Chile: “Que vivam os estudantes!”

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Chile: “Que vivam os estudantes!”

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Que vivan los estudiantes
Jardín de las alegrías
Son aves que no se asustan
De animal ni policía

Que vivan los estudiantes
Por que son la levadura
Del pan que saldrá del horno
Con toda su sabrosura
Para la boca del pobre
Que come con amargura

(Trechos da canção Me gustan los estudiantes, de Violeta Parra)

A música da inesquecível Violeta, composta em 1962, mostra que no Chile não mudou a repressão ordenada pelos carrascos do povo e tampouco a combatividade dos seus jovens.

Há três meses os estudantes chilenos estão escrevendo mais uma honrosa página da História de seu país. Os protestos iniciados em maio vêm tomando as ruas da capital Santiago e de outras cidades como Valparaíso e Concepción, arrastando consigo cada vez mais segmentos das massas.

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Forças de repressão atacam violentamente os protestos assassinando o jovem Manuel

Vê-se que o revisionismo e o oportunismo dirigem boa parte dos protestos, aproveitando as manifestações para fazer grandes celebrações de Allende e da Unidade Popular, derrubada pelo golpe de Pinochet em 1973.

Sinal disso foi a vinda ao Brasil da liderança mais destacada dos estudantes, Camila Vallejo, presidente da Confederação dos Estudantes do Chile, que desfilou por Brasília com membros da UNE e afirmou que o movimento estudantil brasileiro é mais avançado, porque “se articulou com a sociedade e o governo ao longo da história e teve conquistas, ainda que pequenas”.

O principal motivo dos protestos dos jovens é o definhamento do ensino público gratuito, substituído pelo ensino pago. A indignação explodiu com a apresentação, pelo gerente Sebastián Piñera, do projeto Grande Acordo Nacional pela Educação (que tem a sintomática sigla de GANE, que significa “Ganhe” em português). Ao defender o projeto, o ex-banqueiro e milionário Piñera sequer disfarçou seu objetivo: afirmou que a educação “é um bem de consumo”, “tem um componente de investimento” etc e tal. Foi o que bastou para que a estudantada tomasse ruas e praças (como a Itália, no centro da capital) diversas vezes, apesar dos cães, bombas de gás, jatos de água e cerca de 600 presos.

No primeiro protesto, presentes apenas os universitários convocados pela Confederação de Estudantes do Chile (Confech), Federação dos Estudantes da Universidade do Chile (Fech) e Federação dos Estudantes da Universidade Católica (Feuc). Em seguida, uma torrente de secundaristas, de alunos dos Centros de Formação Técnica (CTF), dos Institutos Profissionais (IP) e até de colégios e universidades particulares.

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Os secundaristas fizeram mais. Esses jovens, chamados de “pinguins” devido a seus uniformes azul-escuro e branco, além de irem às ruas e entrarem em combate com os carabineros (força policial), fizeram ocupações de suas escolas.

O apoio popular à luta é enorme e os enfrentamentos radicalizam-se dia a dia. Uma pesquisa verificou que 80% dos chilenos condenam a privatização do ensino.

Funciona no país um sistema de empréstimo do governo federal, denominado ‘Bolsas com Aval do Estado’, onde os juros (6%) são superiores aos de um crédito hipotecário. Assim, o universitário chileno é despejado no mercado de trabalho já carregando uma dívida aproximada de 30 mil dólares (Artigo de Neirlay Andrade, 9 de agosto, sítio rebelion.org).

Um documento governista denominado Orientações de Políticas no Setor Educacional definiu que a educação é um serviço e a população do Chile paga cerca de 300 dólares por mês para obtê-la, calcula Neirlay. Porém Sebastián Piñera, não satisfeito, tratou de mercantilizar também o ensino pré-escolar, básico e secundário.

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Revolta estudantil não poupou viaturas policiais

Informa Neirlay: “Em sua matemática liberal, o Estado calcularia o gasto mínimo de cada estudante, o multiplicaria pela quantidade de alunos e assim definiria o orçamento para cada escola municipal. Nas comunidades das classes endinheiradas, onde todas as crianças comparecem às aulas, a subvenção estatal é elevada; porém nos bairros populares, onde os jovens frequentam menos, o orçamento mal dá para pagar a folha salarial e a manutenção”.

Espera-se que a combatividade dos estudantes chilenos não seja diluída pelas manobras oportunistas e que lutem até a vitória.

Um encontro com os desaparecidos

Em 1980 fiz minha primeira viagem ao Chile.

