Segunda-feira, 04 de setembro, os camponeses Almir, Cícero e Marivaldo deixam o Acampamento Gabriel Pimenta, em Cumaru do Norte — sul do Pará, para participar da libertação das terras do latifúndio conhecido como Cumaru do Sul. Poucos dias depois da entrada no latifúndio, outras 100 famílias aderiram ao acampamento, exigindo que as terras fossem repartidas.
As terras de Cumaru sempre foram palco de sangrentas batalhas entre camponeses e latifundiários. A fazenda Estrela de Maceió, por exemplo, é um grande latifúndio improdutivo e não-documentado onde centenas de pessoas já morreram em busca de suas boas terras. Na fazenda Cumaru do Sul, a história é a mesma, sendo o mandante o latifundiário conhecido como Cássio Durval. Claro, nunca houve apuração dos casos.
Almir, Cícero e Marivaldo foram interceptados na estrada, logo na saída da fazenda, por seis homens fortemente armados, vestidos com coletes e fardas da polícia e do exército. Durante mais de 3 horas os camponeses, sob a mira das armas, foram interrogados e humilhados covardemente.
Almir e Cícero foram executados com disparos à queima-roupa. Marivaldo, baleado, foi solto para que pudesse viver e espalhar pânico entre as demais famílias.
Por três dias os corpos de Almir e Cícero ficaram expostos à beira da estrada que liga o acampamento à cidade, enquanto os acampados se protegiam de outros jagunços que continuavam rondando a região.
Toda a população de Cumaru acompanhou o processo e a espera pelo resgate dos corpos. Não houve quem não se indignasse com a morosidade dos órgãos responsáveis.
Após feitos os procedimentos de praxe, não se teve mais notícias. Ainda não se sabe com certeza onde os corpos foram enterrados. As viúvas, os filhos e os parentes não puderam sequer velar seus mortos. Esse é o tratamento dispensado aos filhos do povo.
"A culpa é do povo!"
Os camponeses acampados cobraram com revolta e ódio a punição severa dos envolvidos no bárbaro crime. Imediatamente foi marcada uma reunião com a Ouvidoria Agrária na cidade de Redenção.
Ao ser indagado sobre a documentação das terras do latifúndio, Celso Florêncio, ouvidor agrário regional disse:
— Todos sabem que a maioria dessas terras são griladas.
Diante da contundente cobrança de um camponês que exigia providências concretas para a apuração da chacina, dizendo que todos na região sabiam quem foi o mandante e os executores, o ouvidor agrário regional em Marabá, Celso Florêncio, ficou acuado, e respondeu como um digno policial:
— Aliás, foi você quem levou as famílias para lá? Saiba que os responsáveis pela mobilização das famílias serão todos duramente punidos.
Essa é a lógica dos órgãos do Estado: rastejar perante o latifúndio e acusar o povo por suas desgraças e por levantar a cabeça por justiça.
Marivaldo encontra-se sob tutela da justiça. Além de ter seu braço amputado em decorrência da bala, agora ele precisa ficar escondido, porque é a única testemunha e corre risco de vida. Será que de fato ele receberá "proteção" do mesmo Estado que acoita os responsáveis pela chacina? Por que o camponês, que é a vítima, tem que ficar se escondendo como se fosse o réu, enquanto o latifundiário e seus pistoleiros circulam livres e são recebidos amigavelmente nas eternas ‘mesas de negociação' com o governo? Viver foi a sorte de Marivaldo? Ou seu castigo?
O Incra gagueja
Como a notícia do acontecimento repercutiu por todo o Brasil e a Ouvidoria de Marabá fracassou em sua tentativa de ‘pacificação', veio mais uma vez à região o Ouvidor Agrário Nacional Gercino Filho.
Enquanto Raimundo de Oliveira, gerente do Incra de Marabá, respondia com balbucios a firme exigência dos camponeses para que se realizasse a vistoria nos latifúndios Cumaru do Sul e Estrela de Maceió, foi entregue nas mãos do Ouvidor Agrário Nacional um documento escrito por um dos coordenadores da Liga dos Camponeses Pobres onde eram relatados os fatos ocorridos em Cumaru e se cobravam medidas. Letras mal articuladas por mãos embrutecidas pelo trabalho pesado, mas cheias de significados, sentimentos e indignação.
Passados mais de dois meses, nenhuma resposta foi dada, como já era de se esperar.
Cumaru em chamas
O Prefeito da cidade se suicidou. Os pistoleiros assassinos estão soltos e, mesmo reconhecidos, andam livremente pelas ruas intimidando a todos. Notícias de toda sorte se espalham: … que o vice já recebeu telefonema de apoio e solidariedade do ‘coronel' Cássio Durval; … que o gerente e os jagunços, travestidos de vaqueiros e funcionários, retiraram suas mulheres da área prevendo um possível conflito de grandes proporções, um revide dos camponeses.
Existe uma situação de guerra em Cumaru, uma tensão que parece a todo momento querer explodir. Paira pela cidade um silêncio e um balbucio que não deve, de forma alguma, ser confundido com medo ou inércia. É a revolta se gestando. É muita revolta que se acumula e arde por virar ação!