Na edição número 90 de AND, dizíamos haver uma relação intrínseca entre o tipo de capitalismo implantado e existente no Brasil, aquele de caráter burocrático, subordinado ao imperialismo, à grande burguesia e ao latifúndio, e o tipo de educação ofertada ao povo brasileiro. Planejamos, a partir desta análise geral, estabelecer as relações que isso tem com políticas específicas e formas de organização da escola no Brasil.
A realidade, entretanto, é maior que a ideia e outra tarefa nos é colocada, ou seja, há necessidade de estabelecer que relações há entre este tipo de capitalismo e a greve docente atualmente (aproximadamente 90 dias) tomando conta, “pela primeira vez na história deste país”, de todas as Instituições Federais de Educação Superior.
Dois motivos
Tal tarefa se faz urgente por dois motivos. Para além da necessidade do entendimento da realidade que leva à situação atual de greve, necessária ao encaminhamento das lutas, a análise da situação atual deve ser feita para desfazer mitos. Entre eles, o principal, ou aquele que pensa ser possível à gerência de turno tomar outra ação que não aquela que está sendo tomada, ou de que a ação tomada depende de uma condição de vontade pessoal da gerente de plantão do Estado brasileiro. Há que entender, portanto, i) as características do capitalismo burocrático brasileiro, ii) a estrutura do Estado brasileiro, dadas as características atuais da economia, e iii) as razões da greve docente e as atitudes tomadas pela gerente atual do Estado brasileiro.
A primeira coisa que deve ser feita para entender isto é estabelecer as relações existentes entre o capitalismo burocrático e a atual política econômica, ou seja, uma “economia política” do momento atual.
A princípio, é preciso lembrar que desde praticamente o ciclo da cana-de-açúcar e, depois, na consolidação da industrialização nacional, os recursos utilizados por esses processos se deram no esquema produção/exportação de produtos de elevado valor no mercado mundial. Se a produção se dava num esquema de exploração de grandes extensões territoriais com a utilização de trabalho escravo, a exportação, ou seja, o esquema que os colocava nos centros consumidores era de propriedade de capitais forâneos, primeiro ingleses, depois ianques.
Com o país nascendo e especializando-se cada vez mais na produção de bens oriundos da exploração da terra, a economia brasileira passa a pautar-se, no adentrar e desenvolver do Século XX, no esquema de exportação destes bens, sempre nas mãos de capitais forâneos, e a necessária importação de bens industriais, desde máquinas como bens de consumo. Com isto verifica-se, na economia brasileira, uma situação em que se produz e exporta produtos primários, de baixo valor agregado, e se importa produtos industriais de elevado valor agregado. Assim, a situação é que sempre há um diferencial, em termos de obtenção de renda, na economia nacional em que esta é sempre demandadora e recursos para financiar seu desenvolvimento.
Reforço semicolonial
Como ao latifúndio interessava sempre produzir estes bens e à burguesia mundial a exportação destes, nunca se preocuparam na solução deste problema do ponto de vista da busca de sua solução. Isto exigiria sacrifícios iniciais, como outros povos tiveram quando fizeram esta opção, mas significaria sua solução definitiva. Como à burguesia e ao latifúndio isto nunca interessou, buscou-se sempre a sua equalização via busca de recursos no exterior, que significou sempre a busca de empréstimos juntos às nações centrais do capitalismo ou a abertura de parte significativa do mercado interno para o capital forâneo.
Foi assim quando das necessidades de obtenção de moeda estrangeira em fins do Século XIX e início do XX, via empréstimos junto à banca londrina. Foi assim quando da industrialização dos anos 1950/60, quando a necessidade de seu financiamento levou à abertura desmesurada do setor industrial patrocinada pela tríade Getúlio Vargas/Eurico Dutra/JK. Foi assim quando da nova fase da versão militar da gerência do Estado, dos anos 1960 a 1970, que financiou o “milagre econômico” com recursos do Clube de Paris. Finalmente, foi e está sendo assim desde o novo ciclo de crescimento da economia brasileira que vem desde pelo menos meados dos anos 2000, mas que tiveram suas bases lançadas desde meados dos anos 1990.