Uma cascata de dólares jorrava para o exterior, empobrecendo uma população que nunca sabia se seu emprego duraria até o dia seguinte. E mais: proibida de reclamar. Uma mordaça apertada, rígida, cruel que se fazia acompanhar de detenções diárias, torturas e desaparecimentos.

Porém existia ainda, no Chile de Pinochet daquele 1980, uma punição da qual eu nunca tinha ouvido falar e creio que boa parte dos brasileiros também não. Era o chamado “relegamento”. Uma espécie de exílio interno, forçado e quase sempre clandestino.

Prisioneiros do regime eram levados aos extremos norte e sul do país e lá despejados num vilarejo qualquer, apenas com a roupa do corpo.

Nos meses em que durava o relegamento, a pessoa estava proibida de trabalhar para seu sustento e qualquer um que lhe desse emprego era punido. Embora solta, a pessoa dificilmente poderia fugir pois era obrigada a comparecer uma vez por dia na delegacia policial do lugarejo para assinar um comprovante de presença.

Os extremos do país eram os pontos escolhidos pelos milicos, também como um componente sádico. Além de serem longínquos, seu clima era um sofrimento à parte. No sul, gélido e úmido. No norte, seco e desértico (tórrido de dia e frio de noite).

Essas informações, eu soube por um estudante chileno que encontrei relegado na pré-Antártida.

Foi assim:

Naquela viagem de 1980, depois de visitar Santiago e Valparaíso, a curiosidade de jornalista me conduziu ao sul. Na ilha de Chiloé, lugar solitário, a 1.100 quilômetros da capital, onde chove todo dia e a temperatura média não passa dos 10 graus, conheci o jovem Cláudio e sua história.

Cláudio não estava só. Com ele outros quatro estudantes. Todos de universidades de Santiago.

Como não morreram de fome e de frio, já que vieram sem roupas e não podem trabalhar para comer? — perguntei.

Seu olhar se iluminou:

Porque existe a solidariedade do povo.

Numa casinha minúscula, uma enfermeira do posto de saúde havia recolhido os cinco. Todos vestiam roupas quentes e pareciam saudáveis. Não, não era o ínfimo salário da enfermeira que os mantinha aquecidos e nutridos.

Toda semana aparece comida e roupa aqui na porta — esclareceu Cláudio.

As famílias de vocês também mandam coisas?

Riram. Porém foi um riso amargo:

Nossos pais nem sonham onde estamos. Inclusive devem estar sofrendo muito porque imaginam que morremos .

Eles tinham sido presos uns dois meses antes dentro de uma das faculdades, num evento considerado subversivo, e largados em Chiloé.

Ficaram contentes ao saber que em breve eu voltaria a Santiago e indagaram se poderia procurar a mãe de Cláudio lá, para contar que estavam vivos e bem. Topei.

Antes de embarcar fui pegar o endereço. Cláudio me deu, mas segundo ele, nem precisava mais me “incomodar”, porque agora todo o Chile já sabia.

Ele e os outros estavam exultantes!

De algum modo eles tinham conseguido se comunicar com a Rádio de Moscou (um programa feito em língua espanhola) e a notícia acabara de ser dada no velho aparelho ligado na sala da casinha.


Greve geral

No dia 25 de agosto foi deflagrada uma greve geral de 48 horas convocada por sindicatos e organizações de trabalhadores. As ruas de Santiago e de várias outras cidades do Chile amanheceram tomadas por milhares de pessoas que exigem mudanças políticas, sociais e lutam contra as medidas antitrabalhistas da gerência Sebastián Piñera.

Os protestos receberam forte adesão do movimento estudantil. Em vários pontos da capital, jovens trabalhadores e estudantes entraram em confronto com a tropa de choque da polícia e ergueram barricadas pelas ruas. No primeiro dia de greve, em todo o país 348 manifestantes foram detidos.

No dia 26 de agosto, durante os enfrentamentos entre estudantes e a polícia, o adolescente Manuel Gutiérrez Reinoso, de 14 anos, foi baleado no peito no município de Macul, região metropolitana de Santiago. Manuel morreu enquanto recebia os primeiros socorros em um centro médico. A família e amigos do jovem afirmam que o disparo foi feito por um grupo de carabineros (força policial) que tentavam reprimir os manifestantes na localidade.

Outro adolescente de 18 anos encontra-se gravemente ferido após também ter sido baleado por um disparo no olho, em La Pincoya, quando participava dos protestos.

Nos dois dias de batalhas, 456 pessoas foram presas e 78 feridas, entre elas 17 carabineiros.

