Camponeses conclamam a união do movimento camponês

Camponeses conclamam a união do movimento camponês

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Jaíba, a mais de 500 quilômetros de Belo Horizonte, foi palco de uma grandiosa festa de democracia popular nos dias 20 e 21 de setembro. Cerca de 1.500 camponeses, entusiastas do movimento pela conquista da terra, realizaram o 3º Congresso da Liga dos Camponeses Pobres do Norte de Minas.

Exibindo uma moral inabalável, os camponeses exibiam uma confiança ilimitada e um estilo novo de intervenções ao microfone ou nas simples trocas de impressões entre si. Os que cultivaram por toda a vida em seus corações a esperança de que, algum dia, trabalhadores avançados, homens livres pela sua consciência e vontade férrea estariam se pronunciando. Saibam o que aconteceu no 3º Congresso da Liga.

São homens, mulheres e crianças que entoam – sem precisar de uma única cópia da letra – a Internacional , do primeiro ao último verso. Foi essa gente resoluta que discutiu e aprovou, com conhecimento de causa – livres da monitoração de técnicos das ONGs, como geralmente acontece – um conjunto de propostas para intensificar a luta contra o latifúndio e conclamou as organizações conseqüentes do movimento camponês de todo o país para se unirem e levar à frente uma “revolução agrária”.

“Só a revolução agrária salva os pobres e a nação da ruína”, afirma a principal tese do Congresso.

Dia 20 de setembro, sábado, seis horas da manhã, dia já claro prometendo muito sol e calor, mas, em Jaíba ainda está fresco. Vindos de todas as partes do norte de Minas, camponeses, homens, mulheres, jovens e crianças, começam a chegar. Os ônibus empoeirados entravam um após outro no pátio.

Abraços de conhecidos no trabalho e na luta, gritos que evocam combatividade e revelam a disposição dessa brava gente brasileira esquecida da vida oficial. As mulheres, como guerreiras intrépidas, vão levando sacos, crianças nos braços e pelas mãos. Desconfiadas e sorridentes, estão na expectativa das próximas batalhas da luta que engaja toda a família. Os jovens das diversas delegações vão se agrupando rapidamente e traçando planos para aqueles dois dias que começam ali.

É gente que está na luta há muito tempo, ou recém incorporada. Tem gente que já tomou terra e está lutando para continuar “em cima” dela. Gente que está vivendo em acampamentos, vivendo de roças coletivas ou de pequenos afazeres, por causa da estiagem tão frequente e impiedosa da região.

As delegações vêm de Montes Claros, Janaúba, Tracbel, Jacaré Grande, Pai Pedro, Porteirinha, Nova Porteirinha, Varzelândia, São João da Ponte, Januária, Matias Cardoso, Manga, Juvenilha, Montalvânia, Miravânia, Manga Velha, Inhuma, Pau Preto, Parque do Cajueiro, Agrivale, Mocambinho, Itacarambí, Cachoeirinha, Verdelândia, Riacho dos Machados, Carinhana (Bahia) e da própria Jaíba.

Vêm de acampamentos e das áreas tomadas os que estão vivendo na sua terra: Ouro Verde, Novo Plano, Santa Lúcia, Barra dos Quilombos, Progresso da Vitória, Presidente Mao Tsetung, Gabriel Pimenta, Malhadinha, Milagres, Elder e Erionildes, Jardim da Esperança, Vitória, Nova Vitória, Verde Água, União Corgão, Conquista da Unidade, Tracbel, Guerrilha do Araguaia, Manoel Lisboa, Nova Esperança, Bandeira Vermelha, Poço da Vovó e Vanessa.

A passeata toma as ruas de Jaíba

Após rápida reunião, o coordenador Osvaldo, pelo microfone, convoca todos a tomarem posição para dar o início à passeata que percorrerá as principais ruas da cidade anunciando o início do Congresso e suas demandas.

Rapidamente vão se formando duas grandes colunas, compostas só por homens. Entre elas, formam-se duas outras, compostas pelas mulheres e crianças. Quase todos trazem nas mãos bandeiras vermelhas da Liga, faixas com reclamos e propostas, acusações aos latifundiários e às autoridades oficiais, além de pequenos cartazes feitos a mão, onde se lêem seus protestos e nomes de suas comunidades, áreas e acampamentos. Um carro de som se posta à frente e, na cabeça da passeata, aparecem três homens, cada um portando uma ferramenta. Uma foice, uma enxada e uma grande mão de pilão.

