A maioria dos intelectuais da Europa ocidental e os meios de comunicação, quase sem exceção, pretenderam escrever sua própria história sobre os acontecimentos da Segunda Guerra Mundial. Seu propósito, que alcançou proporções grosseiras, foi colocar uma cortina de fumaça sobre o papel preponderante e histórico do Exército Vermelho da União Soviética para a derrota do fascismo hitleriano. O curioso é que até os grupos e meios de comunicação de esquerda, ditos antifascistas e antiimperialistas, dançaram ao rítmo da orquestra da grande burguesia dos países dominantes e se referiram ao conflito em termos abstratos e anti-históricos.
Mas tudo o que ocorreu foi a visível e vulgar tergiversação dos fatos históricos. A maior parte da imprensa européia (França, Bélgica, Suíça) não mencionou o Exército Vermelho para reconhecer-lhe os méritos na guerra, mas acusá-lo de invasor dos países bálticos. Faltou pouco para não se apontar os soviéticos como tão culpados quanto as tropas hitlerianas.
Gunter Verheugen, vice-presidente da Comissão Européia, exigiu no começo de maio passado, que Moscou reconhecesse que o Exército Vermelho havia ocupado ilegalmente os países bálticos (Letônia, Estônia e Lituânia). Sobre o mesmo tema, La Libre Bélgique (um diário cristão da Bélgica), anunciou, em 06 de maio de 2005, que a Rússia havia sido convidada com insistência pelo Ocidente a reconhecer a ocupação dos países bálticos pela URSS de Stálin. E o próprio George Bush não teve problemas para denunciar os invasores soviéticos na segunda guerra mundial.
Destruir a memória os verdadeiros fatos históricos é uma arma estratégica dos herdeiros do fascismo Europeu. Seu propósito fundamental é que os povos esqueçam os verdadeiros culpados do terror do passado e abrir caminho ao resurgimento do terror nazista e criminoso na Alemanha, berço do nazismo, Áustria, Itália, Espanha, Bélgica, Holanda, Dinamarca e outros países do eixo da Comunidade Européia, onde grupos ultra-reacionários são forças políticas oficiais que tomam direta ou indiretamente as decisões políticas dos governos.
Deles fazem parte ministros, prefeitos, padres e outros nos altos cargos na administração do Estado. E os que financiam e sustentam as organizações de extrema direita são os mesmos estados e as grandes transnacionais. Por exemplo: na Bélgica, o grupo nazista chamado Vlaams Belang é a terceira força política na parte onde há influência holandesa, e sua presença é tão forte que os partidos chamados democráticos começam a cumprir o que é ditado e o programado por ele, reivindicando o nacional socialismo hitleriano. Este grupo recebe anualmente vários milhões de euros do Estado belga e tem acesso aos canais de televisão e outros meios de comunicação. Na Europa, em meio a crescente crise econômica, abrem-se os estados policiais, cresce o ódio contra os estrangeiros e começam a se reaglutinar as forças atrasadas da Igreja católica cujo Papa, ex-militante da juventude hitleriana, é a expressão do avanço fascista nos países da Comunidade Européia. É neste contexto, controlado pelas forças mais retrógradas do sistema capitalista, que se tergiversa a história e com ela facilita-se o reaparecimento de antigos colaboradores nazistas e simpatizantes do domínio racial.
Síntese da verdadeira história
A forma como a burguesia internacional trata o 60º aniversário do triunfo sobre o nazismo hitleriano mostra que até a história tem um caráter de classe. Os verdadeiros fatos devem ser resgatados em sua autenticidade, pois isto serve como prova do heroísmo de um povo que lutou não só por sua liberdade, mas também pela de todos os habitantes do planeta.
É bom lembrar que um fator histórico-político fundamental na exemplar resistência do povo soviético frente ao invasor alemão foi o Partido Comunista da União Soviética (PCUS). Esta organização revolucionária criada por Lênin, dirigiu a unidade e a luta do povo contra as tropas nazistas. Os mais destacados combatentes na vanguarda soviética foram, sem dúvida, os operários. Por isso, a primeira atitude tomada pelas tropas hitlerianas quando passavam a controlar povoados e cidades era executar massivamente, e no ato, os quadros e militantes comunistas.
