Camponeses em Recife prometem reagir à repressão

Camponeses em Recife prometem reagir à repressão

Oito horas da manhã da quarta-feira, 24 de setembro. Mais de quinhentos camponeses que ocupavam a sede do Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária) no Recife, iniciam naquele momento uma marcha pela Avenida Conselheiro Rosa e Silva, no bairro dos Aflitos, área burguesa da cidade. Empunhando suas facas, enxadas e foices, os camponeses marcham decididos entre os casarões e edifícios de luxo e paralisam o trânsito no cruzamento da movimentada Avenida Conselheiro Portela. Portões se fecham, comerciantes baixam suas portas, seguranças de um supermercado improvisam uma barricada com carrinhos de feira. Em poucos minutos chegaram os caminhões da polícia militar. Houve uma rápida negociação e o trânsito voltou a fluir. 

Liderados pela OLC (Organização da Luta no Campo), os camponeses reivindicavam vistorias nos seus acampamentos e aplicação de R$ 5,2 milhões já liberados pelo governo. A OLC foi fundada em janeiro deste ano e origina-se de um "racha" entre dirigentes da Fetape (Federação dos Trabalhadores na Agricultura de Pernambuco), entidade que reproduz no estado a política de conciliação de classes levada a cabo em nível nacional pela Contag (Confederação dos Trabalhadores na Agricultura). Os principais líderes da OLC eram dirigentes da Federação que resolveram criar seu próprio espaço de atuação política, pela conquista da terra e "por outras lutas históricas dos homens e mulheres que trabalham no campo".

Pela classe camponesa

O primeiro passo nesse sentido foi um encontro, em setembro de 2002, realizado no município de Arcoverde (PE). Seguiram-se mais dois encontros e muitas reuniões até que, em janeiro de 2003, a OLC foi oficializada como movimento. Segundo o coordenador da Organização, João Santos, os métodos que ela utiliza têm por objetivo principal defender os interesses da classe camponesa "sem perder de vista a opinião pública. Ocupamos os espaços possíveis, pressionamos os governos, mas buscamos sempre o apoio da sociedade."

Perguntado pela reportagem de AND sobre o que significa esse apoio, João afirma que é basicamente "o emprego de métodos que a opinião pública aceita como legítimos na luta em defesa da terra, do emprego e do crédito, sem descartar a utilização de instrumentos que assegurem a autodefesa dos trabalhadores e de suas famílias."

Em relação à possibilidade de haver reforma agrária no governo de Luis Inácio, ele diz que "até agora não apareceu nenhum sinal de que ele está disposto a fazer o que prometeu ou mesmo de usar o seu poder para coibir a matança de camponeses. O presidente disse que assentaria 60 mil famílias no ano de 2003. Não fará isso. Aqui, em Pernambuco, ele disse que assentaria três mil famílias e nem mesmo isso vai cumprir".

Na verdade, falta compromisso com a reforma agrária e o atual governo consegue ser pior e mais perverso do que o anterior, que deixou orçamento de R$ 1 bilhão e 400 milhões a serem empregados na devolução das terras aos trabalhadores, nesse ano, enquanto o orçamento da administração Fundo Monetário Internacional-Partido dos Trabalhadores é de apenas R$ 700 milhões.

"Isso mostra que esse governo não tem compromisso algum com a reforma agrária, e nem se interessa em sequer fingir que tem", afirma Santos. Ele lembra também que o governo Lula ressuscitou o Banco da Terra, que encarece o preço da terra e dificulta ainda mais o processo de devolução das terras ao povo trabalhador brasileiro, além de cogitar lançar "um projeto chamado de Minha Primeira Terra, dirigido aos jovens entre 18 a 25 anos — nada mais nada menos do que um programa de financiamento bancário destinado a endividar os trabalhadores desde cedo, fazendo o jogo das financeiras e dos banqueiros."

A OLC atualmente lidera 63 ocupações, a maioria na região da Zona da Mata, onde a oligarquia agrária mantém sua secular política de concentração de terras roubadas dos camponeses. "Se depender do atual governo, as ocupações dificilmente se transformarão em reforma, já que o seu compromisso assumido com o FMI e com os latifundiários não permite que isso ocorra", sustenta João Santos. Ele também compreende que, no atual governo, o Incra não mudou nada em sua política. "O que mudou foi o fato de agora podemos entrar, sentar e conversar. Mas no que de fato interessa, no essencial, que é a reforma agrária, não houve qualquer avanço, e nós sabemos que para efetivar a tão debatida reforma é preciso que os recursos sejam destinados aos seus verdadeiros donos. Mas o governo continua negando o que pertence aos trabalhadores, homens e mulheres do campo."

