Foto aérea do Setor Sonho Real, em Goiás
Recife – Camponeses acampados no município de Passira, a 110 quilômetros do Recife, no agreste pernambucano, foram recebidos à bala por jagunços do latifúndio denominado Fazenda Recreio, no dia 22 de novembro, quando tentavam reocupar a propriedade. A fazenda tem mil hectares e foi ocupada em julho de 2004 por 230 famílias camponesas, que logo depois foram expulsas do local por determinação da Justiça, apesar da área ser apontada como improdutiva há vários anos.
No dia seguinte, os camponeses, da organização Movimento dos Trabalhadores Sem Terra MST, exigiram um mandado de busca na casa grande, onde a Justiça encontrou e prendeu quatro jagunços contratados pelo latifundiário Pedro Manoel Barreto Muniz, além de arsenal formado por várias espingardas calibre 12, revólveres calibre 38 e muita munição.
Desde esse dia, os camponeses Edeilson Rufino da Rocha e Francisco Manoel de Lima, passaram a ser ameaçados de morte. Eles haviam testemunhado a ação dos pistoleiros e denunciaram as tais ameaças de sangue que vinham sofrendo, concretizadas no dia 17 de dezembro, quando foram executados a tiros por três jagunços encapuzados, enquanto dormiam nas casas de seus pais.
Na manhã seguinte ao crime, mais de 600 camponeses, armados com foices, porretes, marretas e enxadas, saíram em marcha da casa onde os irmãos foram assassinados, e onde seus corpos estavam sendo velados, na direção da sede da Fazenda. Numa ação que durou cerca de vinte minutos, os camponeses organizados derrubaram a porteira, arrombaram a cerca de arame, puseram abaixo mais de 20 portas e janelas, arrancaram o telhado, derrubaram colunas do alpendre e incendiaram a casa grande. Em seguida, destruíram a casa ocupada pelo "administrador" do latifúndio, que já havia abandonado o local. Além de pôr abaixo o casarão que simboliza o poder do latifúndio, os camponeses abateram dois bois e enviaram a carne para os acampamentos de camponeses da região.
Pressionado pela ação dos trabalhadores, o Incra, no dia 3 de janeiro, procedeu a uma vistoria no latifúndio — processo preliminar para a desapropriação, com prazo estimado em dez dias para concluir o trabalho de medição, cálculo da produção e levantamento das benfeitorias. Todas as atividades são acompanhadas por equipe da Polícia Federal, mas observadas de perto pelos camponeses, que continuam na área, tocando a produção de legumes, cereais, frutas e hortaliças.
Quanto às investigações sobre o assassinato, a Promotoria Agrária do Estado diz que as "apurações estão avançadas", que três pessoas estão praticamente identificadas como autoras do crime e que um homem já se encontra preso. Trata-se do jagunço Raimundo José Barbosa, que também se encontrava na casa grande quando a Justiça encontrou o forte arsenal, no dia 23 de novembro. Os corpos dos trabalhadores foram sepultados no cemitério Candeias, e desde então, camponeses que acompanharam sua luta fazem questão de afirmar que o sangue dos dois não foi derramado em vão e que fortalecerá ainda mais a luta contra o latifúndio.
Dois dias antes do duplo assassinato, outro camponês, Josuel Fernandes da Silva, foi levado de sua casa, em São José da Coroa Grande, localizado na Região da Mata Meridional, a 123 km do Recife, por vários homens encapuzados, que invadiram a casa do seu pai, o líder camponês Fernandes da Silva, e o arrastaram por quase dois quilômetros, o torturaram e depois o assassinaram com dois tiros. Josuel residia no acampamento do engenho Manguinhos, liderava a luta pela desapropriação do engenho e, dias antes de ser morto, durante negociação com o Incra para desapropriação do engenho, avisou que ele e seu pai estavam sendo ameaçados pelo latifundiário. No entanto, nada foi feito para impedir mais essa execução de uma liderança da luta camponesa. No dia seguinte ao de sua morte, os camponeses acampados também queriam pôr abaixo a casa grande do engenho. Porém, a direção estadual do MST, impediu o ato de resistência, "em deferência" ao secretário de Direitos Humanos, Nilmário Miranda, que visitaria a área do engenho acompanhado de outros assessores do governo federal.
Denominado Engenho Manguinhos, esse latifúndio foi desapropriado no ano 2000, mas ficou de fora no processo de imissão de posse, em decorrência de negociata entre os latifundiários e o governo federal. Desde então, os trabalhadores reivindicam a área para a Reforma Agrária e permanecem acampados e produzindo, apesar da forte pressão dos jagunços contratados pelo latifúndio, da omissão do poder público e da conivência federal. Dias depois do assassinato de Josuel Fernandes da Silva, o jagunço José Marcos da Silva se entregou à polícia e confessou ter atirado contra o líder camponês.