Lentamente as colunas fervilhantes de bandeiras e braços agitados se movem em direção à rodovia que cruza a cidade. As pessoas começam a cantar o Conquistar a terra e O risco. A passeata toma corpo, desloca e avança sobre o asfalto. São quase 11 horas da manhã. Um mar de bandeiras vermelhas inundou a paisagem seca e tórrida das ruas de Jaíba. Aos primeiros sinais daquele turbilhão humano, a população começa a sair de casa para ver e aclamar a manifestação.

Aos brados de “Conquistar a terra!”, a multidão faz troar em uníssono “Destruir o latifúndio!”, e logo retumba o estribilho de “Resistir, lutar, construir o poder popular!”. São mais de duas mil pessoas incorporadas à passeata, que marcha firme e decidida rumo ao centro da cidade. Logo aproxima-se da ponte estreita sobre o rio Verde Grande, quase cortado pela seca. À esquerda e no alto estão as instalações da Ruralminas e no seu pátio montanhas do carvão apreendido meses atrás dos pequenos camponeses. Um ar de revolta toma os olhares que se dirigem para o local.

Do carro de som vem a fala: “Companheiros, bem ali está o nosso carvão. Carvão que custou nosso suor e trabalho duro para fazer. Estes ladrões do IEF (Instituto Estadual de Florestas) nos roubaram. Queremos nosso carvão.” Logo: “O carvão é nosso ou não é?”, indaga. Todos em coro respondem: “Ééé!”. A passeata retoma a marcha: “É terra, é terra, é terra pra quem nela trabalha, e viva agora e já a revolução agrária!”.

Debaixo de sol escaldante, a grande coluna humana percorreu por volta de 4 quilômetros. Ainda na rodovia, deu nova parada defronte a residência de um latifundiário, um grande prédio de três andares. Momento de apreensão. Do carro de som um dos coordenadores desafia: “Latifundiário Gilberto, mostra sua cara, diga aí porque que você contratou pistoleiros para matar os dirigente da Liga.” Foi acompanhado de uma retumbante vaia e gritos de “Abaixo o latifúndio!”.

Polícia, prefeito e funcionários, que foram o centro das cenas de repressão meses antes, não deram as caras. A passeata concluiu seu trajeto recebendo apoio, salva de palmas e gritos de “Viva!” e “Isso mesmo!” do povo. A esmagadora maioria da população de Jaíba é formada por gente muito pobre, essencialmente, camponeses. Durante o Congresso, mais de 300 famílias, só de Jaíba, alistaram-se para tomar novos latifúndios.

A organização dos camponeses pobres

Segundo informações de Galego, outro coordenador da Liga, “os trabalhos de organização e preparação do Congresso começam com a discussão de propostas com as massas, e depois a Coordenação Geral e o Conselho de Representantes da Liga se reúnem pra tomar a decisão.” Os problemas de transporte, alimentação e as discussões dos problemas que afetam a vida dos camponeses, bem como o balanço de todo o período após o 2º Congresso (agosto de 2000) são debatidos e é feito um resumo. Depois tudo é condensado nas teses de discussão, realizados encontros de delegados nas áreas e um encontro geral. Este Encontro de Delegados é que tem caráter deliberativo e eletivo. É nele que se aprofunda o estudo dos problemas e se elege a coordenação geral. Já o Conselho de Representantes é eleito em cada local. É uma espécie de conselho de lideranças que acompanha as atividades da Coordenação.

O Congresso da Liga “tem caráter de massa e propaganda. Seu papel é juntar bem o movimento todo e bater o martelo nas decisões do Encontro de Delegados”, afirma. Continuando a falar sobre as dificuldades para realizar o evento, Galego diz que “muita gente quer participar, só que o problema do transporte, da alimentação e local sempre limita esta participação.”

Comissões de trabalho

Para a realização das atividades do Congresso, as comissões de trabalho tomam as distintas tarefas em suas mãos. São comissões de organização, de transporte, de alimentação, de cozinha, de alojamento, de saúde, de segurança, de limpeza, de mobilização e divulgação. Colagens de cartazes alusivos ao Congresso foram realizadas ao longo de vários dias, e, inclusive, uma das equipes foi detida pela polícia no município de Porteirinha e seus integrantes acusados de estarem cobrindo placas na região.