De fato, essa máquina enferrujada que se chama Incra — e que não por acaso fica localizado no bairro dos Aflitos, um dos preferidos pelos latifundiários, senhores de engenho e usineiros para erguer seus palacetes e, agora, seus apartamentos, com muitos metros de luxo e ostentação burguesa —, essa máquina desmoralizada pela política de conciliação de classes, continua a mesma de sempre. Só para ilustrar, João Santos diz que das 63 ocupações organizadas pela OLC nenhuma recebeu qualquer vistoria dos técnicos do Instituto, primeiro passo para transformá-las em povoamento.

Algumas, diz ele, têm mais de um ano e, até agora só há manifesto de desprezo total pela luta dos camponeses e o cumprimento, pelos agentes do governo, de todos os compromissos com o latifúndio e o grande capital agrário.

Camponeses vão se armar

A ocupação da Conselheiro Rosa e Silva não foi a primeira ação da OLC a ganhar destaque na imprensa. Ainda em setembro, diversos jornais noticiaram que a organização "prometeu utilizar armas em suas futuras ocupações". A polêmica surgiu durante ocupação da fazenda Conceição, em Caruaru, no dia 16 do mesmo mês. Os camponeses sofreram agressões dos jagunços e do latifundiário Lenílson Torres, que usaram armas de fogo e pedaços de pau para agredir os ocupantes, antes mesmo deles chegarem ao local do acampamento, em frente à fazenda. Na ocasião, João Santos afirmou que "se estivéssemos armados, nada disso teria ocorrido". Foi o bastante para a imprensa burguesa assestar suas baterias em defesa dos criminosos, os mesmos que já assassinaram milhões de homens, mulheres, jovens e crianças, ao longo de cinco séculos.

"O que eu falei e repito", afirma João Santos, "é que houve mais uma ação criminosa do latifúndio. Eles jogaram um carro em cima dos camponeses, que estavam desarmados, e depois partiram para cima das famílias com pedaços de pau, agredindo a todos com gritos e pancadas. O que nos resta, numa situação dessas, é nos preparar, mudar nossa estratégia de ocupação e ficarmos prontos para nos defender à altura da agressão. Precisamos nos preparar para essa defesa, com aquilo que tivermos acesso e pudermos utilizar. Trata-se apenas da autodefesa de um povo sofrido, que luta pelo acesso à terra."

Santos lembra também que a mesma imprensa que fez grande barulho a partir das suas declarações, "não questiona as constantes mortes de camponeses. Nem a imprensa nem o governo se pronunciam a respeito desses crimes que continuam acontecendo. A todo instante a União Democrática Ruralista (UDR) diz que vai se armar, mas ninguém questiona. Mas quando o trabalhador afirma a mesma coisa, o governo e a imprensa, no mesmo momento, se unem e abrem a boca em defesa do latifúndio."

Até o final de dezembro próximo, a OLC prepara uma jornada de lutas pela terra com o objetivo de realizar mais 50 ocupações, "visando pressionar o governo, fazer o Incra se mexer e dar passos mais objetivos pela reforma agrária. Esse Instituto precisa de 52 equipes para fazer as vistorias, mas só tem seis. Além disso, precisamos de crédito para habitação e infra-estrutura e vamos lutar por isso."

Perguntado se realmente acredita que o Incra tem interesse em realizar o que promete e a OLC busca conquistar, João Santos afirmou que "só a organização dos homens e mulheres do campo, fazendo ocupações e lutando por seus objetivos históricos é que irá conquistar a reforma agrária no Brasil."


Impunidade

Atualmente há 350 mil famílias sem terra em Pernambuco, estado onde a Organização da Luta no Campo concentra suas ações, enquanto prepara sua expansão para outros estados. A meta da OLC, segundo seus dirigentes, é que, até o final do primeiro semestre de 2004, ela esteja presente em mais dez estados. Desde 1992 ocorreram 976 assassinatos de camponeses no Brasil, inclusive adolescentes e crianças. Apenas 56 assassinos foram a julgamento, sendo 14 mandantes. Destes, só sete foram condenados, dos quais dois estão foragidos. Portanto, de quase mil assassinatos, apenas cinco dos criminosos estão na cadeia.

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