Diálogo na esquina’.

— No dia 17 de novembro passado, nós do cambada, juntamente com companheiros da rede, artistas que realizam performances, palhaços, e outros, paramos na Esquina Democrática com o cartaz: “Os artistas de rua merecem repressão ou incentivo?”. Porque queremos mostrar o que está acontecendo de verdade por aqui, com os nossos espaços públicos não sendo mais nossos. Fazer arte com as pessoas para formar uma frente de resistência — diz Robson.

— E essa repressão não está acontecendo somente conosco. Muitas pessoas e grupos estão sendo perseguidos para se calarem, pararem suas atividades. Por exemplo, a jornalista e poeta Telma Sherer, foi presa enquanto fazia uma performance cênica, um monólogo na Feira do Livro de Porto Alegre. Abafaram a manifestação cultural que ela estava fazendo — denuncia.

— Muitos companheiros que fazem malabarismos em faróis de trânsito estão sofrendo uma grande repressão. Também um grupo de capoeira está sendo seriamente perseguido pela Brigada Militar. Todas as quintas-feiras eles fazem uma roda de capoeira em um local público, chamado Zumbi dos Palmares. E a polícia não quer que continuem. Percebemos um movimento muito grande dessas forças de repressão — acrescenta.

— Por conta disso, estamos articulando com todos os companheiros de luta, no sentido nos organizar e nos movimentar para responder à altura, e tomarmos cada vez mais um espaço que é nosso, do povo. Queremos mostrar que não estamos sozinhos! — continua.

O grupo continua se apresentando no centro, em bairros da periferia e nas favelas da cidade.

— Gostamos de ir a bairros e favelas que nunca tiveram contato com o teatro. E estamos sempre nos articulando com outros companheiros que estão na mesma luta. Aqui em Porto Alegre tem muitas favelas. Dois dos nossos componentes tem origem nelas, no caso Vila Cruzeiro e Três Figueiras — finaliza Robson.

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