Na cozinha, mulheres e homens (havia muitos jovens), tiveram que trabalhar duro os dois dias para alimentar mais de 1.500 pessoas, dentre as quais, mais de 200 crianças. O serviço de cozinha foi divido em dois locais por uma questão de funcionamento. A cozinha onde se preparava a comida das mulheres e das crianças estava em melhores condições, tinha mais estrutura e cumpriu melhor a tarefa.

No outro local o espaço era menor e a estrutura, tal como número de chamas e panelas apropriadas, era pequena. As pessoas encarregadas pelo serviço tiveram que se desdobrar, mas, ainda assim, a comida atrasou no primeiro dia. No entanto, era de se admirar a cooperação e a compreensão de todos.

O principal problema enfrentado pelos organizadores foi o do alojamento, pois tanto o local quanto colchões para tanta gente não estavam disponíveis. Nem por isto o Congresso foi adiado. Todos decidiram que cada um se acomodaria como pudesse, desde forrar o chão com um pedaço de pano, um colchonete, até mesmo passar a noite em branco, em último caso. E foi o que aconteceu com muitos que juntaram a falta de melhores condições para descansar com a animação geral: passaram a noite proseando ou arrastando no forró que varou a noite.

No dia seguinte soubemos do pessoal da segurança — que varou os dois dias controlando as cercas e entradas de acesso às áreas — que nenhuma ocorrência importante foi registrada.

A maior preocupação dos camponeses e da sua organização era com possíveis provocações montadas por latifundiários e seus pistoleiros, fatos que não faltam próximo dos acampamentos.

A limpeza do local era feita nos intervalos em mutirão convocado pelo serviço de som. Rapidamente, um batalhão de pessoas se mobilizava, utilizando qualquer material para catar lixo, principalmente copos descartáveis, restos de alimentos, etc.

“Derrubar as três montanhas ”, clama Pedro

A sessão de abertura do Congresso teve início após o almoço. Reunidos sob uma lona de circo, todos são chamados pelo coordenador que preside o Congresso, Pedrão, para que de pé cantem a Internacional. Solenemente e acompanhados por alguns instrumentos musicais, as vozes ecoam no plenário improvisado. Visivelmente emocionados, todos aplaudem com entusiasmo ao final da canção dando vivas à Liga dos Camponeses Pobres do Norte de Minas e ao seu 3º Congresso, à aliança operário-camponesa, à luta popular.

Pedrão faz a denúncia das prisões e assassinatos de lideranças camponesas e exige a liberdade imediata de José Rainha, Diolinda e Felinto Procópio, do Pontal do Paranapanema, e de Caco, Joel, Valmir e Russo, de Rondônia, além das dezenas de outros presos políticos por razão da luta pela terra em várias partes do país.

A mesa do Congresso é composta por um grande número de representantes de organizações populares e classistas da região e da capital do estado, Belo Horizonte. Estão presentes representantes de poucos sindicatos, porque a direção da Liga combate o peleguismo e afirma só convidar para suas atividades as organizações que de fato defendem os trabalhadores. Estão a Liga Operária, os sindicatos de Trabalhadores na Construção de Belo Horizonte e Região, dos Rodoviários de Belo Horizonte, dos Rodoviários de Juiz de Fora e Rodoviários de Montes Claros, as Comissões Camponesas de Luta do Triângulo Mineiro e a Liga dos Camponeses Pobres de Rondônia, representantes dos movimentos Feminino Popular, de Educação Popular, do Socorro Popular, Estudantil Popular Revolucionário, da Frente de Defesa dos Direitos do Povo, além das associações de camponeses e coordenações de luta das dezenas de áreas e municípios da região. Foram convidadas outras organizações e movimentos que lutam pela terra, como o MTA (Movimento dos Trabalhadores Rurais Acampados e Assentados), de Mato Grosso, a OLC (Organização da Luta no Campo), de Pernambuco, o MCL (Movimento das Comissões de Luta) e outras entidades que não puderam comparecer.

Abrindo a lista de oradores, o coordenador da LCP, o popular Pedrão, fez um breve balanço da situação nacional, do momento de radicalização dos conflitos no campo e dos dois anos de lutas no norte de Minas, desde o 2º Congresso da organização. Pedrão falou sobre o avanço da luta em meio a muitas dificuldades, perseguições da Justiça e da polícia e das constantes ameaças de morte feitas pelos latifundiários. Denunciou a grande campanha de repressão movida pelo governo federal e estadual, numa operação combinada da polícia, Ibama e IEF para tomar o carvão produzido pelos camponeses pobres da região.