Em 22 de junho de 1941, a Alemanha nazista executa o “Plano Barbarossa” e ataca a União Soviética. Para os soviéticos se inicia a guerra, com a maior mobilização de massas jamais vista na história da humanidade. Operários, camponeses, donas de casa, jovens e velhos unidos à resistência armada empreendem a grande epopéia contra o nazismo. Para atacar a URSS, Hitler utiliza um exército de mais de 6 milhões de homens, na época a mais poderosa força militar do mundo capitalista. Em novembro — pouco mais de um ano do início do “Plano Barbarossa” —, as tropas alemãs ocupavam militarmente um território soviético de 1.800 Km², onde antes da guerra viviam 80 milhões de pessoas. Em termos comparativos, o território ocupado pelos nazistas equivalia à Inglaterra, França, Itália e Suécia, juntas.
A frente soviética foi decisiva na Segunda Guerra Mundial. No período de junho de 1941 a 9 de maio de 1945, as forças armadas nazistas (Wehrmacht), perderam, na guerra contra os soviéticos, 80% de seus efetivos. Isso significa que 607 divisões alemãs foram liquidadas e feitas prisioneiras. Quase quatro vezes o que eles perderam nas frentes da África do Norte, na Itália e Europa Ocidental. Só na batalha de Stalingrado, de 17 de julho de 1942 a fevereiro de 1943, os nazistas perderam 1,5 milhões de soldados e oficiais, o que corresponde a 11% de suas perdas totais na segunda guerra mundial. Derrotadas, as tropas de Hitler deixaram em solo soviético 3.500 tanques, 3 mil aviões de combate e transporte, 12 mil canhões e morteiros e outros materiais de guerra. Os soviéticos, por sua vez — mostram investigações recentes — perderam entre 26 e 27 milhões de habitantes. Em cada cinco homens que perderam a vida na segunda guerra mundial, dois eram soviéticos.
Outro elemento importante a ressaltar é que a II Guerra mostrou a face extrema do sistema capitalista mundial e a voracidade imperialista. Dizer que Adolf Hitler foi um aventureiro ou louco tem apenas o propósito de ocultar a essência política da guerra. A Alemanha hitleriana foi a expressão social e política de uma fração da burguesia internacional e nesse lugar fixou a medula do ódio de classe contra o socialismo soviético. Numerosos historiadores reconhecem que o objetivo fundamental do governo alemão foi o extermínio da União Soviética como república socialista. A propósito da participação gloriosa do povo soviético, os belgas Guy Spitaels, ministro de Estado, Jean-Marie Chauvier e Vladimir Caller publicaram um artigo que, como flor no deserto da imprensa burguesa, escapou milagrosamente da censura da Santa Inquisição, para relatar com extraordinária objetividade as razões pelas quais a história tem sido grosseiramente distorcida. Com o título Por que minimizar a vitória comunista?*, os autores iniciam sua narração com uma pergunta bastante sugestiva, que respondem assim:
“Por que aquilo que era uma verdade em 1945, momento da vitória sobre o nazismo, não o é agora? Essa vitória teve como principais protagonistas o Exérito Vermelho e o povo soviético. A metade das vítimas da segunda guerra mundial foi de soviéticos. Os chefes nazistas haviam previsto o desaparecimento de pelo menos 30 milhões de “Untermenschen” (subumanos) soviéticos e a deportação de outro contingente de 30 milhões. Nos territórios soviéticos ocupados, os nazistas conseguiram exterminar 10 milhões de pessoas desses 2,7 milhões de judeus. Somente entre 1941 e 1942 houve 3,3 milhões de prisioneiros soviéticos eliminados na “morte programada”. O cerco de Leningrado, as 70 mil cidades destruídas, os inúmeros massacres perpetrados pelos Einzatsgruppen, os SS, a Wehrmacht e seus auxiliares nacionalistas ou fascistas (polacos, bálticos, letônios, lituanos e ucranianos). Um genocídio frente ao qual os soviéticos lograram salvar um milhão de judeus… O que foi dito até aqui não se trata de uma opinião e sim um dos maiores fatos históricos pouco conhecido pelas novas gerações.
