De 17 a 22 de junho, realizou-se em Goiânia o 48º Congresso da UNE (União Nacional dos Estudantes). Para quem assistiu a esse evento, certamente chamou atenção a grande farra em que se transformou o congresso. A única diferença deste ato para um baile carnavalesco é que, neste, levantam-se pompons e balões; já no CONUNE erguem-se crachás. Da antiga UNE, organizadora de grandes lutas estudantis, hoje só restam lembranças.
Certamente, uma das causas do atual estado de falência da UNE está na política e nos métodos de direção utilizados por correntes que hegemonizam a entidade há vários anos. O PCdoB, principal tendência dentro da entidade, conseguiu aperfeiçoar métodos escusos de eleição, que o garante na gerência deste rentável negócio que se transformou a UNE, mera fabricante de carteirinhas de meia-entrada. O sistema de controle desta organização se baseia na despolitização completa de setores do movimento estudantil, o que resulta num processo estéril de escolha de delegados para o congresso — geralmente as pessoas que se deslocam até ali vão atraídas pela propaganda dos shows e festas que irão acontecer no local. Somente uma minoria de universitários comparece a tais congressos interessada em debater os rumos do país e as lutas estudantis.
Duas entidades distintas
Em outros tempos — 1968, na cidade de Ibiúna, interior de São Paulo, — mais de mil delegados de universidades de todo o Brasil se reuniam clandestinamente para discutir a organização do movimento estudantil na luta contra a ditadura militar. Mesmo com a prisão de quase todos os presentes, o movimento estudantil ainda conseguiu dar importantes contribuições às lutas pelas liberdades democráticas. Nenhum vestígio sequer guarda a UNE destes seus tempos de luta e rebeldia; nada restou nesse atual ajuntamento oficialista e paralisado.
Congressos como este só podem ser considerados como uma afronta ao passado de lutas da entidade. A seriedade e a democracia que permearam os encontros estudantis até o início dos anos 80 se esvaiu completamente e foi substituída pela total falta de discussões e pela burocratização, pela prática sem princípios e pelos métodos de representação que simulam a democracia.
Esvaziamento
Os grupos de discussões foram praticamente inexistentes — só ocorreram em dois dias e não reuniram 10% dos presentes. As diversas palestras com membros do governo serviram para estancar ainda mais o debate de idéias. Nas plenárias foram discutidas as propostas aprovadas pelo grupo de sistematização, de forma que só se dá espaço àqueles que interessam à direção do CONUNE. O controle das propostas é total. Nas votações, ninguém consegue saber em que está votando. É comum ver “dirigentes” acordando estudantes embriagados e dizendo: “Levanta o crachá!” E é assim que se definem as políticas da entidade.
Porém, a cena que mais sintetiza a grande diferença dos congressos da UNE de hoje dos congressos dos anos 60 e do período de reconstrução é a votação para a nova diretoria. Três horas antes da eleição todos os portões do Ginásio Internacional de Goiânia foram fechados, e a partir das 17 horas os delgados estavam proibidos de deixar o local onde se realizava a plenária final. A UNE, como um órgão estatal, utilizou sua força especial de repressão: dezenas de seguranças contratados, para impedir que os estudantes abandonassem o congresso. No passado, conta-se que operários faziam a segurança dos estudantes para evitar problemas com a repressão. Hoje, seguranças profissionais estão presentes para intimidar a massa estudantil a votar. Grande democracia!
Depois disso é então formada uma fila em direção a saída, e perto da porta se encontram as urnas para a votação; cada chapa possui uma urna na qual os delgados depositam seus crachás de forma que é possível controlar em quem cada um está votando.
Oficialismo
O 48º Congresso da UNE foi uma típica armação política oficial. Sua abertura cumpriu o protocolo de solenidade oficial, com ministros de Estado, governadores e políticos tradicionais presentes. Destaque-se o Ministro da Educação, Cristóvam Buarque, consultor do Banco Mundial para Educação e Marconi Perillo, governador de Goiás pelo PSDB. Mesmo a tônica dos debates seguiu a linha governista, com discussões vazias sobre a redução de 0,5 ou 1,5% da taxa de juros, como vem fazendo a administração federal.
Nas questões da educação, o caráter governista da UNE se torna ainda mais evidente. Ela se transformou apenas em uma subsecretaria do MEC, sem voz nem ação. A UNE de hoje dá suporte à reforma universitária, à sua privatização e sucateamento, que não é nada mais do que a continuidade do projeto MEC/USAID, contra o qual tanto lutou a UNE nos anos 60.
As correntes majoritárias dentro da entidade declaram-se também plenamente a favor das reformas antipopulares que o governo vem tentando implementar. O discurso de “dirigentes estudantis” mais parece a verborragia parlamentar do PT. O tom oficial e cordato das declarações da nova diretoria da UNE é mostra de sua fidelidade ao governo Lula.
Novos tempos virão
O quadro tenebroso do último congresso da UNE não representa uma falência geral do movimento estudantil brasileiro. A falência é da UNE oficial, não do estudantado nacional. A tese do PC doB, vencedora do congresso, se chama “Pra conquistar o novo tempo“. Se for analisada a realidade do país, poderá se perceber que realmente um novo tempo de revelações para o povo virá, um tempo em que oportunistas históricos serão definitivamente desmascarados. A própria desagregação da UNE já pode ser vista nas diversas lutas estudantis do último período — praticamente todas organizadas em a margem desta entidade oficial.
Seguramente, o movimento estudantil não cessou de lutar e, mais dia menos dia, a juventude reconstruirá suas organizações.