Destacando a importância do Congresso para o fortalecimento da luta afirmou que “o nosso país está afundando. Já experimentamos tudo quanto é tipo de governo que representa as classes dominantes. O lema de nosso Congresso diz que só uma revolução agrária pode salvar o povo pobre e a nação brasileira da ruína. O nosso país, companheiros e companheiras, está esmagado por três montanhas de exploração e opressão: o imperialismo, a grande burguesia e o latifúndio. O povo está se unindo e se levantando para derrubar estas três montanhas de cima de suas costas. (…) O Brasil precisa de uma revolução agrária, custe o que custar. Para isto, é preciso de nossa união, a união de todo movimento camponês, que cresce, como labareda de queimada em dia de ventania, pelo sertão dos quatro cantos do país. União de todos camponeses e união com os operários da cidade, com os estudantes, professores e pequenos comerciantes.” Na sequência, todos os componentes da mesa fizeram uso da palavra para saudar o Congresso da Liga e reafirmar seu apoio à luta pela terra, recebendo os mais calorosos e ruidosos aplausos de uma imensa massa de camponeses que, em silêncio quase absoluto, ouvia atentamente cada palavra.

As intervenções dos convidados, apoiadores e delegados se estenderam ao escurecer do dia. Todos foram enfáticos em condenar a ação do Estado contra o movimento camponês e de proteção ao latifúndio.

A resistência dos sertanejos

Noite do dia 20. A grande maioria está de pé desde a madrugada. A passeata foi num sol escaldante. As filas para a refeição no primeiro dia chegaram a durar três horas. Ainda houve o início das atividades, a abertura do Congresso e a apresentação cultural à noitinha. Havia gente dançando o forró, próximo das famílias que dormiam juntinhas, se protegendo do frio, mas ninguém reclamava. À meia noite, o pessoal da organização pediu: “podia passar o forró lá para onde está sendo o Congresso, embaixo da lona, porque aqui fora o povo da cidade ‘tá ouvindo e fica tentando entrar de todo o jeito.”

Madrugada do dia 21. A comissão da cozinha trabalhava para não haver atraso no dia seguinte. Eram cinco e meia e já estava todo mundo de pé. E os companheiros do forró não deixavam por menos, cantando: “acorda Maria Bonita, levanta, vem fazê o café…”

A condição de repórter de A Nova Democracia é revelada, e com os dirigentes da Liga afastando qualquer desconfiança (“com esse podemos falar, são companheiros”, diziam, mostrando o jornal), durante toda noite se aproximaram camponeses para conversar. E com que orgulho contaram suas lutas: a do dia-a-dia, contra o latifúndio, a miséria e a seca, e as que travaram já organizados com a Liga. E com que simplicidade revelaram atos de heroísmo. De Cachoeirinha, onde houvera um massacre em 1967, falavam dos tiros dos pistoleiros dentro da noite, das pressões na cidade, onde todo dia se espalhava que ia chegar a polícia, o Exército, e a todos ansiosos, os agourentos dizendo que iam ter de sair, e a cada dia que não saiam aumentava a confiança do povo da cidade na luta.

Falavam do dia do julgamento em Janaúba, quando a juíza, tentando intimidar os camponeses, perguntara a um deles o que faria se invadissem a sua casa — como se um latifúndio abandonado fosse o mesmo que a tapera de adobe em que moravam — e o companheiro respondeu que se a pessoa precisasse mais do que ele, não se importaria. E que depois os advogados da Liga tinham conseguido provar que as terras eram devolutas. Que lá, a vida estava difícil, mas quase todos já tinham seus porcos e suas galinhas. Alguns chamavam suas filhas, já com seus filhinhos pequenos, e mostravam com orgulho que já estavam crescidas, casadas, não tinham se perdido. Um dos dirigentes da Liga interveio, disse que a “batalha” de Cachoeirinha tinha sido decisiva para a região, pois despertara em toda ela um sentimento de vingança contra o massacre de 67.

Perguntei da produção, como estava a questão da produção coletiva, como se vivia nas áreas tomadas. Muitos convites para visitar as áreas. Em janeiro. Comer o milho assado, feijão catador, feijão andu, mandioca. A união para proteger as roças. Muitos se uniram para pagar o trator. Muitos plantaram juntos, alguns citavam que a Liga deveria insistir nos Grupos de Ajuda Mútua (forma de se agrupar e realizar a cooperação), que era difícil, mas ia dar certo.