Segundo os autores, O presidente Franklin Roosevelt, o primeiro ministro britânico Winston Churchill e o general de Gaulle, principais chefes políticos e militares dos países da coalizão anti-hitleriana, reconheceram o desempenho dos soviéticos na vitória contra o nazismo em 1945. Teria sido possível a libertação sem as sucessivas vitórias soviéticas em Moscou, Stalingrado e Kursk? Ou sem a imensa contra-ofensiva dos exércitos do Marechal Zhukov que só terminou quando foi colocada a bandeira vermelha sobre o Reichstag em Berlim? Sem essas vitórias vermelhas, o judeucídio por parte dos nazistas haveria continuado até a extinção de 11 ou 12 milhões de judeus na Europa como expressava o objetivo hitleriano. O que parece é que se deseja falar o menos possível dessa contribuição soviética à liberdade, embora Ernest Hemingway tenha registrado que “Toda uma vida não seria suficiente para agradecer o que fez o exército vermelho pela liberdade”. Os autores assinalam que teria ocorrido um tabu a posteriori sobre o reconhecimento da participação fundamental da URSS na II Guerra Mundial. Para sustentar essa versão, recorrem aos argumentos dos historiador Marc Ferro, especialista em História Russa, para o qual só após os soviéticos destroçarem a poderosa Wehrmacht foi possível a americanos e ingleses desembarcar epara libertar a Europa Ocidental. O historiador ressalta que, quando se instalou a “guerra fria”, mudou a historiografia ocidental, reduzindo a quase nada os feitos dos soviéticos na luta contra Hitler. E agora, segundo Marc Ferro, a tendência é exclusivamente a de ressaltar o papel dos anglo-saxões nos triunfos da segunda guerra mundial. Há, sobretudo, resistência em admitir a superioridade técnica industrial dos russos sobre a Alemanha durante a guerra, escreve o historiador, citando, como prova, o T-34, o melhor tanque da época, que provocou pânico nos alemães, a produção de canhões de grande qualidade. Ferro acrescenta que a ajuda em equipamentos de guerra entregues pelos anglo-saxões aos russos só veio depois da vitória soviética em Stalingrado.
Os articulistas observam que, em 1941, quando parecia o fim da URSS, aquele país se recompôs mediante uma gigantesca e impressionante mobilização patriótica. Para lutar contra o invasor se juntaram russos, judeus, ucranianos, bielo-russos, georgianos, armênios, mulçumanos do Cálcaso, da Criméia, da Ásia Central, batalhões recrutados nos gulags (cárceres), etc. Essa resistência foi também um lugar de iniciativas espontâneas e de uma grande criatividade social e artística. Algo sumamente importante é que novas investigações nos arquivos da segunda guerra mundial confirmam que o genocídio perpetrado pelos nazistas contra os “subumanos” eslavos e o começo do genocídio contra os judeus foram parte de um só processo, dirigido contra o bolchevismo, e que isso foi de natureza colonialista e racista.
Os autores ressaltam que o número de 20 milhões, referente às vítimas na URSS, não pode ser considerado exagerado. Recentes investigações mostram que as vítimas soviéticas na segunda guerra mundial seriam de 26 a 27 milhões de pessoas. A isso deve ser agregado dezenas de milhões de mutilados, órfãos, de pessoas sem moradias e sobretudo, dizem eles, sem “Plano Marshall” para reconstruir uma URSS cansada e duramente destruída. Outra verdade assinalada pelos autores é que a Frente do Leste contra o judeu-bolchevismo (segundo a definição nazista do poder soviético), não estava integrada somente pelos alemães. Havia tropas aliadas da Romênia, Hungria, Espanha, Itália, Croácia, de legiões e divisões do SS de toda Europa e compreendidos por flamencos (de Flandres), wallones (da Bélgica) que apoiaram os planos hitlerianos mediante a benção de certos clérigos. Os articulistas ressaltam que a tese que falava da Europa cristã e civilizada contra a barbárie bolchevique sempre encobriu a colaboração com o nazismo. E isso precisamente, dizem, serve agora para reabilitar na Alemanha os herdeiros do nacional-socialismo e os colaboradores nazistas na Ucrânia, nos países bálticos e mesmo em Flandres (flamencos da Bélgica).
Assim — concluem — desejamos simplesmente que nestes 8 e 9 de maio, dias da capitulação nazista, certos fatos históricos não sejam recobertos de mentira por omissão. E que a ocasião não sirva para reabilitar a colaboração e levantar monumentos aos antigos SS.
Título original do artigo: Uma vida inteira não será suficiente para agradecer o que o exército vermelho fez pela liberdade, Ernest Hemingway ** No original: Pourquoi minimiser la victoire rouge. La Libre Belgique, segunda 9 de maio 2005. Luis Arce Borja é diretor do El Diário Internacional, editado em Bruxelas, um dos mais valorosos orgão da imprensa de novo tipo.
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