Os sindicatos e organizações estudantis prometem, para setembro, um mês de intensas mobilizações. No calendário de lutas estão assinaladas duas datas em que tradicionalmente são realizados protestos pela juventude no Chile: os dias 4 e 11 de setembro, aniversário de Salvador Allende e o dia do golpe militar-fascista no país.

Cronologia do protesto popular no Chile

12/05 Primeiras manifestações massivas em Santiago e em outros estados. 20 mil estudantes se reúnem na capital.

26/05 Milhares de estudantes vão às ruas em Santiago e convocam uma greve nacional para 1º de junho.

01/06 15 mil estudantes marcham desde a Universidade Nacional do Chile até o Ministério da Educação. O protesto ocorreu em várias cidades do país.

11/06 Estudantes secundaristas começam a ocupar os colégios em apoio à luta.

14/06 O Ministério da Educação informa que 98 escolas secundárias estavam ocupadas.

16/06 Cerca de 100 mil estudantes protestaram em Santiago. As marchas pela educação se realizam simultaneamente em todo o país, levando cerca de 150 mil chilenos às ruas.

23/06 Novo protesto leva 20 mil estudantes às ruas da capital. O ministro da educação entrega uma proposta de reestruturação do ensino aos estudantes.

26/06 Os estudantes não aprovam a proposta e avisam que seguirão com as manifestações.

28/06 O governo adianta as férias escolares de inverno e estende o ano escolar nos colégios secundários ocupados.

30/06 Cerca de 100 mil professores e estudantes protestam em Santiago.

05/07 O gerente Sebastián Piñera propõe um novo acordo, mas afirma que a educação não pode ser gratuita para todos.

06/07 Os estudantes rejeitam a proposta presidencial, já que não universalizava a gratuidade da educação.

08/07 Estudantes secundaristas ocupam a sede da Unicef.

14/07 Apesar da proibição da marcha, em Santiago os estudantes se manifestam desde a Praça Itália até a emblemática La Moneda.

18/07 Cai o ministro da educação chileno.

19/07 Estudantes secundaristas começam uma greve de fome em várias escolas que ganha grande adesão.

27/07 ministro da educação se reúne com estudantes e professores e pede o fim das manifestações como condição para o diálogo. A proposta é rechaçada pelos manifestantes.

01/08 O governo volta a propor mudanças que não são aceitas pelos manifestantes.

04/08 O governo proíbe marchas pelas principais avenidas da capital. Mesmo assim, ocorrem várias manifestações no centro da cidade. A polícia reprime com violência e prende 874 pessoas em todo o país.

07/08 Milhares de pessoas foram às ruas de Santiago em mais um protesto.

16/08 Estudantes promovem panelaço em Concepción, região central do país.

18/08 15 mil chilenos marcham em Temuco, sul do Chile. Quatro mil marcham em Osorno, também no sul. Três mil marcham em Valdívia, norte do país.

21/08 400 estudantes partiram em um marcha de 120 km desde Santiago até Valparaíso, onde fica o Congresso Nacional.

23/08 Chilenos saíram às ruas, promovendo um grande panelaço, de norte a sul do país.

24 e 25/08 A Central Única dos Trabalhadores do Chile convoca uma greve nacional de trabalhadores e estudantes pela educação e por mudanças na constituição vigente, promulgada por Pinochet durante o gerenciamento militar. Houve protestos em todo o país.

25 e 26/08 Greve geral de 48 horas. Milhares de trabalhadores e estudantes tomam as ruas e enfrentam as forças de repressão. Centenas de manifestantes são presos e há dezenas de feridos entre manifestantes e policiais. Um jovem de 14 anos é morto pela polícia durante as manifestações.

Solidariedade internacional

31/07 Segunda manifestação em Barcelona, na Espanha, em apoio ao movimento estudantil chileno.

09/08 Chilenos e espanhóis saíram às ruas em Barcelona, pela terceira vez, em apoio à luta estudantil.

11/08 Chilenos e alemães marcham em Berlim em apoio à luta estudantil no Chile.

12/08 Protesto em Genebra, Suíça, em apoio aos estudantes e ao povo chileno.

15/08 Chilenos em Nova Iorque, USA , realizam a segunda manifestação, na Ponte Brooklin. A primeira ocorreu dias antes na Time Square. No mesmo dia, chilenos e espanhóis também foram às ruas de Madri pela segunda vez, em defesa da educação pública e gratuita no Chile.

20 e 21/08 Chilenos residentes na Inglaterra realizaram manifestação de apoio à luta estudantil em seu país.

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