Falam os camponeses

Vou falar do meu país e da reforma agrária
em nome do camponês que todo ano se espalha
deixando suas famílias pra ganhar uma migalha
na colheita do café,corte de cana e braquiária.
(De uma canção dos camponeses)

No segundo dia, os debates se iniciaram bem cedo. Após uma exposição sobre a situação política e a luta pela terra no país, foram lidas em conjunto as teses contidas num caderninho como primeira parte. Isto porque o Encontro de Delegados, preparatório do Congresso, só conseguiu tratar da primeira parte das teses do Congresso:

1balanço 2001/2003;

2situação política internacional e nacional;

3a luta pela terra;

4o movimento camponês e

5propostas.

Segundo os organizadores do Congresso, ficou para data próxima a continuidade das discussões sobre a segunda parte da teses que tratam, principalmente, dos problemas de organização, produção, o problema das áreas de “reserva ambiental” e “reserva mineral” escolas populares, movimento feminino e comitês de apoio à luta.

Para os debates das teses se inscreveram mais de 70 pessoas e cerca de 50 fizeram uso da palavra, devido ao tempo. Eram intervenções curtas, de 3 a 4 minutos, mas muito objetivas. Dentre os oradores, muitas mulheres. Os oradores versaram sobre todos os temas. Inicialmente centraram na situação internacional com uma comum condenação ao imperialismo ianque, à guerra imperialista. Como nas teses, afirmavam: “ou avança a luta mundial dos povos ou será a guerra mundial.” Também foram muitos que saudaram a heróica resistência dos povos iraquiano, palestino e afegão. A luta na América Latina, dos povos e dos camponeses, no Peru, Equador, Colômbia, Bolívia, Paraguai e dos demais países contra a ALCA foi ressaltada.

Sobre a situação nacional, foram muitos ataques concentrados contra as reformas — decepcionantes para muitos — do governo Luis Inácio. O programa “Fome Zero” e a conduta do governo em relação à questão agrária mereceram duras críticas dos oradores. Não ficaram por menos as condenações às perseguições, prisões e assassinatos de lideranças camponesas.

As intervenções destacavam a importância da Liga, a mudança geral na situação em poucos anos, desde que se iniciou a construção do movimento e muitos agradecimentos pelas conquistas. Muitas outras eram em forma de “lamentos” dos sofrimentos, humilhações e abusos a que são submetidos os camponeses.

De Varzelândia, da Conquista da Unidade, seu João, o mesmo que trouxera e conduzira a grande mão de pilão à frente da passeata, disse que para ele era “Deus no céu e a Liga na terra”. Continuou: “eu não era nada, não tinha nada, nadinha. Hoje tenho meu pedacinho de terra, uma roça, uma vaquinha e uma família, e mesmo com muita dificuldade estou em condições de lutar para melhorar junto com os companheiros.”

De Janaúba, da Tracbel, dona Isabel denunciou a falta de liberdade para o pobre até para trabalhar: “Tenho filhos e netos para cuidar, tenho seis fornos pra fazer carvão, só podemos contar com isso, e estamos proibidos de fazer o carvão. O senhor Hélio do IEF falou que se eu não derrubar os fornos a polícia vai derrubar. Eu vou fazer carvão, mesmo que seja presa.”

Manoel Serapião, do Projeto Jaíba, denunciou a ação policial na região e exigiu respeito aos direitos do povo: “Nós só não podemos ser homens covardes, que eles chegam e nós abaixamos a cabeça, e sim encararmos com garra dentro do nosso direito.”

Almerino, homem de mais de 50 anos, baixa estatura, muito magro, olhos fundos e um rosto como que chupado, cheios de profundas rugas é a própria imagem da miséria que assola milhares de sertanejos. No entanto, é homem de grande vivacidade e sabedoria. Toma a palavra e faz uma agitação que inflama o plenário. Denuncia a política ambiental do governo, acusa as autoridades de serem hipócritas e descaradas. “Criaram essa tal de APA (Áreas de Proteção Ambiental) e agora onde não têm outra desculpa para impedir o pobre de ter um pedaço de terra, eles decretam como área de APA e mandam promotor, juiz e a polícia pra abusar da gente. Miseráveis, não querem o pobre filho da terra explorando a terra só para reservá-la para o estrangeiro. Querem nos tocar daqui bem pra longe porque ‘os japonês’ exigem isso pra liberar dinheiro pro Projeto (refere-se ao Projeto de Irrigação).”