Insistimos que é no esclarecimento dos mecanismos atuais da inserção da economia brasileira na economia mundial que moram os elementos para entender as raízes do desmantelamento da carreira pública em geral, e dos professores em particular, e da universidade brasileira como um todo. Mas, para isto, voltemos à economia política.
Mais dinheiro para credores
Com a crise da dívida de um lado, e a elevação dos custos da economia oriunda do aumento dos preços do petróleo em fins dos anos 1970, os anos 1980 foram de estagnação e recessão. Na verdade, a economia brasileira passou por um problema de financiamento de seu crescimento, haja vista que não mais tinham os capitais à sua disposição, bem como aumentaram os custos de sua economia. A solução adotada por Sarney, em 1986, foi a suspensão do pagamento da dívida. Mas outro ciclo teria que vir, e veio. Mas teria que abrir as condições para seu financiamento. Este foi conseguido, a partir de 1992, com a intervenção de FHC junto ao Ministério da Fazenda, durante a gerência Itamar.
Naquela época, o então “superministro”, como passou a ser nomeado pela mídia, acertou com o Congresso Nacional a aprovação do FSE (Fundo Social de Emergência), que significava a possibilidade do governo utilizar até 20% de seu orçamento para uso livre do executivo. Com este “uso livre”, o então superministro pôde negociar com os credores do Clube de Paris a renegociação da dívida externa, pois possuía, então, garantias reais de que cumpriria em dia as obrigações junto aos credores. Entretanto, se de um lado a renegociação significou alongamento e até certa redução nos juros da dívida, os credores exigiram o óbvio: a abertura do mercado brasileiro ao capital transnacional.
Como se vê, o novo ciclo econômico instaurado nos anos 1990 se deu com o financiamento via duas mãos: i) a entrada no país de capitais oriundos da reabertura das linhas de créditos ao governo e às empresas e ii) a abertura da economia nacional ao capital forâneo. Assim, a partir dos anos 1990 se conheceu no país a entrada de novas empresas em praticamente todos os setores, que levou à crescente desnacionalização da economia brasileira, o endividamento constante do Estado, além de taxas de juros elevadíssimas.
Pagamentos astronômicos
Com isto, se encontram as causas da greve docente: i) de um lado, a persistente política da gerência do Estado de reduzir o valor real dos salários dos servidores, além de obrigá-los a trabalhar em condições cada vez piores e, ainda, as ii) dificuldades colocadas à universidade para o trabalho com a ciência e desenvolvimento científico e tecnológico do país.
Quanto ao primeiro caso, tem-se que lembrar que ao Brasil, dada sua condição de semicolônia, para financiar o desenvolvimento que interessa ao grande capital e ao latifúndio, tem que pagar uma elevada taxa de juros para a rolagem de sua dívida. Com isto, paga um dos maiores juros do planeta. Assim, como consequência, a dívida pública explodiu de cerca de R$ 160 bilhões em junho de 1994, quando se inicia o famigerado Plano Real, para mais de R$ 2 trilhões na atualidade.
Entretanto, segundo dados do próprio Banco Central, as gerências de plantão pagaram, entre 1994 e 2010, pelo menos R$ 750 bilhões. Em 2011, a gerência pagou R$ 704 bilhões em juros, serviços e rolagem da dívida e, no primeiro semestre de 2012, pagou R$ 345 bilhões referentes à mesma conta. O peso destes pagamentos é tal que já se configuram como a maior conta do governo federal, constituindo-se em mais de 50% do orçamento federal.
Arrocho nas universidades
Ou seja, o governo, ao invés de preferir pagar saúde, moradia, remédio e educação para o povo, incluindo nela o ensino superior, prefere pagar elevados juros da dívida, que só cresce. Como o capital está em crise e constantemente o Estado pega dinheiro que seria do povo e doa aos monopólios via subsídios e redução de impostos (vide a isenção de IPI para a indústria automobilística, etc), há a necessidade de fazer ajuste para estes pagamentos via redução da massa salarial dos servidores. Daí, portanto, a redução dos salários dos funcionários e dos professores das universidades através do não pagamento nem do dissídio coletivo de trabalho.
Além disso, o governo decide expandir a universidade, mas a faz via Prouni, que tem significado o aumento de alunos nas universidades, mas que não vêm com o mesmo crescimento de recursos para infra-estrutura, de material, equipamento e salas de aula. Assim, várias universidades vivem o caos no início de cada período letivo, haja vista que em muitas delas faltam até salas de aula para os estudantes.
Ou, pior, a abertura e o funcionamento de cursos sem a mínima condição de funcionamento, pois faltam equipamentos da laboratórios, como já se viu no Brasil nos protestos dos estudantes do curso de medicina, por exemplo, no campus da UFRJ de Macaé/RJ; ou do curso de medicina veterinária do campus de Palotina/PR da UFPR. Esses exemplos poderiam ser citados aos borbotões, mas explicitam a falta de recursos destinados à expansão da universidade pública, oriunda da opção de desenvolvimento adotado ultimamente pela gerência do Estado brasileiro.
Conhecimento para quem?
O outro motivo da greve nas universidades se dá pela perda de sua capacidade de produzir conhecimento e de ensiná-lo, constatado pelo tarefismo que ultimamente recai sobre os ombros dos professores. A coisa aqui é muito simples: como praticamente todas as cadeias produtivas do mundo atual, e no Brasil, como país dominado, já estão controladas por empresas mundiais e como elas têm seus setores de Pesquisa e Desenvolvimento (os famosos P&D), a função da universidade vem mudando, se colocando cada vez menos como produtora de conhecimento. Assim, a universidade se torna cada vez mais agência de adequação de tecnologia produzida pelas empresas a situações locais/regionais e, assim, aos professores cabem ou tornarem-se servidores de empresas privadas ou do próprio governo, como prestadores de serviços para a execução de alguma política estatal.
Estas as razões da greve docente nas universidades. De um lado, o justo repúdio à perda das condições de vida oriunda da desvalorização salarial. De outro, o aumento das tarefas e a piora das condições de trabalho, cada vez mais deterioradas.
Essas razões, entretanto, recaem todas sobre a forma da inserção do Brasil no mundo, que exige o pagamento de juros para o financiamento de seu desenvolvimento, bem como a abertura de sua economia para os monopólios transnacionais que, por sua vez, alimenta a situação em que a universidade vai perdendo sua função como produtora de conhecimento. Como consequência, para pagar os juros e sua dívida, a gerência do Estado prefere fazer o ajuste via redução dos valores pagos aos servidores e, com isto, produzindo a piora das condições de trabalho dos professores.
Percebe-se, assim, claramente, que a decisão da atual gerente Dilma Roussef, de não negociar com os professores grevistas, não faz parte de sua vontade, mas de um modelo de desenvolvimento que pretere a existência de uma universidade autônoma, que pense e seja um instrumento do desenvolvimento brasileiro.
Ou seja, a verdadeira causa da greve docente pode ser colocada no tipo de capitalismo aqui existente, aquele de caráter burocrático. Assim, somente a ligação da universidade com as lutas do povo brasileiro, que tenha como horizonte a superação de nossa condição de semicolônia, a construção de uma nova democracia, que daria conta de resolver por completo a necessidade de uma nova universidade.
Agora, para além de denunciar essas relações, é momento de combater firmemente uma gerência visivelmente servil às potências imperialistas, como a do PT, que tem o claro projeto destruir a universidade pública. Ou os professores estão à altura desta tarefa histórica ou continuarão sendo vítimas dessa situação, que atrasa ainda mais a construção da soberania nacional.