Galego, do Milagres em Itacarambí apontou que todo sofrimento, todas as humilhações, abusos, perseguições e misérias só terão fim com a revolução agrária para acabar com o latifúndio e lançar as bases para um novo modelo de desenvolvimento econômico, social, político e cultural para o povo e a nação, e encerrou os debates no plenário.

As mulheres tomam frente

Foi no meio do corre-corre da hora do almoço que as mulheres organizaram uma reunião para tratar dos problemas de sua participação. Não querem perder tempo. Rapidamente se organizam, tomam a palavra e defendem a necessidade de aumentar a sua organização.

Algumas camponesas intervêm, afirmando que o movimento de mulheres já começou há muito, mas enfrenta dificuldades para ir em frente. As mulheres enfrentam muitas dificuldades para participar da luta, têm que cuidar da lida na roça e ao mesmo tempo cuidar da casa, das crianças, etc. Algumas afirmam que não podem ficar lamentando, que é preciso lutar com a mesma energia que encontram para enfrentar a dupla jornada de trabalho. Outras chamam a atenção para levar com jeito os maridos e convencê-los da necessidade e importância da sua participação.

Todas concluem da necessidade urgente de retomar o trabalho com os núcleos de mulheres nos acampamentos e nas áreas onde já estão vivendo. Foi ressaltado o papel destacado que as mulheres têm que desempenhar para levar as atividades de educação das crianças, da alfabetização de adultos, a escola popular, os problemas de saúde, o prosseguimento do trabalho para formar e desenvolver os Promotores de Saúde, sem, contudo, ficar para trás no trabalho de produção, onde devem vanguardear a defesa da produção coletiva e cooperada.

Todas se emocionaram muito quando uma representante do MEP (Movimento de Educação Popular) revelou a importância que estava significando para ela participar daquele Congresso e fez muitas encherem os olhos d’água quando lembrou da companheira que havia cantado pela manhã uma canção sobre a vida dura que levam, principalmente, as mulheres no campo:

De machado e foice na mão
entrei no meio da mata
com muita fé e corage
a polícia mandou eu saí
respondi num saio não.
No mato vou trabaiá
nem que tenha de morrer
com os braços e o suor
pros filhos dar de comer

As principais decisões do 3 ºCongresso

No final da tarde do dia 21 realizou-se a última sessão do Congresso. Nela foi apreciado um conjunto de resoluções, algumas aprovadas e outras remetidas ao Encontro de Delegados que se reunirá nas próximas semanas. Além de uma série de propostas mais específicas sobre a intensificação da luta de tomada de terras, organização, produção e demandas ao Incra, o congresso aprovou quatro propostas de caráter mais geral. São elas:

1unir todo o movimento camponês para acabar com o latifúndio;

2lutar para o “Projeto Jaíba atender aos interesses do povo da região”;

3grande campanha pela libertação dos presos políticos e

4grande luta pela produção em todas as áreas.

Antes de cantarem uma vez mais o hino da Internacional para o encerramento do Congresso, o plenário aprovou por unanimidade as propostas de uma homenagem ao dirigente comunista Pedro Pomar, pela celebração dos 90 anos de seu aniversário. Em seguida, todos de pé e de forma solene fizeram o juramento que já é praxe desde o 1º Congresso. Emocionados, os camponeses iam repetindo palavra por palavra do juramento que ia sendo lido pela presidência dos trabalhos. Publicamos, a seguir os termos do juramento.

Juramento

Juramos perante a bandeira vermelha da Liga dos Camponeses Pobres, defender e aplicar os princípios de organização e de luta, de que são as massas que fazem a História; que as massas que decidem tudo; de se apoiar nas próprias forças; de que é justo rebelar; de combater o oportunismo de forma inseparável do combate ao latifúndio, à burguesia e ao imperialismo e de que o Poder é nossa reivindicação principal.

Juramos pelo nome e honra de todos os companheiros tombados na luta contra o latifúndio, contra a exploração e contra a opressão levar a luta classista, combativa e independente para vingar os nossos mártires e conquistar todos os nossos direitos e aspirações.

Juramos pela bandeira vermelha e pela honra de nossos mártires, dedicar toda nossa luta, esforços e sacrifícios para defender o povo, servir o povo e dar a própria vida pela conquista do Pão, Terra, e uma Nova Democracia

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